O cinquentenário do Conselho Regional de Economia do Amazonas (CORECON-AM) é, por excelência, um momento de celebração. Mas, para além das homenagens protocolares, a data nos convoca à reflexão. O que fizemos com esses 50 anos? O que deixamos de fazer? E, sobretudo, o que ainda nos cabe construir? Este ensaio é um convite à responsabilidade histórica dos economistas diante do desafio até aqui incontornável de desenhar uma economia com identidade amazônica — ainda uma missão inacabada.
1. O Espelho dos 50 Anos
Chegar aos 50 anos é, para qualquer instituição, uma conquista. Mas é também um chamado ao autoexame. Onde estávamos, nós economistas, quando a Amazônia mais precisou de uma bússola econômica própria? Em que medida contribuímos — ou nos omitimos — diante da sucessão de modelos, promessas e fracassos que marcaram nossa história recente?
2. À Margem da Margem: Ausência de Protagonismo
Por décadas, o pensamento econômico local esteve à margem das decisões que moldaram a região. Os grandes planos de desenvolvimento, os incentivos da Zona Franca de Manaus e até as políticas públicas voltadas à Amazônia foram concebidos de fora para dentro, quase sempre sem escuta ativa das inteligências amazônidas. Faltaram modelagens locais, projeções enraizadas, planos sintonizados com nossa realidade.
3. A Floresta que Não Entrou na Conta
A biodiversidade amazônica, embora alardeada no discurso ambiental, continua invisível nos modelos tradicionais de economia. Os ciclos da borracha, da castanha, das resinas e dos fitoterápicos foram tratados como acidentes naturais — e não como ativos estratégicos. Faltou sofisticação científica na leitura econômica da floresta. Faltou visão de futuro. Faltou política industrial adequada à bioeconomia estribada no parâmetro da sustentabilidade.
4. Zona Franca: Potência Adormecida
O Polo Industrial de Manaus é uma vitória política e econômica do Brasil. Mas não se converteu, como poderia, num projeto de desenvolvimento regional integrado. Isolado geograficamente e, em muitos momentos, intelectualmente, ficou restrito a uma lógica fiscal — sem conexão com a diversidade cultural, territorial e produtiva da Amazônia profunda.
5. Os Ciclos Perdidos
Desde o século XVI, a Amazônia fornece ao mundo riquezas inestimáveis. Ervas aromáticas, essências medicinais, especiarias raras — as chamadas “ervas do sertão”, além da borracha, encantaram os europeus, mas nunca estruturaram uma estratégia consistente de desenvolvimento endógeno. A cada novo ciclo, perdemos a chance de construir soberania produtiva, valor agregado e identidade econômica.
6. Uma Vocação Esquecida
A Amazônia possui uma vocação econômica singular, baseada na floresta em pé, na sociobiodiversidade, nos saberes tradicionais e na criatividade popular. Mas seguimos importando modelos e soluções que ignoram essa originalidade. Precisamos revalorizar o que temos de único — e isso começa por uma nova ética do desenvolvimento.
7. O Presente nos Chama: Juventude e Tecnologia
Contrariando o estigma do atraso, Manaus abriga hoje um dos maiores polos tecnológicos do país. A FPF-Tech, o INDT, o Sidia, o CBA, as universidades e o vibrante Polo Digital, o Vale do Jaraqui… são sinais de uma Amazônia em ebulição criativa. Essa juventude conectada à ciência e à inovação é nossa maior chance de reprogramar o futuro com códigos locais.
8. O que Fazer Agora: Agenda Propositiva
Não basta diagnóstico. É preciso ação. Sugiro três frentes urgentes:
– Criar um Observatório da Economia Amazônica, vinculado ao CORECON, para monitorar indicadores, formular cenários e orientar políticas públicas.
– Implantar um programa de formação técnica e empreendedora para jovens da periferia e do interior, conectando vocações locais e demandas do século XXI.
– Mapear os ativos econômicos por bacia hidrográfica, incluindo os saberes tradicionais e a biodiversidade como fundamentos de uma nova economia.
9. Um Pacto Amazônico pela Economia
O CORECON pode — e deve — liderar uma rede estratégica de colaboração entre universidades, setor produtivo, instituições científicas, movimentos sociais e comunidades tradicionais. Um pacto amazônico pela economia é a chave para sair da retórica e ingressar na era da reconstrução com identidade.
10. O que Diremos em 2035?
O cinquentenário do CORECON deve ser o ponto de inflexão. A pergunta que deve ecoar em nossas mentes é: o que diremos em 2035? Teremos interiorizado a economia? Teremos uma bioeconomia estruturada? Teremos jovens qualificados ocupando as cadeiras do futuro?
A hora de mudar é agora. E o Conselho Regional de Economia pode — e precisa — ser a semente dessa virada histórica. Não há mais tempo para hesitação. O futuro exige coragem, compromisso e uma nova narrativa econômica que tenha, finalmente, a cara da Amazônia.
Nelson é presidente do SIMMMEM, sindicato da indústria metalúrgica, metalmecânica e de materiais elétricos de Manaus, conselheiro do CIEAM e da CNI e vice-presidente da FIEAM.