O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou nesta quinta-feira (11) maioria para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo crime de organização criminosa.
O placar foi alcançado com o voto da ministra Cármen Lúcia, que acompanhou o relator Alexandre de Moraes e reforçou o entendimento de que os oito réus do chamado “núcleo central” da trama golpista devem responder por todos os crimes apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Antes da manifestação de Cármen, a Corte já havia formado maioria para condenar o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o general Walter Braga Netto pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, após os votos de Moraes, Flávio Dino e Luiz Fux.
Ao confirmar a posição pela condenação também por organização criminosa, a ministra destacou a gravidade das condutas atribuídas ao grupo, consideradas estruturadas e direcionadas para viabilizar a ruptura institucional. Com isso, os oito réus passam a ter maioria formada contra si em relação a todos os delitos incluídos na denúncia.
O julgamento segue na Primeira Turma, que ainda deve ouvir os votos finais dos ministros Cristiano Zanin.
O julgamento em andamento
A Primeira Turma do STF, presidida pelo ministro Cristiano Zanin, retomou na quinta-feira (11) a análise da denúncia contra o chamado “núcleo crucial” da suposta trama golpista, apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como responsável por articular medidas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após a eleição de 2022.
Os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino votaram pela rejeição de todas as preliminares arguidas pelas defesas e pediram a condenação dos réus por todos os crimes imputados pela PGR. Já o ministro Luiz Fux abriu divergência e votou pela absolvição de Jair Bolsonaro de todas as acusações. Por outro lado, o ministro condenou Mauro Cid e Walter Braga Netto por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, citando indícios de planejamento de atos violentos, inclusive atentados contra ministros do Supremo. O julgamento terá sessões extraordinárias até 12 de setembro.
Voto do ministro Luiz Fux
O voto do ministro Luiz Fux adotou uma interpretação restritiva da lei penal e divergir em quase todos os pontos do relator Alexandre de Moraes. Logo no início, Fux absolveu todos os réus da acusação de integrar organização criminosa armada. Para ele, não havia provas de que existisse uma estrutura estável e hierarquizada, mas apenas a cooperação de indivíduos em torno de objetivos específicos.
No mesmo sentido, afastou a responsabilização dos réus pelos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado ocorridos no 8 de Janeiro. Segundo o ministro, não é possível punir de forma solidária todos os acusados por depredações cometidas por terceiros, sem a individualização das condutas.
Sobre o crime de golpe de Estado, Fux entendeu que a maioria dos réus deveria ser absorvida pela acusação de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Ainda assim, afirmou que não havia provas suficientes de atos executórios que configurassem essa tentativa. Para o magistrado, apenas a cogitação ou manifestações políticas, mesmo quando inflamadas, não podem ser equiparadas a crimes contra a democracia.
Na análise de condutas específicas, Fux condenou Mauro Cid e Walter Braga Netto por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, citando indícios de planejamento de atos violentos, inclusive atentados contra ministros do Supremo.
Por outro lado, absolveu Jair Bolsonaro de todas as acusações. O ministro argumentou que não há provas de que o ex-presidente tenha participado da elaboração de minutas golpistas, ordenado operações da PRF ou se envolvido no uso irregular da Abin. Para ele, os discursos de Bolsonaro, ainda que agressivos, não tiveram capacidade real de abalar a ordem democrática.
Em síntese, Fux reforçou que só há crime de abolição do Estado Democrático de Direito quando existe “perigo real, e não meramente hipotético” de destruição da democracia, tese que o levou a divergir da linha adotada por Moraes e Flávio Dino.
Voto do ministro Alexandre de Moraes
Para o relator do processo, ficou comprovado que houve uma tentativa de golpe de Estado a partir de 2021, quando os primeiros atos preparatórios começaram a ser executados com o uso indevido de órgãos públicos, como a Abin e o GSI, para desacreditar as urnas eletrônicas e o Poder Judiciário.
Moraes tratou Bolsonaro como líder de uma organização criminosa hierarquizada, estruturada com divisão de tarefas e composta por militares e integrantes do governo federal. Segundo ele, o objetivo do grupo era garantir a permanência no poder “independentemente do resultado eleitoral”, utilizando instrumentos ilegais e atentando contra a democracia.
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O ministro rejeitou todas as preliminares apresentadas pelas defesas, mantendo a validade da delação premiada de Mauro Cid e das provas reunidas pela Polícia Federal. Ele ressaltou que não é necessário consumar o golpe para que o crime esteja configurado — os atos executórios já são suficientes para responsabilizar os envolvidos.
Para o ministro, as provas reunidas demonstram que o alvo central da conspiração foi o Estado Democrático de Direito, atacado de forma sistemática para minar as instituições e abrir caminho para a perpetuação do grupo político de Bolsonaro no poder.
Voto do ministro Flávio Dino
O ministro Flávio Dino acompanhou o relator Alexandre de Moraes e votou pela condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus da chamada trama golpista.
Em sua fala, Dino rejeitou a tese das defesas de que as condutas seriam apenas “atos preparatórios”. Para ele, houve atos executórios concretos que configuram violência e grave ameaça, como bloqueios de rodovias, tentativas de fechar aeroportos e ataques às instituições. O ministro destacou que crimes de empreendimento — como golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito — não exigem consumação para serem punidos.
O magistrado também foi categórico ao afirmar que os crimes imputados aos réus são insuscetíveis de anistia, por envolverem ações de grupos armados contra a ordem constitucional. Dino rechaçou ainda a ideia de uma “autoanistia” em favor de altos escalões de poder, lembrando que nunca houve precedente desse tipo na história do país.
Ao analisar a participação de cada réu, Dino adiantou que as penas não devem ser iguais, pois os níveis de culpabilidade variam. Bolsonaro e Walter Braga Netto foram apontados como líderes da organização criminosa, com maior responsabilidade. Garnier, Anderson Torres e Mauro Cid também foram classificados com alta culpabilidade, enquanto Augusto Heleno, Alexandre Ramagem e Paulo Sérgio Nogueira tiveram participação considerada de menor importância.
Próximos passos
O processo segue agora para os votos dos ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Cada voto será dividido em duas etapas: primeiro, a análise das preliminares — como a validade da delação de Mauro Cid e a competência do STF; em seguida, o mérito, com a avaliação das provas apresentadas pela PGR.
A decisão final será tomada por maioria simples. Caso confirmada a condenação, a definição das penas será discutida em fase posterior.
Quem são os réus
Além de Bolsonaro, respondem na ação:
• Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin;
• Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;
• Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
• Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
• Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
• Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, candidato a vice-presidente em 2022.
Os oito réus são acusados de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Ramagem, parte das acusações foi suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.