O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (10) pela improcedência da acusação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e demais réus pelo crime de organização criminosa, no julgamento da chamada trama golpista.
Segundo ele, as condutas descritas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) não caracterizam o delito, mas apenas concurso de agentes — quando há união de pessoas para praticar um crime específico, sem a estabilidade e hierarquia típicas de uma organização criminosa.
“A consumação do delito de organização criminosa está condicionada à existência de estabilidade e durabilidade. Enquanto não se vislumbram tais elementos, cuida-se de irrelevante penal”, afirmou Fux.
Diferença entre concurso de agentes e organização criminosa
O ministro alertou para o risco de banalização do conceito de crime organizado. Para ele, um plano delitivo pontual, ainda que envolvendo várias pessoas, não basta para configurar o crime.
“A imputação do crime de organização criminosa exige mais do que a reunião de vários agentes para a prática de delitos. A pluralidade de agentes ou a existência de um plano delitivo não tipificam, por si só, esse crime”, disse.
Fux ressaltou que a lei 12.694/2012, que define o crime de organização criminosa, exige uma associação de três ou mais pessoas estruturalmente ordenada e com divisão de tarefas, voltada para a prática indeterminada de crimes. “Os casos mais conhecidos de organização criminosa são as máfias e cartéis, voltados à prática reiterada de delitos graves e indeterminados”, explicou.
O ministro também citou o julgamento do Mensalão, quando o STF anulou a condenação por formação de quadrilha de José Dirceu, para destacar que a atuação de um grupo coordenado não se confunde automaticamente com crime de organização criminosa.
Julgamento segue
Na véspera, o relator Alexandre de Moraes havia votado pela condenação de todos os réus por organização criminosa, com agravante para Bolsonaro por supostamente liderar o grupo. O ministro Flávio Dino também acompanhou Moraes.
Com a divergência aberta por Fux, caberá às ministras Cármen Lúcia e Cristiano Zanin decidir se confirmam a maioria pela condenação ou se acompanham o voto divergente.
O julgamento segue ainda com a análise de outros crimes imputados pela PGR, como tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e dano qualificado ao patrimônio da União.
Voto do ministro Alexandre de Moraes
Para o relator do processo, ficou comprovado que houve uma tentativa de golpe de Estado a partir de 2021, quando os primeiros atos preparatórios começaram a ser executados com o uso indevido de órgãos públicos, como a Abin e o GSI, para desacreditar as urnas eletrônicas e o Poder Judiciário.
Moraes tratou Bolsonaro como líder de uma organização criminosa hierarquizada, estruturada com divisão de tarefas e composta por militares e integrantes do governo federal. Segundo ele, o objetivo do grupo era garantir a permanência no poder “independentemente do resultado eleitoral”, utilizando instrumentos ilegais e atentando contra a democracia.
O ministro rejeitou todas as preliminares apresentadas pelas defesas, mantendo a validade da delação premiada de Mauro Cid e das provas reunidas pela Polícia Federal. Ele ressaltou que não é necessário consumar o golpe para que o crime esteja configurado — os atos executórios já são suficientes para responsabilizar os envolvidos.
Para o ministro, as provas reunidas demonstram que o alvo central da conspiração foi o Estado Democrático de Direito, atacado de forma sistemática para minar as instituições e abrir caminho para a perpetuação do grupo político de Bolsonaro no poder.
Voto de Flávio Dino
O ministro Flávio Dino acompanhou o relator Alexandre de Moraes e votou pela condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus da chamada trama golpista.
Em sua fala, Dino rejeitou a tese das defesas de que as condutas seriam apenas “atos preparatórios”. Para ele, houve atos executórios concretos que configuram violência e grave ameaça, como bloqueios de rodovias, tentativas de fechar aeroportos e ataques às instituições. O ministro destacou que crimes de empreendimento — como golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito — não exigem consumação para serem punidos.
O magistrado também foi categórico ao afirmar que os crimes imputados aos réus são insuscetíveis de anistia, por envolverem ações de grupos armados contra a ordem constitucional. Dino rechaçou ainda a ideia de uma “autoanistia” em favor de altos escalões de poder, lembrando que nunca houve precedente desse tipo na história do país.
Ao analisar a participação de cada réu, Dino adiantou que as penas não devem ser iguais, pois os níveis de culpabilidade variam. Bolsonaro e Walter Braga Netto foram apontados como líderes da organização criminosa, com maior responsabilidade. Garnier, Anderson Torres e Mauro Cid também foram classificados com alta culpabilidade, enquanto Augusto Heleno, Alexandre Ramagem e Paulo Sérgio Nogueira tiveram participação considerada de menor importância.
Próximos passos
O processo segue agora para os votos dos ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Cada voto será dividido em duas etapas: primeiro, a análise das preliminares — como a validade da delação de Mauro Cid e a competência do STF; em seguida, o mérito, com a avaliação das provas apresentadas pela PGR.
A decisão final será tomada por maioria simples. Caso confirmada a condenação, a definição das penas será discutida em fase posterior.
Quem são os réus
Além de Bolsonaro, respondem na ação:
• Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin;
• Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;
• Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
• Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
• Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
• Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, candidato a vice-presidente em 2022.
Os oito réus são acusados de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Ramagem, parte das acusações foi suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.

