Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal discutiu e aprovou, na última quarta-feira (23), o relatório do Projeto de Lei (PL) nº 2.903/2023, que trata, entre outros temas, do marco temporal para a demarcação de terras indígenas no país. Durante a audiência pública, a presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, afirmou que o PL representa retrocessos e atenta contra cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988.
“Nós estamos debatendo aqui a validade da Constituição Federal, aprovada nesta Casa, que traz questões fundamentais para a segurança e a proteção da vida dos povos indígenas. Então, discutir o PL 2.903/2023 é fazer valer ou não a nossa Constituição. A proteção aos povos indígenas é considerada direito fundamental, são cláusulas pétreas, amplamente reconhecidas e garantidas em diversos julgados“, pontuou a presidenta da Funai, ao mencionar o Artigo 231 da Constituição.
Joenia Wapichana argumentou que a medida tem vícios legislativos por tentar fazer uma alteração na Constituição por meio de uma Lei Ordinária, a qual não possui tal prerrogativa. “A proposta também representaria retrocesso social. Além disso, o PL tem tramitado sem consulta aos povos indígenas, contrariando a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário”, afirma a Funai.
O tratado internacional de direitos humanos prevê que os povos indígenas têm o direito à consulta livre, prévia e informada sobre quaisquer medidas administrativas ou legislativas capazes de impactar seus modos de vida. “A partir dessa consulta é que os povos indígenas podem colocar seus pontos e suas opiniões“, alertou Wapichana.
Marco Temporal
A tese jurídica do marco temporal condiciona a demarcação das terras tradicionais dos povos indígenas à sua efetiva ocupação na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. “Essa tese ignora o longo histórico de esbulho possessório e violência praticada contra os povos indígenas, acarretando a expulsão de seus territórios, além de violar os direitos indígenas previstos na própria CF e em tratados internacionais dos quais o Estado brasileiro é signatário”, alega a Funai.
De acordo com a Constituição Federal, as terras indígenas são bens da União e de usufruto exclusivo dos povos indígenas. Elas são bens inalienáveis e indisponíveis, ou seja, não podem ser objeto de compra, venda, doação ou qualquer outro tipo de negócio, sendo nulos e extintos todos os atos que permitam sua ocupação, domínio ou posse por não indígenas.
Outro ponto importante é o fato de que os direitos dos povos indígenas sobre as terras são imprescritíveis. Desse modo, a Ordem Constitucional vigente reafirma o Princípio do Indigenato, que significa que os direitos dos povos originários sobre suas terras antecedem a própria formação do Estado brasileiro. A tese do marco temporal está em disputa também no Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do Recurso Extraordinário – RE nº 1017365.
*Com informações da assessoria