BRASÍLIA – A sessão de debates temáticos do Senado sobre o projeto que regulamenta a exploração de jogos, bingos e apostas em todo o território nacional foi marcada pela divergência entre os participantes. Enquanto representantes do governo e da indústria de turismo e eventos, além do relator da matéria, defenderam a aprovação da proposta, com o argumento da geração de emprego e renda no país, outros senadores e debatedores alertaram para o risco de a atividade ser usada pelo crime organizado na lavagem de dinheiro e agravar o vício em jogos, a ludopatia.
DEBATE NO SENADO
Na avaliação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a matéria (PL 2.234/2022) é abrangente e complexa. Por um lado, busca regulamentar atividades que estão há mais de 30 anos na ilegalidade, gerando arrecadação ao Estado; por outro lado, desperta preocupações legítimas da sociedade em relação à ludopatia e suas consequências na saúde mental e financeira da população, ponderou Pacheco. Para ele, o Senado precisa analisar todas as facetas da proposta considerando os impactos para a sociedade brasileira.
— Devemos avaliar cuidadosamente eventuais benefícios, como geração de empregos e receitas para o Estado brasileiro, mas também os riscos e desafios, incluindo prevenção da lavagem de dinheiro e combate ao crime organizado, além do problema social e de saúde pública relativo à ludopatia — ressaltou o senador.
A proposta, que foi apresentada na Câmara dos Deputados em 1991 e está tramitando no Senado desde março de 2022, prevê a criação de dois impostos a partir da autorização do funcionamento de cassinos, bingos, jogo do bicho e aposta em corridas de cavalo no Brasil. A arrecadação será compartilhada com os estados, Distrito Federal, municípios, Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) e fundos de esporte e cultura.
O relator do PL 2.234/2022, senador Irajá (PSD-TO), alegou quepaíses que já regulamentaram os jogos e apostas cresceram socialmente e economicamente após a decisão. Na opinião dele, é estratégico e necessário buscar colocar o país na rota do turismo no mundo, “dizendo não ao jogo ilegal e clandestino” e impondo limites, regras e fiscalização.
— Se nós compararmos com o G20, que são os países das 20 maiores economias mundiais, em que o Brasil é a oitava maior economia hoje, apenas a Indonésia e o Brasil ainda não legalizaram os jogos e as apostas. Até a Arábia Saudita, que é um país muçulmano, o fez agora, recentemente; um país com restrição quase absoluta. Nem bebida alcoólica se admite vender na Arábia Saudita, para vocês terem uma ideia. E eles também fizeram a regulamentação dos jogos e das apostas responsáveis — comparou Irajá.
Hoje o Brasil recebe anualmente cerca de 6 milhões de turistas estrangeiros, ficando atrás de países da América Latina como a Argentina, que recebe 7,4 milhões turistas por ano. Os defensores da legalização dos jogos argumentam que o turismo brasileiro ganharia importante impulso.
Segundo o secretário nacional de Infraestrutura, Crédito e Investimentos do Ministério do Turismo, Carlos Henrique Sobral, a expectativa, caso a proposta se torne lei, é que o Brasil gere mais de 650 mil empregos com a atividade e tenha um incremento de R$ 74 bilhões na receita.
— Vamos ter um investimento de R$ 66 bilhões, mais de 1.000% de aumento de investimento. E o PIB, de 8%, nós chegaremos a 9,2% ou talvez aos dois dígitos, que é a nossa meta. A tendência é, com esses destinos com resort integrado, atingir desenvolvimento econômico, sendo emblemáticos Las Vegas, Macau e Singapura.
Ludopatia
Outros participantes do debate se colocaram contrários à legalização. Para o senador Eduardo Girão (Novo-CE), a matéria é nociva para a sociedade por “devastar completamente” valores e princípios dos cidadãos. Ele chamou de falácia as expectativas de crescimento do turismo com a autorização da atividade de jogos e citou pesquisa feita nos Estados Unidos, pelo professor Earl Grinols, indicando que a cada U$ 1 tributado com o jogo, foram gastos pelo Estado U$ 3 com as consequências sociais geradas a partir da autorização da jogatina.
Ele ainda citou pesquisa do Datafolha mostrando que os beneficiários do programa Bolsa Família já destinam cerca de R$ 100 para realizar apostas esportivas de cota única — as chamadas bets, já autorizadas e regulamentadas no Brasil. Para o senador, o projeto vai estimular ainda mais o vício em apostas, comprometendo a saúde mental e financeira dos brasileiros.
— Vocês sabem o que é que acontece com o suicídio em relação a jogo de azar? Os índices são 12 vezes maiores nas pessoas que têm o vício da ludopatia. A ludopatia é o grande faturamento: cerca de 40% do faturamento dos cassinos são dos ludopatas. Como é que eles vão abrir mão disso? Não vão! Isso é para inglês ver. Isso é o faturamento. O que está aqui em jogo é dinheiro.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e o pastor Silas Malafaia manifestaram a mesma preocupação. Eles ainda alertaram para o risco das facções criminosas e bicheiros usarem recurso gerado por meio de atividades ilegais e da criminalidade para “lavar dinheiro” na atividade regulamentada. A falta de estrutura para fiscalização e controle no Brasil também foi citada.
— O que mais me traz para este debate é a questão da corrupção, da lavagem de dinheiro. Temos notas técnicas da PGR [Procuradoria-Geral da República] e da PF [Polícia Federal], de 2017, que apontavam essa preocupação. Acho que elas ainda têm validade e podemos voltar a perguntar a esses órgãos se eles mudaram a posição, se o Brasil melhorou os seus órgãos de controle. Essa preocupação ainda é muito atual — destacou Damares.
Avanços e controle
O senador Irajá informou que a ludopatia e a criminalidade foram levadas em consideração na construção da proposta. Pensando nisso, o projeto estabelece que as apostas serão feitas somente por meio de pagamento via Pix ou cartão na modalidade de débito. Além disso, traz regras para impedir o empréstimo bancário para essa finalidade.
Sobre a questão da sonegação e lavagem de dinheiro, o relator esclareceu que o método de aposta será passível de auditagem por meio de conta digital, sem permissão para pagamentos em espécie.
— Para você participar de um cassino, você precisa abrir uma conta digital com o seu CPF; não é admitida nem a possibilidade de abrir no CNPJ. Todas as apostas que você efetuar, o movimento de apostas e prêmios que você venha a receber, serão transacionados também nessa conta digital na pessoa física. Portanto, todo o processo é passível de auditagem, porque ele tem um lastro, podendo ser fiscalizado pelos órgãos de controle, como a Receita Federal, a Polícia Federal e todos os demais órgãos que desejem, de alguma forma, estabelecer uma relação de transparência com o que está acontecendo nessa movimentação financeira — explicou o relator.
Especialista em regulação de jogos e apostas, Leonardo Henrique Benites de Prado disse que o ludopatismo é um problema grave, que deve ter cuidado especial, mas ressaltou que a própria indústria do setor tem se preocupado em auxiliar o Estado a propor uma regulamentação séria, preocupada com a segurança jurídica e com a proteção ao praticante.
— O problema com a ludopatia atinge uma parcela ínfima da sociedade, e nós não podemos cercear a liberdade da grande maioria porque teremos problema com a minoria. Cerca de 12,5% das pessoas que consomem álcool são alcoólatras. Esse número está muitas vezes maior do que a questão do ludopata.