Especialistas apontam que, não só a partir do julgamento, mas desde que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entrou na mira da justiça, que o tornou inelegível até 2030, antecipou-se o debate eleitoral para a eleição presidencial de 2026.
O julgamento que apura a existência de um plano de golpe de Estado no país é retomado nesta terça-feira (9) e, por envolver um ex-presidente que busca se eleger novamente, acaba por se tornar, de certa forma, não só um inquérito judicial, mas também um gancho de campanha para ambos os lados.
“A gente está abrindo o precedente. É a primeira vez que a gente julga um presidente, um ex-presidente no Supremo Tribunal Federal. (…) É a primeira vez, então eu acho que isso também passa uma mensagem importante para a sociedade e eu acho que pode ser uma questão de reconfiguração do campo da direita”, diz Leonardo Paz Neves, cientista político da FGV.
No último domingo (7), os dois lados foram às ruas, protestar no dia que marca a Independência do Brasil.
Na Avenida Paulista, os bolsonaristas vestiam verde e amarelo e carregavam bandeiras não só brasileiras, mas também dos Estados Unidos, pedindo a anistia ampla, geral e irrestrita aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
Na República, integrantes da base de Lula protestavam sob o mote “Brasil Soberano” e “O Brasil é dos brasileiros”.
Em cima do trio bolsonarista, na Avenida Paulista, em São Pulo, o pastor Silas Malafaia, responsável por organizar o ato, defendeu o nome de Bolsonaro para a eleição presidencial de 2026, criticando aqueles que, supostamente, se colocam à disposição de disputar no lugar do ex-presidente.
“Estou ouvindo uma conversa por aí… ‘fulano é o candidato da direita no lugar de Bolsonaro’, ‘beltrano é o candidato da direita'”, iniciou o pastor, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, neste 7 de Setembro.
“Nem um filho de Bolsonaro, nem ninguém da direita, tem que dizer ‘se Bolsonaro não for candidato, eu estou aqui’. Isso é imaturidade política”, acrescentou.
No entorno do ex-mandatário, a narrativa de que sua saúde tem piorado desde que foi preso em regime domiciliar, no dia 4 de agosto, se intensifica a cada dia em que o processo judicial se aproxima mais um pouco do fim.
Possíveis substitutos e eleição de 2026
Para Leonardo Paz Neves, o ex-presidente Jair Bolsonaro ainda tem “eleitores relativamente fiéis”, mas parte dos líderes da direita já estão cientes de que ele “já não é mais uma força política viável por sua inelegibilidade”.
Ele cita ainda, um nome que tem circulado por Brasília e é ventilado nos bastidores.
“O Tarcísio obviamente está capitalizando nesse sentido e está tentando fazer esse jogo de cena agora final para você conseguir se consolidar nessa base”, argumentou.
Em caso de condenção do ex-presidente, o cientista político e professor do Insper, Leandro Consentino afirmou que Tarcísio parece que “vai assumir um personagem muito mais radical do que vinha assumindo e que a disputa em 2026 tende a se colocar nos em dois polos novamente”.
Polarização
Para além das questões eleitoreiras, o julgamento que engloba Bolsonaro também lembra o Brasil de se dividir ainda mais entre aqueles que o apoiam e os que o abominam.
O cientista político diz que – em seu entender – o que vivemos hoje no país não é mais polarização, uma vez que as duas forças já não mais estão “no mesmo campo político”.
“A gente tinha polarização antigamente, né? Quando você tinha duas forças políticas em lados opostos no mesmo campo político, né? O que acontece é que hoje as forças não estão no mesmo campo político. As duas forças políticas não estão jogando de acordo com as mesmas regras”, afirmou.
Para ele, essa divisão tente a se acirrar com o passar do julgamento, independendo da decisão pela condenação ou pela absolvição.
“Você já tem uma narrativa colocada do lado da direita, de que o julgamento é injusto. A conclusão dele então, de acordo com o que se imagina que vai acontecer, obviamente vai consolidar essa ideia para esse grupo. Então eu acho que sim, lamentavelmente a divisão continua”.
Leandro Consentino segue a mesma linha. Ele destaca que a polarização “deve se intensificar”.
“Certamente a polarização tende a se intensificar, tanto no caso de absolvição, onde o Bolsonaro retomaria toda a carga e de críticas ao governo e ao próprio judiciário”, disse o professor.
“Acho que a gente só tem de assistir uma reedição da polarização com um novo personagem talvez à direita, com o mesmo personagem à esquerda e novamente a tentativa das mesmas narrativas com a busca de alguma forma capturar o eleitor não necessariamente tá comprometido com os dois lados aí da disputa”, finalizou.
O julgamento
Nesta segunda etapa do julgamento, os ministros realizarão seus votos, pedindo pela condenação ou absolvição de cada um dos integrantes do núcleo 1 do inquérito que apura a existência de um plano de golpe de Estado no país.
O ex-presidente Jair Bolsonaro foi apontado pela PGR (Procuradoria-Geral da República), como líder do esquema golpista.
Ele responde, atualmente, por cinco crimes diferentes:
- Organização criminosa armada;
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- Golpe de Estado;
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima;
- Deterioração de patrimônio tombado.
Caso seja condenado, pode pegar até 43 anos de prisão, se somadas as penas máximas para cada um destes crimes.