O desperdício de água potável no Brasil é preocupante e vem se mantendo em crescimento, ano a ano, conforme alertam os especialistas. De acordo com pesquisa mais recente do Instituto Trata Brasil, em seis anos (de 2015 a 2021) cresceu 3,6%, elevando a média nacional para 40,3%.
Segundo o instituto, a cada 100 litros de água produzidos, 40 litros são desperdiçados por vazamentos, fraudes e erros de medição. O volume perdido – captado, tratado, mas que não chega às torneiras – seria suficiente para abastecer 30% dos brasileiros por um ano.
No Norte, que lidera o ranking do desperdício, mais da metade da água tratada é perdida, aponta o estudo. Os quatro estados com maior índice estão na nossa região: Amapá, Acre, Roraima e Rondônia. No Amapá chega a 74,8% e no Acre a 62,08%.
O Amazonas é o sexto no ranking, com índice de 53% – desperdiça mais da metade da água tratada. A Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama), responsável pelos Sistemas de Abastecimento de Água (SAA) em 15 dos 62 municípios do estado, tem feito um trabalho exemplar nessa área. Nas cidades que atende, já conseguiu reduzir o desperdício em 30% e vem atuando progressivamente para combater as perdas, através do uso racional dos mananciais e de ações operacionais mitigadoras, subsidiadas por altos investimentos, na busca incessante do balanço hídrico destes sistemas.
Na capital amazonense, o levantamento do Instituto Trata Brasil mostra que as ações também vêm surtindo efeito. Dentre as 100 cidades com maior população no país, Manaus aparece como a sétima em evolução nos índices de redução de perdas na distribuição de água tratada. Saiu de 74,62% em 2017, para 59,78% em 2021, uma redução de 14,84%. A quantidade desperdiçada, porém, daria para abastecer cerca de 1,5 milhão de pessoas.
O Nordeste é a segunda região com mais desperdício, atingindo 46,2%. O melhor índice do ranking está no Centro-Oeste, o estado de Goiás, que perde apenas 28,5% da água tratada.
A meta do Ministério do Desenvolvimento Regional é reduzir o desperdício de água no Brasil, até o final deste ano, a pelo menos 25%, margem que seria suficiente para abastecer 25 milhões de pessoas. Se a redução fosse total, seria possível atender 67 milhões de pessoas. Matemática simples.
Além desse levamento, outra informação preocupante nessa mesma área foi apresentada, este ano, pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Estudo realizado pelo órgão estima que o Brasil pode perder 40% de disponibilidade de água até 2040.
Os dados estão na pesquisa intitulada “Impacto da Mudança Climática nos Recursos Hídricos do Brasil”. O estudo, inédito, baseia-se em diversos modelos climáticos e no desenvolvimento de várias modelagens, o que lhe possibilitou trabalhar com uma convergência de cenários. O levantamento contém três recortes: de 2015 a 2024; de 2041 a 2070; e de 2071 a 2100.
O estudo indica que a disponibilidade de água pode diminuir nas bacias hidrográficas do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e parte do Sudeste do país. As consequências disso não são nada boas e a tendência é de intensificação dos eventos extremos em todas as regiões, até mesmo no Sul, onde a previsão é de aumento da disponibilidade hídrica de até 5%, até 2040.
Os dois estudos citados fazem acender o sinal de alerta. O desperdício de água, em uma situação em que esse recurso natural é também afetado pelos efeitos climáticos, redobra a necessidade de medidas mais urgentes, em todos os sentidos – políticas públicas com esse foco, investimentos em novas tecnologias, inclusive com uso de Inteligência Artificial para detectar vazamentos invisíveis, iniciativas como o aproveitamento da água da chuva e maior conscientização a respeito do uso desse recurso natural.
O desperdício é um problema presente em todo o mundo, em maior ou menor escala, mas causa impacto pelo fato de vivermos em um país que detém o maior volume de água potável da América do Sul, 12% de toda a água doce do planeta.
Ainda assim, temos 33 milhões de pessoas sem acesso a esse serviço básico, o que corresponde a aproximadamente 17% dos brasileiros. Como isso não bastasse, esbanjamos todos os dias essa riqueza natural, que vem se tornando escassa no mundo inteiro. É preciso, realmente, repensar os nossos hábitos e a maneira de enxergar a vida.
*Marcellus Campêlo é engenheiro civil, especialista em saneamento básico; exerce, atualmente, o cargo de secretário da Unidade Gestora de Projetos Especiais – UGPE*