O ministro Flávio Dino votou nesta terça-feira (9) pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus no julgamento da trama golpista.
Ao acompanhar o relator Alexandre de Moraes, Dino destacou que os crimes praticados pelo grupo não se restringiram a planos ou reflexões, mas configuraram atos executórios que representaram “violência e grave ameaça” ao Estado democrático de Direito.
Dino afastou a tese da defesa de Bolsonaro de que as ações teriam caráter meramente preparatório. “Não considero que nós tivemos meros atos de preparação, e sim atos executórios”, afirmou.
Para o ministro, episódios como desfiles de tanques, fechamento de rodovias, ataques a policiais e tentativas de fechar aeroportos evidenciam a materialidade dos crimes.
O ministro lembrou que crimes de empreendimento — aqueles que começam com o verbo “tentar”, como golpe de Estado ou abolição violenta do Estado democrático de Direito — já constam na legislação brasileira desde 1890.
“Não há necessidade de consumação do resultado para que se configurem. A tentativa, por si só, já é punível”, disse Dino.
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Crítica aos acampamentos e ao plano “Punhal Verde e Amarelo”
Dino também ressaltou que a violência foi inerente a toda a trama. Ele ironizou os acampamentos realizados diante de quartéis do Exército após a derrota de Bolsonaro.
“O nome do plano era ‘Punhal Verde e Amarelo’, não ‘Bíblia Verde e Amarelo’. Os acampamentos não foram em frente a igrejas, mas a quartéis, onde há armas, contingentes e tanques”, observou.
Segundo Dino, a escolha desses locais demonstra que os acampamentos eram parte de uma estratégia de pressão militar e não manifestações pacíficas.
Distinção entre crimes e rejeição à anistia
Assim como Moraes, Dino rejeitou a possibilidade de absorção entre os crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático. Para ele, as duas condutas tutelam bens jurídicos distintos: uma visa inviabilizar a atuação das instituições, enquanto a outra busca derrubar o governo eleito.
Outro ponto central do voto foi a recusa à anistia para os crimes em julgamento. “Os tipos penais presentes na ação são insuscetíveis de anistia, de modo inequívoco”, declarou.
Dino lembrou que, embora o Brasil já tenha concedido anistias em diferentes momentos históricos, jamais houve benefício para altos escalões de poder. “Nunca a anistia se prestou a uma espécie de ‘autoanistia’ de quem exercia o poder dominante”, acrescentou.
Validade da delação de Mauro Cid
O ministro também rebateu as críticas das defesas à delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Ele reconheceu que provas orais podem sofrer limitações, como esquecimentos ou contradições em detalhes, mas enfatizou que existem provas de corroboração capazes de sustentar a validade do acordo.
“Temos um acordo de delação válido e suficiente para corroborar com uma condenação. As provas orais me parecem absolutamente compatíveis com as provas nos autos”, disse Dino.
Segundo o ministro, não houve versões diferentes nos depoimentos de Cid, apenas pequenas variações em detalhes. “Sistematicamente, encontramos um acordo de delação premiada válido”, completou.
Acusações de parcialidade
Dino ainda aproveitou para rebater os questionamentos de que não poderia participar do julgamento por ter sido ministro da Justiça no governo Lula. O magistrado lembrou que sua entrada no STF ocorreu após mudança regimental que definiu a Primeira Turma como responsável pelos processos do 8 de Janeiro.
Além disso, destacou que se algum ministro tivesse pedido para sair de seu colegiado, ele sequer participaria da análise. “Não há impedimento. O que há é a aplicação regular das regras da Corte”, resumiu.
O julgamento em andamento
A Primeira Turma do STF, presidida pelo ministro Cristiano Zanin, retomou na terça-feira (9) a análise da denúncia contra o chamado “núcleo crucial” da suposta trama golpista, apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como responsável por articular medidas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após a eleição de 2022.
O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, rejeitou todas as preliminares arguidas pelas defesas e pediu a condenação dos réus por todos os crimes imputados pela PGR. O julgamento terá sessões extraordinárias até 12 de setembro.
Voto do ministro Alexandre de Moraes
Para o relator do processo, ficou comprovado que houve uma tentativa de golpe de Estado a partir de 2021, quando os primeiros atos preparatórios começaram a ser executados com o uso indevido de órgãos públicos, como a Abin e o GSI, para desacreditar as urnas eletrônicas e o Poder Judiciário.
Moraes tratou Bolsonaro como líder de uma organização criminosa hierarquizada, estruturada com divisão de tarefas e composta por militares e integrantes do governo federal. Segundo ele, o objetivo do grupo era garantir a permanência no poder “independentemente do resultado eleitoral”, utilizando instrumentos ilegais e atentando contra a democracia.
O ministro rejeitou todas as preliminares apresentadas pelas defesas, mantendo a validade da delação premiada de Mauro Cid e das provas reunidas pela Polícia Federal. Ele ressaltou que não é necessário consumar o golpe para que o crime esteja configurado — os atos executórios já são suficientes para responsabilizar os envolvidos.
Para o ministro, as provas reunidas demonstram que o alvo central da conspiração foi o Estado Democrático de Direito, atacado de forma sistemática para minar as instituições e abrir caminho para a perpetuação do grupo político de Bolsonaro no poder.
Próximos passos
O processo segue agora para os votos dos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Cada voto será dividido em duas etapas: primeiro, a análise das preliminares — como a validade da delação de Mauro Cid e a competência do STF; em seguida, o mérito, com a avaliação das provas apresentadas pela PGR.
A decisão final será tomada por maioria simples. Caso confirmada a condenação, a definição das penas será discutida em fase posterior.
Quem são os réus
Além de Bolsonaro, respondem na ação:
• Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin;
• Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;
• Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
• Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
• Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
• Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, candidato a vice-presidente em 2022.
Os oito réus são acusados de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Ramagem, parte das acusações foi suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.