O presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou pessoalmente que o Itamaraty bloqueasse a entrada da Venezuela nos Brics durante a cúpula dos líderes do bloco, realizada na semana passada em Kazan, na Rússia.
A ordem do Palácio do Planalto aos diplomatas foi clara: o presidente Nicolás Maduro não deveria ser premiado com a adesão ao grupo após ter ignorado todos os apelos de Brasília para acabar com a repressão à oposição e encontrar uma solução política para a polêmica criada com as controversas eleições presidenciais de julho.
A CNN apurou que Lula ficou tão irritado com a posição de Maduro que não quer nem mais ouvir falar do autocrata venezuelano e das fraudes nas eleições.
Os negociadores do Itamaraty e o ministro Mauro Vieira seguiram a determinação do presidente brasileiro e venceram a queda de braço, inclusive com países importantes como a Rússia e a China, que apoiavam a adesão da Venezuela. O presidente russo, Vladimir Putin, chegou a dizer que a Venezuela estava apenas lutando por sua sobrevivência e que o Kremlin tinha uma posição distinta do Brasil.
Apesar de saber que uma decisão desse tipo só poderia ser tomada com a chancela direta de Lula, Maduro decidiu que vai continuar atacando o Itamaraty enquanto preserva o presidente brasileiro de críticas diretas.
Na segunda-feira (28), o autocrata chegou a dizer que o Ministério das Relações Exteriores brasileiro era pautado pelos interesses dos Estados Unidos.
Estratégia diversionista de Maduro revela duas metas.
A primeira diz respeito a tentar manter algum tipo de diálogo direto com Lula, esperando que os apoiadores mais à esquerda do presidente no Brasil venham em sua defesa e que algum tipo de negociação volte a acontecer.
A segunda é sinalizar claramente que Caracas vai continuar insistindo para entrar nos Brics em algum momento – e é bem provável que isso aconteça quando a situação se acalmar.
Lula, fiador das eleições
A irritação de Lula tem fundamento.
O presidente brasileiro foi um dos principais fiadores dos acordos de Barbados, que permitiram a realização das eleições presidenciais na Venezuela. Pelos acordos, Maduro se comprometeu a permitir a realização de eleições livres e não reprimir a oposição.
Nenhuma dessas coisas aconteceu.
Pelo contrário: há evidências claríssimas de que as eleições foram fraudadas e a repressão aos opositores apenas aumentou, com a morte de vários deles em protestos que se seguiram às fraudes eleitorais.
Maduro também ignorou um apelo direto da diplomacia brasileira para dar salvo-conduto a um grupo de opositores que buscou refúgio na embaixada da Argentina em Caracas, ainda durante a campanha eleitoral.
Depois do rompimento entre Buenos Aires e Caracas, ocorrido por conta das eleições, o Brasil assumiu a custódia da embaixada e tem se empenhado em garantir a integridade dos opositores.
O Itamaraty decidiu não responder às últimas provocações de Maduro e do seu regime.
Alguns observadores do caso acreditam que as relações entre os dois países rumam para um congelamento total – assim como aconteceu com a ditadura da Nicarágua, que chegou a expulsar o embaixador brasileiro no país.
A insistência de Maduro em suas críticas, mesmo que indiretas, pode levar a uma distância ainda maior de Lula – algo que seria impensável há poucos meses.