O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (10) pela absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em das acusações relacionadas à chamada trama golpista.
Para ele, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não conseguiu descrever a conduta de Bolsonaro de forma individualizada e apresentou uma denúncia que, em vários trechos, se limita a uma “narrativa”.
O ministro foi categórico ao afirmar que um “discurso inflamado” não pode ser equiparado a atos concretos de violência, em referência às falas de Bolsonaro contra ministros do STF e o sistema eleitoral. Para Fux, “é desarrazoado equiparar palavras a atos efetivos de violência”.
Ele também descartou a reunião de Bolsonaro com comandantes das Forças Armadas em dezembro de 2022 como elemento de crime. Segundo o magistrado, nada passou de uma “vaga cogitação prontamente rejeitada”.
Minuta golpista e reuniões
Outro ponto destacado foi a acusação de que Bolsonaro teria editado uma minuta golpista para prever a prisão de Alexandre de Moraes e a convocação de novas eleições. Fux apontou inconsistências na versão da PGR. “Se a minuta foi entregue a Jair Bolsonaro apenas em 6 de dezembro, como poderia ter sido discutida com Baptista Júnior em novembro? A contradição é patente”, afirmou.
O ministro acrescentou que, mesmo que Bolsonaro tivesse intenção de levar adiante um autogolpe, não precisaria convencer os comandantes militares, pois tinha a prerrogativa de substituí-los. “Quisesse o réu prosseguir no iter criminis, ele não precisaria convencê-los”, disse.
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Fux também se mostrou cético quanto às reuniões dos chamados “kids pretos”, oficiais de Forças Especiais do Exército. Ele afirmou que o encontro ocorreu em um salão de festas de condomínio, “sem privacidade mínima”, o que, em sua avaliação, enfraquece a tese de que teria sido uma articulação efetiva para a derrubada da ordem democrática.
Falhas na delação e nos autos
O magistrado ainda questionou a consistência das delações de Mauro Cid. Segundo ele, os relatos do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro são genéricos, sem precisão de datas ou provas materiais que comprovem a participação do ex-presidente na elaboração de planos golpistas.
Fux sustentou que não é possível enquadrar Bolsonaro no crime de tentativa de golpe de Estado (artigo 359-M do Código Penal), já que a lei prevê a deposição de um governo legitimamente constituído — e o então presidente era o mandatário do cargo.
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Absolvições
Assim como nos casos de Mauro Cid e Almir Garnier, Fux votou pela absolvição de Bolsonaro nos crimes de organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Para o ministro, as condutas descritas não caracterizam organização criminosa, mas apenas concurso de agentes, e não há provas de que Bolsonaro tenha determinado ou se omitido diante das depredações de 8 de Janeiro.https://www.infomoney.com.br/web-stories/luiz-fux-trajetoria/
Crimes absorvidos
Fux concluiu que a acusação de golpe de Estado deve ser absorvida pelo crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, não sendo possível analisar as duas imputações de forma autônoma.
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Ele reforçou ainda que “ninguém pode ser punido pela cogitação” e que atos meramente preparatórios não configuram tentativa de crime.
Com o voto, Fux abriu divergência em pontos centrais do julgamento, mas manteve o entendimento da maioria pela condenação dos réus por abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
A decisão final da Primeira Turma ainda depende dos votos das ministras Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, presidente do colegiado.
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O julgamento em andamento
A Primeira Turma do STF, presidida pelo ministro Cristiano Zanin, retomou na quarta-feira (10) a análise da denúncia contra o chamado “núcleo crucial” da suposta trama golpista, apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como responsável por articular medidas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após a eleição de 2022.
Os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino votaram pela rejeição de todas as preliminares arguidas pelas defesas e pediram a condenação dos réus por todos os crimes imputados pela PGR. O julgamento terá sessões extraordinárias até 12 de setembro.
Voto do ministro Alexandre de Moraes
Para o relator do processo, ficou comprovado que houve uma tentativa de golpe de Estado a partir de 2021, quando os primeiros atos preparatórios começaram a ser executados com o uso indevido de órgãos públicos, como a Abin e o GSI, para desacreditar as urnas eletrônicas e o Poder Judiciário.
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Moraes tratou Bolsonaro como líder de uma organização criminosa hierarquizada, estruturada com divisão de tarefas e composta por militares e integrantes do governo federal. Segundo ele, o objetivo do grupo era garantir a permanência no poder “independentemente do resultado eleitoral”, utilizando instrumentos ilegais e atentando contra a democracia.
O ministro rejeitou todas as preliminares apresentadas pelas defesas, mantendo a validade da delação premiada de Mauro Cid e das provas reunidas pela Polícia Federal. Ele ressaltou que não é necessário consumar o golpe para que o crime esteja configurado — os atos executórios já são suficientes para responsabilizar os envolvidos.
Para o ministro, as provas reunidas demonstram que o alvo central da conspiração foi o Estado Democrático de Direito, atacado de forma sistemática para minar as instituições e abrir caminho para a perpetuação do grupo político de Bolsonaro no poder.
Voto do ministro Flávio Dino
O ministro Flávio Dino acompanhou o relator Alexandre de Moraes e votou pela condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus da chamada trama golpista.
Em sua fala, Dino rejeitou a tese das defesas de que as condutas seriam apenas “atos preparatórios”. Para ele, houve atos executórios concretos que configuram violência e grave ameaça, como bloqueios de rodovias, tentativas de fechar aeroportos e ataques às instituições. O ministro destacou que crimes de empreendimento — como golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito — não exigem consumação para serem punidos.
O magistrado também foi categórico ao afirmar que os crimes imputados aos réus são insuscetíveis de anistia, por envolverem ações de grupos armados contra a ordem constitucional. Dino rechaçou ainda a ideia de uma “autoanistia” em favor de altos escalões de poder, lembrando que nunca houve precedente desse tipo na história do país.
Ao analisar a participação de cada réu, Dino adiantou que as penas não devem ser iguais, pois os níveis de culpabilidade variam. Bolsonaro e Walter Braga Netto foram apontados como líderes da organização criminosa, com maior responsabilidade. Garnier, Anderson Torres e Mauro Cid também foram classificados com alta culpabilidade, enquanto Augusto Heleno, Alexandre Ramagem e Paulo Sérgio Nogueira tiveram participação considerada de menor importância.
Próximos passos
O processo segue agora para os votos dos ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Cada voto será dividido em duas etapas: primeiro, a análise das preliminares — como a validade da delação de Mauro Cid e a competência do STF; em seguida, o mérito, com a avaliação das provas apresentadas pela PGR.
A decisão final será tomada por maioria simples. Caso confirmada a condenação, a definição das penas será discutida em fase posterior.
Quem são os réus
Além de Bolsonaro, respondem na ação:
• Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin;
• Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;
• Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
• Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
• Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
• Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, candidato a vice-presidente em 2022.
Os oito réus são acusados de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Ramagem, parte das acusações foi suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.