Trauma. Difícil começar um texto com outra palavra, e só pode ser ela, que traduz o sentimento que invadia muitos de nós. Era para ser um momento de muita alegria, resultado de meses de intenso trabalho, centenas de inscrições, custosamente distribuídas em três dias, por 27 mesas, cada uma delas organizada em cinco salas, e cada sala com cinco apresentações, pela manhã e outras tantas à tarde. Muito esforço pessoal, voluntário, feito com extraordinária dedicação e com o uso da internet.
Finalmente chegou o dia de iniciar o Congresso Internacional de Estudos Judaicos de 2023. Tínhamos superado a persistente pandemia, resolvida a prolongada greve, e nos reunimos à porta da Casa do Japão com um sentimento de angústia. A alegria foi brutalmente assassinada no sábado de 7 de outubro, quando o Hamas atacara Israel.
Mas… como disse Suzana Chwarts, diretora do Centro de Estudos Judaicos da USP e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Judaicos e Árabes, nós estávamos “numa universidade. Portanto, nos cabem reflexão e debate. Reflexão, pensamento crítico, argumentação: essa é a razão de ser de uma universidade e também a única via legítima para se produzir algum conhecimento válido que avance as mentalidades e que contribua para edificar uma sociedade mais livre e mais esclarecida”.
E todas e todos nós temos um compromisso, uma obrigação: a responsabilidade pelo que é dito; dentro e fora de sala de aula. Nós aprendemos a duras penas que ódio, discórdia, não fazem parte do vocabulário de uma instituição de ensino, sob pena de paralisar o pensamento.
E foi assim que entramos no auditório e ouvimos a extraordinária análise do professor Bernardo Sorj, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que encarou a complexidade do “Judaísmo diaspórico e do judaísmo israelense”, incluindo como subtítulo “Reflexões sobre as transformações da identidade judaica”. Sorj enfrentou o múltiplo lugar que nós, judeus da diáspora – ou das várias diásporas, encaramos.
As 120 comunicações, absolutamente diversas, tentavam responder à questão da identidade ou das identidades do judaísmo pelo mundo. Havia pesquisas sobre todos os campos: da Antiguidade à Idade Média, da Bíblia ao Concílio Vaticano II, dos cemitérios ao lugar das coisas, à ecologia, à Amazônia, das rezas ao Diabo, e até uma cuidadosa análise de um pesquisador de Goa com um texto antitalmúdico do século 16, além da Filosofia à cabala, sem citar a diversa literatura judaico-diaspórica da Polônia, América do Sul, Rússia, Itália, Portugal, passando pelos cronistas, viajantes e a etnobotânica, sem esquecer a mulher, desde Oseias, Marina Abramovic, e o sagrado feminino.
Chamou a atenção a presença de pesquisadores e pesquisadoras muito jovens que se embrenham em novas áreas e ousam abrir campos inexplorados, contemporâneos e usam toda a metodologia e técnicas disponíveis.
Assim, apesar do antissemitismo exacerbado no atual momento, o Congresso manteve uma porta
aberta à ciência.