É uma outra norma. Na verdade, uma anormalidade, dias sem regras ou leis, com um outro rei gordo e uma rainha escolhidos pelo samba. É carnaval, Dionísio comanda. O bandido veste roupa de autoridade e a autoridade dança com a máscara de bandido. A mocinha de família é mulher de vida aberta sem pudor, e a mulher da zona é mocinha indefesa. No carnaval, bandidos e heróis se abraçam!
Pode até ser considerado uma fuga das amarras sociais para resistir e viver em sociedade, uma válvula de escape das tensões do cotidiano, um momento de revelação dos cinismos e das farsas das convenções fictícias da humanidade. É carnaval, nesse rito de passagem, o político usa a fantasia de palhaço e o humorista veste terno e paletó.
O trabalhador assalariado se transforma num patrão, o empresário pula com roupas de mendigo. O religioso bota chapéu com chifres na cabeça, o ateu carrega a bíblia com vestimenta clerical. O político ladrão é homenageado na avenida do samba. Os machos usam roupas de mulheres e as senhoras da alta sociedade gritam com sainhas de ninfetas. É carnaval, e nele não há hierarquia, cada um com sua fantasia, literalmente!
Os pobres saem das vielas e são aplaudidos, os ricos circulam em lugares simples. Escolas de samba desfilam nas avenidas cantando histórias como teatros volantes, com fantasias, com encenações das coisas possíveis e das impossíveis. Nas esquinas, as bandas são movidas por pessoas bêbadas, com rostos de alegria eterna. É carnaval, beijos, liberdade e amores!
Mas, depois de três dias, a música é outra. Os pobres retornam para as vielas, as escolas de samba e as bandas são recolhidas. As fantasias, os adornos e máscaras causam estranheza nas ruas. O Rei Momo e a Rainha somem. Volta-se à hierarquia e à padronização. Os governantes assumem os holofotes. A “moral, o pudor e os bons costumes”, ditam as regras. O carnaval acabou?
Sim. A festa acabou. Porém, as “máscaras” e as “fantasias” agora são outras. Corruptos usam máscaras sociais de homem bom e defensor da coletividade; homem infiel é um exemplo de pai de família; o religioso pedófilo é o anjinho da denominação religiosa; o homem da justiça campeão dos supersalários bebe uma cervejinha com os humildes num bar; o policial amigo de facção volta a defender o armamento da população.
E algumas marchinhas de carnaval continuam fazendo sucesso antes, durante e depois da folia, como aquela que diz que “o cordão dos puxa-saco cada vez aumenta mais” ou a que cita que “não existe pecado do lado de baixo do Equador, vamos fazer um pecado, rasgado, suado a todo vapor”.
Assim, o Brasil vai caminhando, cantando e ditando o seu ritmo político, social, econômico e cultural. Então, quem não tem uma máscara social e uma fantasia que lance a primeira pedra.
Carlos Santiago é Sociólogo, Cientista Político e Advogado