Por maioria de votos, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi condenado nesta quinta-feira (11) na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) por participação em uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
Bolsonaro é o primeiro presidente do Brasil a ser condenado por golpe.
O relator, ministro Alexandre de Moraes, foi acompanhando por Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Luiz Fux votou pela absolvição. O placar final foi de 4 a 1.
Além de Bolsonaro, o STF condenou outros sete réus que integravam o “núcleo crucial” da trama golpista:
- Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-presidente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência);
- Almir Garnier, almirante de esquadra que comandou a Marinha no governo de Bolsonaro;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro;
- Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) de Bolsonaro;
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
- Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa de Bolsonaro; e
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022.
Por quais crimes os réus foram denunciados?
Bolsonaro e outros réus respondem na Suprema Corte a cinco crimes. São eles:
- organização criminosa armada;
- tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- golpe de Estado;
- dano qualificado pela violência e ameaça grave (com exceção de Ramagem);
- deterioração de patrimônio tombado (também com exceção de Ramagem).
Fux votou pela condenação de Cid e Braga Netto no crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Nestes, o placar foi de 5 a 0.
A única exceção é Alexandre Ramagem. Por ser deputado, a Câmara pôde suspender a tramitação dos crimes cometidos após a diplomação dele no cargo. Com isso, Ramagem foi condenado apenas por: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Os ministros agora devem iniciar a análise de dosimetria, ou seja, calcular a pena de cada um dos réus. No caso de Mauro Cid, há possibilidade de perdão judicial por ele ter assinado delação premiada.
Mesmo com a definição da pena, ainda cabe recurso da decisão, o que significa que Bolsonaro e os outros réus não serão presos de imediato.
No Brasil, as penas só podem ser executadas depois que o caso transita em julgado, ou seja, depois que acabam todas as possibilidades de recurso.
Como votou cada ministro
Alexandre de Moraes: Dedicou cinco horas ao voto e apontou Jair Bolsonaro como líder da organização criminosa que planejou um golpe de Estado. Segundo ele, o grupo usou a máquina pública e apoio de militares para atacar o Judiciário, desacreditar o sistema eleitoral e impedir a posse do governo eleito em 2022. Moraes citou a minuta do golpe discutida com militares, a reunião de ministros em 2022, o financiamento de acampamentos em quartéis, o Plano Punhal Verde e Amarelo e a coordenação dos atos de 8 de janeiro. Para o ministro, as ações mostraram a recusa de Bolsonaro e aliados em aceitar a alternância democrática de poder e quase levaram o Brasil de volta a uma ditadura.
Flávio Dino: Acompanhou Alexandre de Moraes e votou pela condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus. Para ele, Bolsonaro e Walter Braga Netto exerceram liderança sobre a organização criminosa e devem receber penas mais altas, enquanto Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Alexandre Ramagem tiveram participação menor e devem pegar penas reduzidas. O ministro ressaltou que a tentativa de golpe não se tratou apenas de preparativos, mas de atos executórios que colocaram em risco o Estado Democrático de Direito, incluindo com a invasão violenta das sedes dos Três Poderes.
Luiz Fux: Foi o único a divergir no julgamento. Em um voto de 14 horas, defendeu a absolvição completa de Jair Bolsonaro e de outros cinco réus. Em relação a Mauro Cid e Walter Braga Netto, votou pela condenação apenas pelo crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, rejeitando todas as demais acusações. Ao contrário dos outros ministros, Fux analisou separadamente cada crime e cada réu. Também acolheu quase todas as preliminares apresentadas pelas defesas, argumentando que houve cerceamento do direito de defesa e que o STF, assim como sua Primeira Turma, não teriam competência para julgar o caso. Logo no início de sua manifestação, ainda enviou um recado indireto a Alexandre de Moraes, afirmando que juízes não têm função investigativa e devem agir com distanciamento.
Cármen Lúcia: Concluiu que a PGR apresentou provas sólidas de uma empreitada criminosa organizada por uma “milícia digital” para atacar o Judiciário e as urnas eletrônicas, liderada por Jair Bolsonaro, apontado como responsável por planejar a ruptura institucional e a permanência forçada no poder. Para ela, as ações foram coordenadas, contaram com participação efetiva de Mauro Cid e envolveram violência, grave ameaça e até cogitação de assassinatos de autoridades. Rejeitando a tese de Luiz Fux, defendeu que os réus devem ser condenados separadamente pelos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Cristiano Zanin: Surpreendeu ao acompanhar integralmente o voto de Alexandre de Moraes e votar para condenar todos os réus pelos cinco crimes imputados pela PGR. Para ele, ficou comprovada a existência de uma organização criminosa armada e estruturada para manter Bolsonaro no poder. Segundo o ministro, as ações envolveram uso de estruturas do Estado, ameaças a autoridades e violência, evidenciada nos atos de 8 de janeiro de 2023. Zanin afirmou que não foram apenas opiniões políticas ou atos preparatórios, mas um conjunto de estratégias coordenadas que atacaram a democracia, e que a responsabilização é fundamental para consolidar o Estado Democrático de Direito.
Relembre o caso
Em 8 de janeiro de 2023, manifestantes vindos de várias cidades e do acampamento em frente ao quartel general do Exército invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o STF. Obras, estruturas e peças históricas foram destruídas.
O ex-presidente Jair Bolsonaro estava nos Estados Unidos quando os ataques ocorreram, mas já estava na mira da Polícia Federal como possível mentor de um plano golpista.
As apurações avançaram com a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Ele relatou reuniões do presidente com ministros, embaixadores e chefes militares antes das eleições de 2022, nas quais o então mandatário colocava em xeque a credibilidade das urnas.
No segundo turno, a PRF teria sido mobilizada para dificultar o acesso de eleitores em cidades mais favoráveis a Lula. Após a diplomação do petista, em dezembro, vândalos incendiaram carros e ônibus e tentaram invadir a sede da PF em Brasília, e dias depois foi encontrada uma bomba perto do Aeroporto da capital.
Ainda em dezembro, investigações apontaram a elaboração de uma minuta golpista e do plano “punhal verde-amarelo”, que previa os assassinatos de Lula, Alckmin e Moraes. O inquérito da PF foi concluído em novembro de 2024.
Bolsonaro e outros 36 aliados foram indiciados e denunciados pela PGR, que os dividiu em cinco núcleos de atuação. O núcleo central, liderado por Bolsonaro, teria planejado impedir a posse de Lula. A denúncia foi aceita pelo STF, e os réus passaram a responder a uma ação penal.
Segundo a acusação, Bolsonaro liderou a organização criminosa, articulou ataques às urnas, difundiu desinformação e incitou a intervenção militar. Em junho, os réus foram interrogados e negaram a tentativa de golpe.
As defesas questionaram a imparcialidade de Alexandre de Moraes e a validade da delação de Cid, marcada por contradições e descumprimentos do acordo. Anular a delação, porém, significaria invalidar parte das provas nas quais se baseia a denúncia.
O caso repercutiu internacionalmente. Em julho, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump defendeu Bolsonaro, chamou o processo de “caça às bruxas” e impôs sanções a Moraes, que reagiu afirmando que não recuaria “nem um milímetro”.
Com a entrega das alegações finais, o ministro Cristiano Zanin marcou o julgamento. Após cinco sessões, a Primeira Turma do STF decidiu condenar Bolsonaro e outros sete réus.