Durante toda a última quarta-feira (10), o ministro Luiz Fux, da Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), proferiu por mais de 13 horas seu voto pela absolvição completa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros cinco réus de todos os crimes aos quais foram denunciados pela PGR (Procuradoria-Geral da República).
O magistrado optou pela condenação apenas do tenente-coronel Mauro Cid e do general Walter Braga Netto pelo crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Consolidado como um dos mais longos votos da história do STF, a fala de Fux virou motivo de comemoração por parte de aliados do ex-presidente, que depositam suas esperanças numa possível redução de pena e também nos embargos infringentes que talvez possam ser apresentados pela defesa de Bolsonaro.
Ao final da sessão, por exemplo, Celso Vilardi, que integra a equipe de advogados do ex-mandatário disse que o magistrado “acolheu na íntegra a tese da defesa”.
“Evidentemente que nós entendemos que é um voto absolutamente técnico e que abordou a prova de uma forma exaustiva. Eu, pessoalmente, fiquei muito feliz com os reconhecimentos das preliminares porque em algum momento me pareceu que as preliminares que nós levantamos como o acesso das defesas, que isso era um tema menor”, afirmou em conversa com jornalistas.
No entender da advogada e professora de direito penal da FGV (Fundação Getulio Vargas), Luísa Ferreira, o voto de Fux pode, sim, pavimentar a tese dos advogados do ex-presidente, mas pondera que o maior impacto pode acontecer no longo prazo.
No curto prazo, a defesa pode apresentar — se houver dois votos pela absolvição — os embargos infringentes, que ampliam as chances de revisão do julgamento.
Segundo um precedente estabelecido em 2018, no julgamento do ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf, é indispensável que as divergências estejam ligadas diretamente à condenação ou à absolvição e não a aspectos secundários, como a dosimetria da pena. Sem essa condição, a defesa não consegue acionar o recurso.
Ainda restam votar a ministra Carmen Lúcia e o ministro presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin. Caso os dois optem pela condenação, os advogados de Bolsonaro e dos outros réus absolvidos por Fux, poderão recorrer somente com os embargos declaratórios — que servem para esclarecer pontos de decisão, sem possibilidade de alteração do resultado.
“Se não tiverem outras absolvições e o STF não mudar o seu entendimento, o voto de Fux não permite embargos infringentes. Para o futuro, contudo, obviamente, isso pode, de alguma forma, pavimentar uma virada”, avalia a professora.
Durante sua fala, Fux votou pela incompetência absoluta do Supremo para julgar o caso. No entender de Luísa, essa é uma questão que pode ganhar força e voltar à tona, dependendo dos cenários político e jurídico que se estabelecerem nos próximos anos.
“Se mudam, muda o cenário político, tem outro presidente, tem outra composição do Supremo, que eventualmente poderia revisar essa questão. Eu acho que, nesse ponto, sim, ele pavimentaria uma revisão do julgamento, mas acho que mais no longo prazo. Eventualmente também poderia ajudar a pavimentar um recurso para a Corte Americana de Direitos Humanos, dizendo que houve ali violação de várias garantias”, explica.
O professor de Direito Constitucional da FGV Rubens Glezer diz que, em seu entender, o discurso do ministro não tem tanta “relevância jurídica” para Bolsonaro, mas sim para a política.
“É um voto que não faz tanta relevância jurídica para o ex-presidente, porque ele foi muito extremo, se descola demais das teses. Acho que tem um efeito muito mais político do que jurídico”, diz.
Na mesma linha vai o advogado criminalista Renato Vieira, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminas. Na sua visão, existe nessa questão um “cálculo de conveniência”.
“O Supremo hoje está muito exposto. Então, depois desse voto do Fux, o mais provável é que a Corte se una em torno de uma posição constitucional e, com o arrefecimento desse momento, esse ponto pode ser revisitado”.
Acesso à Corte Interamericana de Direitos Humanos
Renato Vieira também explica o que é necessário para acessar os órgãos da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Para tal, as defesas precisam “esgotar a jurisdição interna”, uma vez que a Corte brasileira “não admite a provocação se não se esgotou a jurisdição interna”. Por isso, se faz necessário aguardar o trânsito em julgado – quando não há mais a possibilidade de se recorrer de uma decisão.
Além disso, o especialista diz que a Corte não tem como substituir a decisão brasileira: “Ela [a Corte] não caça a decisão”.
“Ela tem uma possibilidade de uma decisão mandatória, pode mandar fazer outra, e a gente pode não fazer. Ela pode fixar um valor de indenização que a União pague para a pessoa que é vítima de direitos humanos, pode prever sanções ao Estado, estipular quais são as alterações no sistema jurídico que ela entende necessárias”, afirma.
Ainda no âmbito internacional, no entender de Vieira, o discurso de Fux foi uma “visão do mundo” encorajadora ao “discurso de Trump” em seu voto.
“Fux está encorajando um discurso parecido com o de Trump, porque falou sobre controle das redes sociais e defendeu a liberdade de expressão. O voto do Fux é até ‘liberticida’, pois, sob o pretexto de falar sobre liberdade de expressão, ele está acabando com o sistema de controle.”