As primeiras referências escritas ao vinho produzido em Bordeaux remontam ao século IV, quando o poeta galo-romano Ausone, que hoje empresta seu nome a um dos grandes vinhos de SaintÉmilion, escreveu poemas enaltecendo os vinhos da região – dentre os quais o que ele próprio produzia.
Há fortes indícios de que por volta desta época a viticultura se espalhou e consolidou na Aquitânia sob domínio romano, depois de ter chegado ao Rhône. Boa parte da reputação do vinho bordalês se estabeleceu durante o domínio inglês, a partir de 1152. Com o casamento de Eleonora da Aquitânia com Henrique II Plantageneta, rei dos ingleses e duque da Normandia, a região, assim como boa parte do oeste da França, ficou separada do restante do país por mais de três séculos, até o final da Guerra dos Cem Anos.
Mesmo com a reconquista da região pela França, em 1453, o comércio de vinho com a Inglaterra continuou, já que o “claret” – nome dado pelos britânicos ao vinho de Bordeaux por sua coloração rubi clara – havia conquistado reputação. Com o fim do domínio inglês, os comerciantes holandeses passaram a dominar a compra do vinho da região; foram os holandeses, aliás, os responsáveis pela drenagem dos pântanos que dominavam o Médoc – a mais importante região de Bordeaux atualmente – no século XVII.
Uma Grande Produtora
Bordeaux concentra a maior quantidade de grandes propriedades vinícolas e todos seus vinhos são AOC. Diferentemente da outra principal região, a Borgonha, aqui os vinhedos são extensos, muitos deles ao redor de châteaux, castelos que servem de sede para as grandes casas produtoras. Muitas vinícolas adotaram o nome château mesmo não possuindo um castelo, tão grande é a associação feita entre vinhos de Bordeaux e os castelos.
Os terrenos são, de modo geral, bastante planos e a composição do solo favorece a drenagem. Na margem esquerda do Garonne e do estuário do Gironda predominam os solos arenosos misturados a cascalho (graves, em francês, que dão nome a uma região de Bordeaux cujo solo possui um grosso substrato de cascalho). No outro lado, ao longo da margem direita do Dordogne e do Gironda, a variedade é maior: argila, calcário, areia e cascalhos aparecem em diferentes trechos e muitas vezes se misturam. Já entre os rios Garonne e Dordogne, na área conhecida como Entre-deux-mers (em português, entre dois mares), a composição do solo é basicamente argilo-calcária; este solo mais fértil prejudica o crescimento.
As Uvas de Bordeaux
Devido a associação do nome Bordeaux com vinhos estruturados e elegantes, cerca de 80% de sua produção é tinta com predominância de Cabernet Sauvignon e Merlot.
O tinto de Bordeaux é famoso e, mais uma vez, se opõe ao da Borgonha por ser um vinho de corte, isto é, composto por mais de uma uva, e não um monovarietal. Cada uva desempenha seu papel na mistura, cujas proporções e protagonistas variam de acordo com a sub-região. A Cabernet Sauvignon, provavelmente a mais globalizada das uvas, dá vinhos tânicos e complexos e é a tinta predominante na margem esquerda, mais quente e, portanto, mais propícia a seu amadurecimento. No total, a Cabernet Sauvignon ocupa 25 mil hectares em toda a região. A Merlot, um pouco mais macia, mas também com boa estrutura, é a mais plantada de Bordeaux, cobrindo aproximadamente 40 mil hectares. Os vinhos mais reputados, em que ela é a cepa principal do corte, são os produzidos na margem direita, de clima mais continental e ameno.
A Cabernet Franc é a mais importante coadjuvante nos tintos bordaleses, embora podem também aparecer no corte bordalês, em menor grau, as variedades Petit Verdot, Malbec e, muito raramente, a Carmenère.
Mas não só de tintos vive esta Região, assim como eles, raramente um branco de Bordeaux será produzido apenas com uma cepa. Despontam como principais componentes do bom branco bordalês a Sémillon e a Sauvignon Blanc. A primeira, opulenta, doce, untuosa e muito suscetível à pouriturre noble é sempre a protagonista nos vinhos doces, notadamente os Sauternes e Barsac. Já a Sauvignon Blanc, mais ácida, delgada e herbácea, suaviza a doçura nos vinhos botritizados e é o principal componente dos brancos secos de Graves, mais reputados, e de Entre-deux-mers.
Os Grandes Châteaux de Bordeaux
Pela riqueza histórica, pela qualidade, pela elegância e desejo do mundo pelos Grandes Vinhos de Bordeaux, corremos grandes riscos de sermos “injustos” em ousar listar os melhores e mais renomados Châteaux.
Citarei 3 grandes nomes que, não os classifico-os, mas com toda a certeza, são referencias de uma região tão especial em que As simpáticas estradas que saem do centro da cidade nos levam até as comunas e vilarejos de suas sub-regiões, onde os fascinantes châteaux com suas incríveis arquiteturas nos contam o passado da região ao mesmo tempo em que engarrafam as safras futuras.
Château Margaux (Margaux)
Se você é amante de vinhos, provavelmente já se deparou com o nome do Château Margaux nas listas de melhores ou mais conhecidos do mundo.
Ele é um dos cinco Premier Grands Crus Classés de Bordeaux, da Classificação de 1855, o que o torna um dos mais exclusivos e mais caros do mundo.
É conhecido por seu blend entre, principalmente, Cabernet Sauvignon e Merlot que ao longo dos anos desenvolve ainda mais requinte, complexidade aromática e uma presença marcante na boca.
Essa propriedade histórica, que acumula séculos de tradição e excelência – o início do Château Margaux remonta ao século 16.
Château Cheval Blanc (Saint-Émilion)
Uma mistura muito bem-vinda entre a simplicidade da vida no campo e a modernidade dos processos de produção do vinho na arrojada cave é um resumo do que podemos encontrar logo de cara no Château Cheval Blanc.
A propriedade fica em Saint-Émilion, na margem direita do rio.
Categorizado como um dos Premier Grands Crus Classés A na Classificação de Saint-Émilion, o vinho tinto é rico e poderoso na boca, em que a predominância é da uva Merlot. Outros dois vinhos são produzidos: o também tinto Le Petit Cheval e o branco Le Petit Cheval Blanc.
Pela proximidade com a região de Pomerol, o solo é composto por uma grande parte de argila, assim como cascalho e areia, garantindo uma certa complexidade das uvas.
Château d’Yquem (Sauternes)
É um dos vinhos mais cobiçados e importantes do mundo, que carrega uma tradição de cerca de 400 anos.
O Château d’Yquem fica em Sauternes, comuna na margem esquerda conhecida por seus vinhos brancos e pelo fungo microscópico que aparece nas videiras – um dos fatores que torna a bebida ainda mais especial. Na Classificação dos Vinhos de Sauternes, o Château d’Yquem é o único Premier Cru Supérieur.
O vinho principal, classificado como superior, é branco e categorizado como um vinho de sobremesa – assim como a maioria dos Sauternes – o que, porém, limita sua concepção.
E esta foi nossa viagem por esta encantadora região onde tentei trazer um pouco do encanto, história e complexidade que vão muito além dos vinhos.