A proposta em debate no Congresso Nacional para reduzir a jornada semanal de trabalho de 44 para 40 horas, mantendo a remuneração mensal, apresenta-se como uma conquista social legítima. No entanto, como tantas outras medidas bem-intencionadas, ela pode produzir efeitos colaterais devastadores se aplicada de forma homogênea a um país estruturalmente desigual como o Brasil.
A Zona Franca de Manaus (ZFM) é uma dessas regiões onde os impactos negativos não apenas superam os benefícios esperados, mas colocam em risco a própria razão de ser de uma das mais importantes políticas públicas de desenvolvimento sustentável do país.
De acordo com a Nota Técnica ECON 65/2025, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a proposta poderá gerar um aumento de até R$ 87,5 bilhões no custo do trabalho industrial. No caso da ZFM, onde a sensibilidade aos custos de produção é altíssima, o impacto estimado é de um acréscimo de até 11,2% na folha de pagamento industrial. Isso não é um detalhe contábil. Trata-se de um gatilho para a desmobilização de plantas industriais, a retração de investimentos e o enfraquecimento de um ecossistema que gera mais de 500 mil empregos diretos e indiretos e responde por mais de 80% do PIB da capital amazonense.
A ZFM opera sob um modelo de compensação regional: nossos incentivos fiscais não são privilégios, mas instrumentos de competitividade frente às desvantagens logísticas, energéticas e de formação profissional que enfrentamos na Amazônia.
Alterar unilateralmente as regras do jogo, elevando custos sem contrapartidas ou ajustes, é desestruturar esse pacto federativo que tem permitido ao país preservar a floresta por meio da indústria.
Além do aumento de custos, a proposta traz outra consequência preocupante: a queda de produtividade.
A substituição de trabalhadores experientes por novos, para cobrir as horas perdidas, não é simples nem viável em nossa realidade. A formação técnica qualificada na Amazônia enfrenta gargalos históricos. Treinar um novo trabalhador leva tempo, recursos e estrutura. E isso, infelizmente, ainda é escasso em nosso território.
Não bastasse, a medida compromete também o pilar geopolítico do modelo ZFM.
Ao tornar mais cara e menos eficiente a operação industrial na Amazônia, abre-se espaço para o avanço de atividades econômicas predatórias. A floresta em pé precisa ser economicamente viável. Quando ela deixa de sê-lo, por ausência de incentivos e excesso de encargos, a consequência é conhecida: aumento da informalidade, do desmatamento e da migração forçada para áreas urbanas sem infraestrutura.
O que defendemos, portanto, não é o imobilismo, mas a racionalidade federativa.
O Brasil precisa de políticas públicas calibradas, assimétricas, que reconheçam suas desigualdades. Uma medida como a redução da jornada de trabalho pode ser benéfica em alguns contextos, mas precisa ser adaptada em outros.
É por isso que defendemos:
– Regimes diferenciados para áreas incentivadas, como a ZFM, com transições graduais e compensações;
– Investimentos estruturantes em qualificação técnica e tecnológica;
– Um amplo diálogo entre União, estados e municípios amazônicos;
– Estudos de impacto regionalizado como pré-requisito para reformas estruturais.
A Zona Franca de Manaus não é apenas um polo industrial.
É uma plataforma de soberania, inovação e sustentabilidade, e precisa ser tratada como tal. O que está em jogo, ao fim e ao cabo, é o nosso compromisso com um modelo de desenvolvimento que concilie economia e ecologia, emprego e floresta, Brasil profundo e projeto de nação.
Nelson Azevedo é economista e líder empresarial no setor metalúrgico, metalomecânico e de materiais elétricos de Manaus – SIMMMEM, conselheiro do CIEAM, da CNI e vice-presidente da FIEAM