As big techs americanas fizeram críticas ao STF (Supremo Tribunal Federal) e à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) nas considerações que fizeram ao USTR (Representante Comercial da Casa Branca) dentro da investigação 301, que apura práticas comerciais ilegais pelo Brasil.
O alvo principal das críticas foi a decisão do STF, em junho, de reinterpretar o artigo 19 do Marco Civil da Internet e aumentar a responsabilização das redes sociais por conteúdos postados por terceiros.
Quanto à Anatel, o incômodo foi com a resolução 780/2025 proferida no dia 1º de agosto, que revisou o Regulamento de Avaliação da Conformidade e Homologação de Produtos para Telecomunicações (RACPT) ampliando obrigações a data centers que integram redes de telecomunicações.
Ela foi considerada abusiva e anti-comercial pelas empresas de tecnologia dos Estados Unidos.
As críticas ocorrem antes da reunião de entidades do setor privado com o USTR, previsto para essa semana em Washignton.
Uma das entidades que se manifestaram foi a Computer & Communications Industry Association, a Associação da Indústria de Computadores e Comunicação (CCIA, na sigla em inglês).
A associação norte-americana afirmou que “a decisão (do STF) de junho de 2025 introduz significativa incerteza jurídica e pode prejudicar injustamente as empresas norte-americanas envolvidas no comércio digital e serviços eletrônicos”.
“Ao remover o antigo escudo de responsabilidade que condicionava a responsabilidade das plataformas à capacidade de resposta a ordens judiciais, a decisão expõe os provedores de aplicações de internet a padrões elevados e potencialmente subjetivos de responsabilidade civil por conteúdo de terceiros, mesmo na ausência de notificação prévia”, aponta a CCIA.
Também coloca que a decisão tem potencial para fragilizar a liberdade de expressão no Brasil.
“Dado o volume de conteúdo que os provedores hospedam e/ou transmitem, é amplamente reconhecido que monitorar efetivamente todo o conteúdo é inviável, o que leva a uma responsabilidade extraordinária”, afirma a entidade.
A Associação da Indústria de Computadores e Comunicação complementa: “Apesar dessa inviabilidade, os provedores ainda enfrentarão fortes incentivos para se envolver em remoção preventiva ou excessivamente ampla de conteúdo para mitigar o risco legal, minando a liberdade de expressão e impondo ônus de conformidade desproporcionais às empresas estrangeiras que operam no Brasil, dada sua participação de mercado”.
Decisão da Anatel sobre data centers entra no radar
A decisão da Anatel sobre datacenters também entrou no alvo da entidade.
“Considerando os investimentos substanciais dos EUA em data centers brasileiros, tais medidas correm o risco de operar como uma prática comercial onerosa que prejudica o acesso ao mercado para empresas americanas e impede serviços digitais transfronteiriços.”
A associação não-governamental norte-americana também afirma que as taxas de uso de rede propostas provavelmente recairiam “desproporcionalmente sobre as empresas de tecnologia americanas” e, assim, “prejudicariam a prestação de serviços digitais no Brasil”.
Também argumenta que as taxas propostas onerariam o comércio dos EUA, forçando as empresas americanas a pagar as taxas mais altas em comparação com as taxas pagas por empresas menores não americanas.
A entidade conclui dizendo que o resultado efetivo seria “forçar as empresas americanas a subsidiar seus concorrentes”.
Outra associação americana, a NetChoice, que se apresenta como uma associação comercial de empresas on-line que defende a liberdade de expressão e a livre iniciativa na internet afirmou ao USTR que “talvez o mais preocupante seja como o Supremo Tribunal Federal brasileiro se concedeu autoridade sem precedentes para emitir ordens imediatas de remoção de conteúdo sem autorização legislativa ou procedimentos judiciais tradicionais, criando um ambiente regulatório em que empresas americanas enfrentam ações de execução imprevisíveis com base nas preferências políticas de cada juiz”.
“Esse regime se estende muito além de estruturas teóricas, criando barreiras imediatas por meio de demandas em massa de suspensão de contas direcionadas a figuras da oposição política, jornalistas e organizações da sociedade civil, forçando empresas americanas a se tornarem instrumentos de supressão política”, diz a NetChoice.
Segundo a associação, o Brasil implementou sistemas informais de cotas de remoção de conteúdo, principalmente durante períodos eleitorais, “que forçam empresas americanas a censurar excessivamente o conteúdo para evitar penalidades, alterando fundamentalmente seus serviços e seu posicionamento competitivo”.
A NetChoice cita como “exemplo mais extremo” a decisão de 30 de agosto de 2024 que baniu o X no Brasil, classificando-a como “extorsão”.
“O Supremo Tribunal Federal manteve a proibição, ameaçando 22 milhões de usuários com multas diárias de R$ 50.000 por acessar o serviço por meio de VPNs, enquanto impôs multas diárias de US$ 1 milhão ao X por não impedir o acesso de todos os brasileiros — o que era tecnologicamente impossível. A empresa acabou sendo forçada a pagar US$ 5 milhões em multas como condição para retomar as operações, demonstrando como o Brasil utiliza a aplicação de extorsão para extrair receita de empresas americanas no ato de coagir o cumprimento da censura”, detalha a NetChoice.
Já o Conselho da Indústria de Tecnologia da Informação (ITI) alega que “o setor privado ainda aguarda por mais orientações sobre o escopo e a interpretação da decisão” e disse que “daqui para frente as empresas americanas terão que operar sob um novo regime de notificação e remoção, sendo responsáveis por conteúdo considerado ilegal, sem ordem judicial prévia”.
Além disso, as plataformas digitais seriam, segundo a ITI, presumidamente responsáveis por anúncios ilegais, a menos que possam provar que agiram “diligentemente” e dentro de um “prazo razoável” para remover o anúncio, sem aviso prévio, um regime mais rigoroso do que o aplicado a outros meios de comunicação, como TV e rádio.
Além disso, as plataformas podem, segundo a associação, ser responsabilizadas por “falha sistêmica” em seu dever de prevenir e remover uma lista fechada de conteúdo gravemente ilegal, incluindo material relacionado a pornografia infantil, tráfico de pessoas, terrorismo e discurso de ódio.
“Embora as plataformas não sejam responsáveis por casos isolados, elas podem ser responsabilizadas por “falha sistêmica”, que é vagamente definida como a falha em implementar medidas adequadas para prevenir e remover tal conteúdo”, conclui.
A posição das big techs americanas se alinha às das brasileiras, que vêm tecendo críticas ao governo Lula e ao STF sobre seus posicionamentos em relação à regulação das redes.