O ministro Alexandre de Moraes iniciou nesta terça-feira (9) o voto de mérito no julgamento da suposta trama golpista liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em tom crítico e irônico, o relator destacou as anotações apreendidas pela Polícia Federal com o general Augusto Heleno e o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), classificando os registros como uma espécie de “meu querido diário” da conspiração.
Segundo Moraes, os documentos não se tratavam de reflexões pessoais, mas de parte de uma engrenagem organizada para corroer a democracia.
“Alexandre Ramagem confirmou a titularidade, salientando, porém, que as anotações eram só para ele, particulares, ele com ele mesmo. Uma espécie de diário, o ‘meu querido diário’. Não é razoável acreditar que informações registradas na terceira pessoa, que depois apareceram em lives presidenciais, fossem apenas pensamentos íntimos”, ironizou.
As páginas da agenda de Heleno, encontradas em sua casa com o timbre da Caixa Econômica Federal, traziam referências a adversários políticos de Bolsonaro, questionamentos às urnas eletrônicas, indícios da existência da chamada “Abin Paralela” e até etapas para invalidar decisões judiciais em caso de golpe consumado.
“Não consigo entender como alguém pode achar normal, em plena democracia do século 21, um general manter uma agenda com anotações golpistas”, disse Moraes.
O ministro afirmou que os registros de Heleno se conectavam com os de Ramagem, então diretor da Abin, e serviram como munição para que Bolsonaro amplificasse ataques contra o sistema eletrônico de votação.
Ele destacou que os documentos foram atualizados dois dias antes de uma das lives em que o ex-presidente questionou a segurança das urnas e insinuou fraude nas eleições de 2018. “É como se o assassino deixasse as digitais e a carteira de identidade ao lado do corpo do morto”, resumiu Moraes.
Para o relator, os papéis reforçam a ideia de que a organização criminosa estruturou uma narrativa mentirosa com apoio de órgãos públicos, como a Abin e o GSI, a partir de 2021. O objetivo, disse, era desacreditar a Justiça Eleitoral e justificar uma ruptura caso Bolsonaro fosse derrotado em 2022.
Moraes também apresentou aos ministros uma cronologia do que chamou de “atos executórios” da conspiração, como a reunião dos “Kids Pretos” em novembro de 2022, a preparação de explosivos em Brasília no mês seguinte e a escalada de violência que culminou nos ataques de 8 de Janeiro de 2023.
“A intenção era clara: restringir ou anular a atuação do Judiciário e perpetuar no poder um governo derrotado nas urnas”, concluiu.
O julgamento em andamento
A Primeira Turma do STF, presidida pelo ministro Cristiano Zanin, retomou na terça-feira (9) a análise da denúncia contra o chamado “núcleo crucial” da suposta trama golpista, apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como responsável por articular medidas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após a eleição de 2022.
O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, rejeitou todas as preliminares arguidas pelas defesas e agora apresenta seu voto com relação ao mérito. O julgamento terá sessões extraordinárias até 12 de setembro.
Quem são os réus
Além de Bolsonaro, respondem na ação:
• Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin;
• Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;
• Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
• Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
• Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
• Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, candidato a vice-presidente em 2022.
Os oito réus são acusados de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Ramagem, parte das acusações foi suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.