Atividades esportivas são responsáveis de um terço de todas as lesões que acometem face e boca, estima-se que 10–20% de todas as lesões esportivas envolvam a região maxilofacial e as lesões dentárias destacam-se como as mais comuns. A ausência do protetor bucal segundo estudos, deixa o atleta 60 vezes mais exposto a danos, essas lesões vão desde dentes quebrados e cortes nos lábios até fraturas de mandíbula, muitas vezes acarretando altos custos em tratamento e danos permanentes.
O protetor bucal atua como um “escudo invisível”, absorvendo e dissipando grande parte da energia dos impactos, o uso reduz mais que o dobro do risco nos traumas orofaciais em comparação aos que utilizam essa proteção . Em outras palavras, o simples ato de usar o protetor bucal pode prevenir até metade (ou mais) das lesões. Além da proteção dos dentes, ele serve como amortecedor entre a mandíbula e o crânio, podendo reduzir o impacto de golpes e, teoricamente, diminuir a chance de concussões e até de nocautes.
Apesar dos comprovados benefícios, a adesão ao protetor bucal como item de segurança tão importante quanto capacetes, cintos ou outras proteções esportivas, tem barreiras em algumas modalidades. Principalmente os atletas que o uso não é obrigatório acaba tendo menor adesão, pensam ser desconfortável ou por acreditarem que pode atrapalhar a respiração e o desempenho.

Uma pesquisa nos EUA com jovensatletas de basquete e beisebol destacou que a falta de obrigatoriedade e a sensação de dificuldade para respirar e falar com o protetor eram os principais motivos para não usálo. Essa percepção, geralmente está associada a protetores mal ajustados ou de baixa qualidade. Um protetor bucal personalizado, feito sob medida, estará adaptado à arcada do atleta, permitindo que ele respire e performe normalmente.
Não existem estudos onde encontraram impacto significativo do protetor sob medida na capacidade de esforço físico de atletas, quando bem confeccionado, o protetor pode até melhorar a eficiência respiratória durante a prática esportiva, usar um protetor adequado não irá “tirar o fôlego”. Ainda é comum vermos jogadores e lutadores com lesões que poderiam ser evitadas.
Em esportes como futebol, basquete, handebol, Jiu-jítsu e outras modalidades, o protetor bucal ainda é exceção. Não temos a cultura de prevenção, mas sabemos do risco de incidentes como dentes perdidos, longos tratamentos odontológicos e até concussões poderiam ser diminuídas se o protetor fosse usado desde o início. Pensando nisso, pedimos esclarecimentos sobre o tema ao Dr. Alle Amousse (@dr.allemousse) dentista e faixa preta de Jiu-Jitsu.


Dr. Amaral: Para que serve exatamente o protetor bucal no esporte, e por que os atletas
deveriam usá-lo?
Dr. Alle Amousse: Eles servem para amenizar as conseguencias da força de impacto durante os traumas que o atleta poderá sofrer durante seu treino.
Os Protetores bucais têm a função de reduzir os efeitos da pressão de impacto em caso de lesões que o esportista pode enfrentar enquanto treina.
Os protetores bucais funcionam de maneira semelhante a um cinto de segurança em carros ou ao capacete usado por motociclistas. Um esportista que não utiliza seu protetor bucal está exposto a ferimentos, como a perda de um ou mais dentes, lacerações de tecidos moles, entre outros tipos de lesões.
Dr. Amaral: Quais os tipos de protetor bucal disponíveis e quais as diferenças entre eles
(como os modelos “de estoque”, os moldáveis em água quente e os feitos sob medida)?
Dr. Alle Amousse: Os protetores dentais pré-fabricados que exigem que o esportista aqueça água para moldá-los, mesmo sem experiência, podem apresentar sérios riscos à sua saúde bucal e ao desempenho nos treinos. Esse tipo de protetor pode complicar a respiração do atleta, pois não se ajusta corretamente, ou seja, não é uma cópia exata de sua arcada dentária. Assim, ao invés de proporcionar segurança na prática esportiva, na verdade, ele representa perigos reais para o atleta de alto nível.
Dr. Amaral: Quais as vantagens de um protetor bucal personalizado em comparação aos protetores comuns? Um protetor sob medida realmente oferece mais proteção e conforto?
Dr. Alle Amousse: Os Protetores bucais feitos em clínicas dentárias são mais seguros para os atletas. O dentista possui a habilidade necessária para criar uma moldagem precisa utilizando os materiais apropriados para este processo, garantindo assim uma réplica exata da arcada dentária do esportista. Isso proporciona conforto e segurança ao atleta.
Dr. Amaral: Em quais modalidades esportivas o uso do protetor bucal é mais importante? Ele é útil apenas em esportes de contato como lutas e rugby, ou também traz benefícios em esportes como futebol, basquete etc.?
Dr. Alle Amousse: Os protetores bucais devem ser usados em todas as atividades esportivas que envolvem força e potência. Independentemente do esporte praticado, todo atleta que busca um alto desempenho precisa exercer força, o que inclui a força de mastigação, onde pode haver impactos nos dentes que podem resultar em pequenos traumas dentários, como infiltrações em restaurações, fraturas de dentes, cortes nos lábios e dores ao mastigar alimentos. Exemplos incluem musculação durante os treinos de força e atletismo, onde, ao correr, o atleta sofre o impacto ao pisar, com o seu peso sendo distribuído por todo o corpo.
Dr. Amaral: Com que frequência o atleta deve substituir seu protetor bucal por um novo? E quais cuidados de higiene e armazenamento são fundamentais para garantir a eficácia e a durabilidade dessa proteção?
Dr. Alle Amousse: Com base na prática clínica e na vivência como esportista, o ideal é possuir ao menos dois protetores bucais, um destinado aos treinos e outro para as competições. A troca do protetor será determinada pela frequência de treinos realizados com ele. Embora seja feito de um silicone flexível que absorve bem os impactos, a força que aplicamos ao mastigar é bastante intensa e pode levar ao desgaste do material.
A limpeza é bem fácil, apenas lave removendo toda a saliva, seque adequadamente e coloque na sua caixa. Outro cuidado é evitar deixar em locais quentes, como dentro do carro, pois o material pode se deformar devido ao calor. Quando for usar novamente, isso pode resultar em mudanças na forma, causando desconforto ao atleta.
Vanguarda do Norte: Do ponto de vista médico e odontológico, quais evidências científicas demonstram a eficácia do protetor bucal na prevenção de lesões? Podemos confiar que ele realmente protege, e há dados ou estudos recentes que quantifiquem esse benefício?
Dr. Amaral: Diversos estudos mostram de forma clara uma redução significativa nas lesões entre atletas que usam protetor versus aqueles que não usam. Uma grande metaanálise publicada em Sports Medicine reuniu 26 estudos e concluiu que o uso do protetor bucal reduz pela metade (ou mais) o risco de lesões na boca e face. O protetor bucal pode evitar mais de 50% das lesões orofaciais potencialmente ocorridas. Vale destacar os vários tipos de lesões que o protetor previne: fraturas de dentes (desde trincas leves até quebra total), avulsões dentárias (dente inteiro arrancado), cortes e lacerações em lábios, língua e bochechas, além de fraturas ou luxações da mandíbula.
O protetor distribui e absorve a força do impacto, evitando que ela se concentre em um dente ou osso específico. Na prática, isso significa poupar o atleta de dores intensas, tratamentos de canal, cirurgias ou mesmo da perda irreversível de um dente. Para um esportista, perder um dente não é só uma questão estética, pode afetar a mordida, a nutrição, a fala e exigir uso de próteses pelo resto da vida.
VDN: Alguns atletas alegam que o protetor bucal atrapalha, dificulta a respiração, a comunicação em campo ou até o desempenho físico. Esses receios procedem? Usar o protetor pode prejudicar a performance do atleta de alguma forma?
Dr. Amaral: Um protetor bucal bem ajustado não deve atrapalhar a respiração nem o desempenho. Muitos atletas que reclamam do protetor tiveram experiências com modelos de má qualidade ou mal adaptados, por exemplo, aqueles protetores genéricos “de prateleira” ou moldados de forma incorreta, que ficam frouxos ou volumosos na boca. De fato, um protetor mal encaixado pode causar desconforto, provocar náuseas, dificultar a fala e dar a sensação de “falta de ar”, a melhor saída é em usar um protetor personalizado, feito sob medida por um dentista, ou um modelo moldável de boa procedência ajustado corretamente aos dentes.
Um protetor mal feito pode incomodar, mas um protetor bem feito é adaptado não prejudica em nada, e os benefícios superam qualquer desconforto inicial. O segredo é investir em um bom protetor e treinar sempre com ele, para que no dia da competição o atleta nem lembre que está usando.
O protetor bucal deve ser cada vez mais parte da cultura esportiva para aqueles que querem investir em prevenção e longevidade. O protetor bucal, muitas vezes ignorado por ser discreto ou “invisível”, deve ser reconhecido como um item indispensável de segurança, a exemplo do capacete no ciclismo ou as caneleiras no futebol.
A ciência e as experiências de campo não deixam dúvidas que seus benefícios superam em muito quaisquer inconvenientes transitórios. Hoje em dia o protetor é uma peça leve, acessível e personalizada, capaz de poupar o atleta de lesões dolorosas, afastamentos e prejuízos na carreira.
Pretendemos chamar atenção de que a prevenção passa por educar atletas, treinadores e pais desde as categorias de base sobre a importância dessa proteção. Também desmistificar ideias de que o protetor “atrapalha” ou é desnecessário.
Quando entendemos que um simples protetor bucal pode ser a diferença entre terminar uma partida sorrindo ou saindo direto para o dentista, passamos a valorizar o “escudo invisível” do atleta. Feliz Páscoa a todos e até a próxima semana.
Dr. Ricardo Amaral Filho (@amaralfilho)
Mestre em Educação e Saúde | Médico de Família e Comunidade | Medicina do Exercício
e do Esporte