A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que empresa ou órgão com atuação no Brasil não poderá aplicar restrições, ou bloqueios com base em determinações unilaterais de outros países é mais um capítulo no imbróglio recente envolvendo os Estados Unidos (EUA) e o Judiciário brasileiro.
O posicionamento de Dino não foi bem-visto pelo governo de Donald Trump, que recentemente sancionou o ministro Alexandre de Moraes com a Lei Magnitsky.
Dino, Moraes e Magnitsky
- Na segunda-feira (18/8), o ministro Flávio Dino, do STF, decidiu que empresa ou órgão com atuação no Brasil não poderá aplicar restrições, ou bloqueios com base em determinações unilaterais de outros países.
- A decisão de Dino reforça a soberania de jurisdição brasileira, impedindo que medidas estrangeiras tenham efeito automático no país.
- O ministro Alexandre de Moraes, do STF, foi sancionado pelos Estados Unidos por meio da Lei Magnitsky, usada para punir estrangeiros.
- Em resposta à Dino, o governo Trump afirmou, em publicação no X, que nenhum tribunal estrangeiro pode anular sanções impostas pelos EUA ou proteger alguém das severas consequências de descumpri-las.
- Ainda no mesmo post, o Escritório de Assuntos do Ocidente (Bureau of Western Hemisphere Affairs) afirmou que Moraes é tóxico para todas as empresas e indivíduos legítimos que buscam acesso aos EUA e seus mercados.
A decisão de Dino ocorre em meio ao movimento de municípios brasileiros que recorreram a tribunais estrangeiros em busca de indenizações maiores contra a mineradora Samarco, após o rompimento da barragem de Mariana (MG).
Em tese, a decisão de Dino reforça a soberania da jurisdição brasileira, impedindo que medidas estrangeiras — como as sanções dos Estados Unidos contra Alexandre de Moraes, baseadas na Lei Magnitsky — tenham efeito automático no país. No entanto, essas restrições continuam válidas no exterior.
Já na visão do mestre em direitos sociais e processos reivindicatórios Welder Rodrigues Lima, a decisão de Dino não impede a aplicação da Lei Magnitsky contra Moraes, mas reforça a necessidade de que sejam obedecidas às formalidades legais, passando pelo crivo do Poder Judiciário brasileiro, para que assim possam surtir efeitos no Brasil.
“A decisão reforça o que se depreende do artigo 105, inciso I, alínea ‘i’ da Constituição Federal e também do artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, qual seja, a de que leis, sentenças ou atos de outros países não têm eficácia automática no Brasil. Dependem de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que avaliará a compatibilidade com a Constituição Federal Brasileira”, assinala Welder.
Soberania
Dino ressaltou que leis estrangeiras só podem produzir efeitos no Brasil mediante a devida homologação judicial ou por meio dos mecanismos formais de cooperação internacional. Ao afirmar que os entes locais são autônomos, mas não soberanos, Dino blindou a jurisdição brasileira contra Cortes externas e, ao mesmo tempo, enviou recado mais amplo sobre a posição do país diante de pressões internacionais.
O professor em direito internacional Paulo Henrique Gonçalves Portela explica que decisões estrangeiras podem ser aplicadas em outros países a partir da homologação da sentença ou por meio de mecanismos de cooperação internacional.
“Entretanto, em ambos os casos, nem a lei, nem a decisão estrangeira podem violar a ordem pública, princípio básico do direito internacional privado. Não podem, por exemplo, contrariar a Constituição local. Cabe destacar que o conceito de ordem pública abrange a noção de ‘soberania nacional’”, pontua.
Para Berlinque Cantelmo, a decisão de Dino fortalece a posição de que o Brasil não reconhece efeitos diretos de sanções unilaterais impostas por governos estrangeiros contra cidadãos ou empresas brasileiras, salvo em casos de tratados internacionais ratificados ou decisões devidamente homologadas. O especialista salienta que se trata de um marco.
“Além de resguardar Moraes, a decisão pode servir como referência futura para proteger outros cidadãos brasileiros de imposições externas que comprometam direitos patrimoniais ou reputacionais sem o devido respaldo da Justiça brasileira”, destaca.
Na visão do advogado especialista em direito penal Berlinque Cantelmo, a decisão de Dino tem efeitos limitados ao território nacional, impedindo a aplicação automática das sanções da Lei Magnitsky contra Moraes.
Ele detalha que bancos, instituições financeiras e empresas brasileiras não podem promover bloqueios de bens, restrições financeiras ou negar serviços com base exclusiva nas medidas unilaterais impostas pelos EUA.
“No entanto, essa proteção não se estende ao exterior. Fora do Brasil, as sanções permanecem plenamente válidas, uma vez que a Lei Magnitsky tem eficácia dentro da jurisdição norte-americana e alcança empresas e instituições sujeitas ao seu sistema regulatório”, frisa Cantelmo, presidente da Comissão Nacional de Direito Penal Militar da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim).