Abomino que se fechem a qualquer pretexto bibliotecas. Ou que se vetem projetos para construí-las. As bibliotecas deviam ser como as túnicas inconsúteis. Integras e indivisíveis. Infelizmente perdemos aquela “capacidade de enrubescer” de que falava Neruda. Aquele dom conferido aos que não foram ainda contaminados pelo cinismo. Dom supremo que lhes aufere o corar de vergonha mediante falhas e erros por mais pueris que sejam.
Todo esse extenso parágrafo para narrar o acontecido com a idealizada CIDADES DOS LIVROS (Em Barcelona) e com a ação da Resistência erguendo a “CIDADELA DOS ESCRITORES” no México. A resistência, fileiras dotadas dos que genuinamente amam a cultura, conservam a capacidade do rubor em reação de indignação e protesto contra ameaças e o descaso ao patrimônio intelectual de cada cidadão. A “Cidade dos Livros” foi um projeto da agente literária e madrinha dos escritores de língua espanhola, Carmen Balcells, que tentava convencer as autoridades barcelonesas a transformar os antigos quartéis em Arquivos e Bibliotecas de Escritores. Estes seriam os latino-americanos e espanhóis.
Começaria pelos da terra hispânica e listaria os da America-hispana, Garcia Marques, Otavio Paz, Jorge Luiz Borges, Carlos Fuentes, Cortázar, Neruda, Cardenal, Llosa. Depois de colocados todos os nomes passaria para outros continentes. Em 20 ou 30 anos, Barcelona se transmudaria na “Cidades dos Livros”do mundo. Aí, investigadores, bibliófilos, amantes da leitura acorreriam para promoção de seminários e cursos sobre todas as literaturas.
Principalmente as contemporâneas, mas o projeto morreu no nascedouro. Calaram os sonhos culturais como Hitler fez em 1940 ao invadir Paris numa afronta aos franceses. Sua arrogância, soberba e arbitrariedade ordenou ao exército nazista colocar faixa na fachada da Assembleia Nacional onde se lia: “A Alemanha manda onde quer”. No entanto surge no agora, no México (Capital) fruto da Resistência – última forma romântica de viver – a “Cidadela dos Livros” criada por Consuelo Guerrero – presidente do Conselho Nacional da Cultura.
Foi instalada numa antiga fábrica de cigarros, construída no século dezoito numa área de 40 mil metros quadrados no centro colonial mexicano. O Terreno é equivalente a umas 20 Bibliotecas Públicas de Manaus. A Cidadela é um espaço também paisagístico. Pátios, jardins de flores aromáticas e pavilhões e pavilhões… Cada um destinado a bibliotecas privadas de determinados escritores mexicanos. Juntas somam cerca de 850 mil volumes: Sonhemos – essa última forma romântica de viver – que isso fosse em Manaus! Um pavilhão reservado a Mario Ypiranga com seu acervo.
Outro com os volumes de Djalma Batista, Luiz Barcellar, Anibal Beça, Astrid Cabral, Paulo Jacob, Samuel Benchimol, Álvaro Maia… Todos decorados por arquitetos com a sensibilidade de ali colocar a personalidade de cada um (gosto, manias etc). Em atmosfera estimulante ao intelectuo. “A cada intelectual que morre, morre consigo uma biblioteca “afirmava o nobel Seghor, sobre a necessidade do poder público resguardar esse tesouro para a comunidade.
A “Cidadela dos Livros” faz isso. E mais (além dos espaços exigidos por lei, como os dos deficientes visuais e auditivos) detém um auditório de grande amplitude para receber centenas de crianças e o contador de história. Esse, personagem principal para os contos de aventuras e dos de mil e uma noites. O primeiro passo para a leitura está na boca do “contador de histórias”. Este, crê que seu ofício é melodia sem partitura. É canção de berço. É poder de pássaro que não esquece o próprio canto. É o imprescindível princípio do universo da literatura.
Essa CIDADELA DOS LIVROS pretende permanecer ali intacta. Como túnica inconsútil. Atraindo cada vez mais leitores. Como marco da ação da Resistência – última forma romântica de viver – a enfrentar dias após dia a miséria moral que tenta anulá-los. Conservar sempre a capacidade de enrubescer! Do contrário, escutaremos, em platéia acabrunhada a saudação: “Respeitável Público”! Eis aqui o maior espetáculo da terra…