Era um indivíduo respeitado. Pelo menos ele acreditava nisso. Orgulhava-se de comandar generais, doutores, professores e tantos outros graduados. Gostava de dizer que era ele quem mandava e que não abria mão de sua vontade. Todos os seus comandados, por mais inteligentes que fossem, quando iam fazer parte de sua equipe, recebiam logo a ordem: aqui quem manda sou eu! E era impressionante como sua equivocada forma de ver o mundo e sua curtíssima inteligência tragava as outras inteligências. Os seus diversos subordinados, todos, sabiam que nas tomadas de decisões daquele ser havia algo de errado, mas sempre que iam lhe falar, eram tomados por um medo e uma timidez paralisantes. Suas formas de agir e de falar refletiam uma personalidade equivocada e truculenta.
Odiava Paulo Freire, Universidades, Ciência, saberes. Os conhecimentos advindos da filosofia, sociologia, antropologia, pedagogia e de todas as demais ciências, para ele, não tinham nenhum valor. Não entendia os motivos desse desejo infinito do ser humano de conhecer, de se libertar pela educação. Não aprendeu e nem lhe foi ensinado a olhar o outro como um universo infinito de possibilidades. Via as relações humanas de forma hierarquizada: eu mando e você obedece.
Quando lia uma notícia de jornal, de revista, ou quando tentava interpretar um fato de uma dada realidade, sempre tinha uma compreensão parcial, equivocada e viciada. Se não extrapolava o que dizia a informação, a reduzia ou a entendia de forma contraditória. Mas, apesar disso, não se intimidava. Quando falava, expressava suas opiniões a todos os seus interlocutores, as quais, muitas vezes, não passavam de um monte de clichês enviesados, uma espécie de verborreia que seu cérebro já carcomido pela ignorância compartilhava como se fossem pérolas.
Sua dificuldade em entender as relações humanas, sociais, geográficas, políticas, econômicas era gritante. Não se sentia confortável com o seu saber. Sua forma de entendimento era compartimentalizada, não conseguindo relacionar os mais fáceis conceitos. Ficava indignado consigo e com o mundo quando ao ler um texto não conseguia compreender as relações sintáticas, semânticas, textuais e intertextuais. E entendia, muito menos, as diversas faces polissêmicas que surgiam das interações entre o texto lido e o texto vivido.
A gramática, a lógica, a métrica, a oratória, enfim, todas as formas da boa comunicação eram, por ele, desprezadas. Jamais lia um livro. Sequer sabia soletrar Shakespeare ou Dostoiévski. Não sabia quem eram Cervantes, Homero, Dante, James Joyce, Borges, Kafka ou Goethe. Nunca leu Machado de Assis, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Lima Barreto, Drummond ou Guimarães Rosa. Jamais folheou um Pablo Neruda, um Camões ou um Fernando Pessoa. Nada lhe era mais estranho do que uma peça de teatro de Brecht. Lia apenas manuais de armas, ficava horas admirando os desenhos.
Esse ser é o representante do maior flagelo social que surge das entranhas de uma sociedade que insiste em não investir em educação, que vira as costas para as escolas primárias, secundárias e universidades, e para o saber e o conhecimento transformador do humano. É ele, o analfabeto funcional, o maior idiota de todos. Um pobre de leitura de mundo, pois não interpreta as questões mais básicas de um texto, e jamais compreenderá as questões mais complexas da vida e do mundo. Falta-lhe inteligência e inteligibilidade para entender a plurissignificação das relações humanas e da vida.