Pai de quatro meninas, o servente de pedreiro Lincoln Vicente de Moura, de 34 anos, viralizou nas redes sociais ao publicar um vídeo de desabafo sobre um episódio de violência policial sofrido na última terça-feira (18), em Guarulhos, na Grande São Paulo.
Lincoln contou que, naquele dia, por volta das 4h30, saiu de casa com o uniforme da empresa para trabalhar e foi abordado por policiais militares em uma viatura que o chamaram de “ladrão e vagabundo”.
Trabalhando na manutenção de vias e esgotos em uma empresa terceirizada pela concessionária CCR, na Via Dutra, o rapaz ganha um salário mensal bruto de R$ 2,3 mil e seguia para mais uma jornada extenuante de trabalho, que começa às 7h.
Questionado sobre o endereço onde aconteceu a abordagem violenta, o rapaz disse que não queria revelar por medo de represálias. Ele também diz que não deseja denunciar o caso à Corregedoria da PM.
No dia da gravação do vídeo, os termômetros no local marcavam 33°C, com sensação térmica de mais de 40°C no asfalto, segundo ele narrou.
Depois de colocar as mãos na cabeça e ser revistado pelo PM, Lincoln disse que apresentou os documentos aos policiais dizendo que não tinha passagens pela polícia e nunca havia sido preso.
O pedreiro relatou que seu “único crime” foi ter feito uma tatuagem no rosto aos 22 anos com a palavra “life” (vida, em inglês), que, segundo ele, colocou um “selo de bandido” em seu rosto, mesmo dizendo nunca ter praticado crime algum na vida.
Depois de verificarem a ausência de antecedentes, um dos PMs deu uma joelhada em Lincoln e voltou a fazer novas ofensas.
“A única vez que entrei numa delegacia foi quando perdi meu RG para fazer um boletim de ocorrência, mas me mandaram para casa fazer online. Mas, nesse dia, o policial decidiu que eu era criminoso, me chamou de ladrão, me deu uma joelhada e me xingou de vagabundo”, contou ao g1.
Segundo ele, fazer o vídeo foi “uma forma de não ter um infarto de tristeza”.
“Me senti tão humilhado que gravar o vídeo foi uma forma de eu não ter um infarto de tristeza. Eu e nenhum pai de família desse país merecemos passar por esse tipo de humilhação saindo para ganhar o pão que vai dar de comer pros filhos. Meu único crime foi ter feito uma tatuagem no rosto aos 22 anos, que parece que colocou um alvo na minha testa”, desabafou.
De dentro do esgoto onde fazia um reparo, às margens da Rodovia Presidente Dutra, Lincoln fez um desabafo emocionado da ocorrência e comoveu vários internautas. O vídeo já passou de 5,8 milhões de visualizações no TikTok e mais de 1 milhão no Instagram.
Em lágrimas, ele pediu mais “respeito ao povo trabalhador”.
“Antes de esculachar, xingar, dar chute, tapa, pelo amor de Deus, dá uma puxadinha no RG e vê se a pessoa tá devendo ou não. Tô trabalhando aqui na tristeza profunda, mano. Só dormi três horinhas por causa do calor. Em casa, não tenho ventilador. Pago aluguel, estou no maior sufoco, mano. Você acha que é fácil passar por isso, mano? Tu acha que é fácil o cara tomar joelhada, ser chamado de vagabundo e vir pra cá, mano? Ganhar o pão de cada dia?”, disse no vídeo.
Ele fez ainda um apelo pedindo que fosse deixado em paz.
“Pelo amor de Deus. Não faça mais isso, não. Me deixa em paz. Tenho tatuagem, mas não sou bandido, não, meu irmão. Minhas tatuagens não têm ligação com facção criminosa, indício criminoso. É Life. Vida. O nome das minhas filhas. Não precisava daquilo, mano. Não precisava, velho”, completou.
E emendou: “Respeita o povo trabalhador. Tem muitos lá em Brasília que nem tatuagem têm e roubam. E, quando vocês encontram, vocês batem? Não. Porque é deputado. Vai bater em deputado?! Vai bater em presidente? Não vai. Mas no povo que sua a camisa, vocês querem bater por nada, mano…”
A Secretaria de Segurança Pública (SSP), a Polícia Militar e o Palácio dos Bandeirantes, mas não havia obtido retorno até a última atualização desta reportagem.
Atenção das autoridades
Lincoln afirmou que não esperava a repercussão enorme do vídeo e que fez o desabafo para chamar a atenção das autoridades sobre a crescente violência policial nas periferias das cidades da Grande São Paulo.
“A gente que é pobre, que às vezes nem tem o dinheiro do pão pra comprar pras filhas, só tem a própria voz pra pedir algum tipo de ajuda. Mas eu estou assustado e com medo de ser perseguido por esses policiais, depois de tanta gente vendo o vídeo. Já perdi vários amigos que apareceram mortos no matagal de uma hora pra outra”, disse.
Lincoln sai de casa todos os dias às 4h30 para chegar às 6h na sede do trabalho e iniciar a jornada no endereço da prestação de serviço às 7h, onde segue até as 17h.
Para ganhar mais dinheiro no fim de mês, às vezes, faz duas horas extras por dia, estendendo os trabalhos até as 19h.
“O rapaz lá no aeroporto foi morto por policiais, mesmo sendo milionário. A Marielle morta por policiais, mesmo sendo vereadora. Quem sou eu, que às vezes não tem dinheiro para pagar a conta de luz. Sou eu sozinho pra sustentar a minha esposa e minhas quatro filhas”, afirmou.
Apesar do medo, Lincoln diz que gostaria que o desabafo chegasse ao secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite (PL), e ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), para que “aprimorassem a abordagem da polícia em SP”.
“Ser policial é igual ser piloto de avião ou médico. Você precisa estar com a saúde mental 100% plena para saber o que fazer diante do perigo real. Policial que tá tendo um dia ruim não pode esculachar gente inocente, trabalhadora. O PM tem que ter acompanhamento psicológico de dois em dois meses. O secretário e o governador precisam pensar que eles também são trabalhadores. Do jeito que tá, ninguém aguenta mais. E as pessoas na periferia estão cada vez mais revoltadas”, declarou.