O documentário Cidade Cinza (2013), aborda muito bem o conflito do mundo de hoje sobre o significado de arte. A contribuição do grafite nesse embate, deixa exposto que arte pode não está somente em museus e em galerias sofisticadas, mas que pode ser encontrada nas ruas. Ensina que o fazer arte não precisa de formação acadêmica, além de mostrar nos depoimentos de pessoas humildes os mesmos argumentos e debates filosóficos envolvendo o significado de arte. Indica que as cidades são espaços de encontros de culturas expressas nas artes oficiais e nas marginalizadas. Alerta sobre a necessidade de buscar o sentido de arte sem poluição visual, um argumento da Prefeitura de São Paulo contra a pichação. Então, qual será o limite entre arte e pichação?
O filme traz personagens centrais como os grafiteiros Otávio e Olavo (Os gêmeos); o Nunca (Francisco Rodrigues); a Nina Pandolfo e outros. Todos respeitados em vários países, entre eles, os Estados Unidos da América, a Alemanha, a França e a Inglaterra, além do Brasil. O Cidade Cinza foca, ainda, em autoridades públicas como o prefeito da cidade de São Paulo, na época, Gilberto Kassab, e o secretário de Coordenação das Subprefeituras, Andrea Matarazzo, além de trabalhadores terceirizados da Prefeitura que retiram as pinturas dos muros e dos viadutos.
Em 2006, na gestão de Gilberto Kassab, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a Lei Municipal nº. 14.223/06, denominada de Cidade Limpa, o que levou o Poder Público a contratar empresas para retirar pinturas de prédios públicos e de bens privados usando cimento cinza, objetivando combater a poluição visual na cidade.
Porém, a legislação não caracterizou o que é arte e o que é poluição visual. Por conta disso, o Poder Público apagou imagens feitas por grafiteiros, causando um grande debate público que envolveu os grafiteiros, a Prefeitura, os comerciantes da região central e uma parcela significativa da população que aprovava os desenhos.
O debate sobre o que é arte não é novo. O filósofo moderno Kant (1724-1804) entendeu a arte a partir da produção livre e racional. E se “tem por fim imediato o sentimento do prazer, é arte estética”. O filósofo alemão Schiller (1759-1805) acreditava que a arte era instrumento educativo para construir sentimentos humanos libertários. Segundo Hegel, a arte seria a “expressão sensível da ideia e implica um momento fundamental de reconciliação do espírito com a sua efetividade e história”.
O filósofo Walter Benjamin (1892-1940), defendia que a reprodução da obra de arte ganhava popularidade e aproximava o indivíduo da obra. Entretanto, a obra de arte perde a sua aura, a “existência única”. O filósofo Theodor Adorno (1903-1969) defendia que a reprodução da obra de arte pelo capital representava a dominação e a alienação social, econômica e cultural.
E nos dias atuais, o grafite é considerado uma arte visual dos centros urbanos ou tão somente uma contravenção? No documentário, a mãe dos gêmeos diz que o grafite é identificado no Brasil como algo marginal. Os gêmeos afirmam que essa arte é a externalidade do “ódio e do amor” e que grafite como arte, é reconhecida fora do Brasil. É a representação do caos e São Paulo é o caos que deve ser refletido no grafite, disse Fábio Cypriano. O grafite pode ser captado como uma arte de rua que faz transgressão.
A Nina afirma que o grafite é a arte da comunicação direta, independentemente da classe social, e com a finalidade de um bem da coletividade. Os gêmeos dizem que o grafite é a expressão do jovem e o “único movimento em que os jovens falam”. O Nunca afirma que a cidade é um bom ambiente para fazer arte livre que é o grafite. Nos diálogos entre os funcionários terceirizados da Prefeitura fica a impressão que a arte pode ser entendida a partir da subjetividade de cada um. Os gêmeos acreditam que o grafite também pode representar a identificação do indivíduo no meio da multidão.
Pois bem. Talvez nem exista uma fronteira entre a pichação e arte. Talvez o conceito filosófico clássico de arte nem tenha mais sustentação. Mas um fato no documentário chamou-me atenção. A incapacidade dos administradores públicos de dialogar com a sociedade e entenderem que o mundo é diverso, plural e com diversas formas de expressão.