A Justiça do Amazonas negou o pedido de prisão preventiva da médica Juliana Brasil Santos e da técnica de Enfermagem, Raíza Bentes Praia, investigadas pela morte de Benício Xavier, de 6 anos. A decisão segue o parecer do Ministério Público do Amazonas (MP-AM), que também se manifestou contra a prisão. O magistrado determinou a suspensão cautelar do exercício profissional da médica.
O juiz Fábio Olintho de Souza afirmou que a prisão preventiva deve ser usadas apenas em casos excepcionais, quando não há outra forma de garantir a ordem pública.
Para o magistrado, o risco está ligado apenas à atuação médica de Juliana, e não a uma ameaça pessoal ou ligação com grupos criminosos. Por isso, afastá-la do ambiente hospitalar seria suficiente para evitar novos problemas.
A técnica de enfermagem Raiza Bentes Praia, também investigada no caso, recebeu as mesmas restrições. As duas deverão:
- Comparecer mensalmente em juízo para justificar suas atividades;
- Não se ausentar da Região Metropolitana de Manaus sem autorização judicial;
- Manter distância mínima de 200 metros da família da vítima e das testemunhas;
- Cumprir a suspensão do exercício profissional por 12 meses, prorrogáveis.
O juiz ressaltou que manter Juliana atendendo pacientes, especialmente crianças, seria um risco à saúde pública. Por isso, determinou que o Conselho Regional de Medicina (CRM-AM), o Conselho Regional de Enfermagem (Coren-AM), além das secretarias estadual e municipal de saúde, sejam oficiados para garantir o cumprimento da suspensão.
Médica usava carimbo de pediatria

A médica Juliana Brasil também pode responder pelos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso, além de homicídio doloso por dolo eventual. A informação foi confirmada pelo delegado Marcelo Martins.
Segundo o delegado, a Polícia Civil realizou uma análise sobre a forma como a médica se identificava profissionalmente. De acordo com a apuração, Juliana Brasil utilizava carimbo e assinaturas com referência à especialidade de pediatria, mesmo sem possuir o título oficialmente reconhecido.
“Nós realizamos um estudo a respeito da questão dela ter assinado a especialização pediatria no carimbo e ter assinado o nome dela com a expressão pediatria. Todas as regulamentações do Conselho Federal de Medicina indicam que o médico que não possui uma especialização não pode se identificar de nenhuma forma, com nenhuma referência a uma especialidade que ele não possui, e ela fez isso”, afirmou o delegado Marcelo Martins.
Ainda conforme o delegado, a conduta pode configurar dois crimes distintos.
“Então, isso configura o crime de falsidade ideológica e o uso de documento falso. A investigação prossegue agora também com relação a esses dois crimes, além do homicídio doloso por dolo eventual”, disse.
A Polícia Civil segue colhendo depoimentos e analisando documentos para esclarecer as circunstâncias do atendimento e eventuais responsabilidades criminais.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) permite que médicos obtenham o Título de Especialista em Pediatria (TEP) sem residência, por meio da aprovação na Prova de Título (TEP).
A defesa da médica afirmou à imprensa que, embora Juliana Brasil não tenha o título de especialista em pediatria, ela é formada desde 2019 e atuava legalmente na área, acumulando experiência prática. Os advogados acrescentaram que ela pretendia realizar a Prova de Título neste mês de dezembro.
Segundo o pai, Bruno Freitas, o menino foi levado ao hospital com tosse seca e suspeita de laringite. Ele contou que a médica prescreveu lavagem nasal, soro, xarope e três doses de adrenalina intravenosa, 3 ml a cada 30 minutos.
A família disse ao g1 que chegou a questionar a técnica de enfermagem ao ver a prescrição. De acordo com Bruno, logo após a primeira aplicação, Benício apresentou piora súbita.
“Meu filho nunca tinha tomado adrenalina pela veia, só por nebulização. Nós perguntamos, e a técnica disse que também nunca tinha aplicado por via intravenosa. Falou que estava na prescrição e que ela ia fazer”, relatou o pai.
Após a reação, a equipe levou a criança para a sala vermelha, onde o quadro se agravou. A oxigenação caiu para cerca de 75%, e uma segunda médica foi acionada para iniciar o monitoramento cardíaco. Pouco depois, foi solicitado um leito de UTI, e Benício foi transferido no início da noite de sábado.
Na UTI, segundo o pai, o quadro piorou. A equipe informou que seria necessária a intubação, realizada por volta das 23h. Durante o procedimento, o menino sofreu as primeiras paradas cardíacas.
O pai relatou que o sangramento ocorreu porque a criança vomitou durante a intubação. Após as primeiras paradas, o estado de Benício continuou instável, com oscilações rápidas na oxigenação. Minutos depois, Benício apresentou nova piora e não respondeu às manobras de reanimação. Ele morreu às 2h55 do domingo.
“Queremos justiça pelo Benício e que nenhuma outra família passe pelo que estamos vivendo. O que a gente quer é que isso nunca mais aconteça. Não desejamos essa dor para ninguém”, disse o pai.
Em nota, o Hospital Santa Júlia informou que uma médica e uma técnica de enfermagem foram afastadas de suas funções e realizou uma investigação interna pela Comissão de Óbito e Segurança do Paciente.

