Neste terceiro artigo do tema Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), vamos explorar como a atividade física pode ser uma grande aliada para adultos com esta patologia. O TDAH é um transtorno neurobiológico caracterizado por desatenção, inquietude e impulsividade, que frequentemente acompanha o indivíduo por toda a vida, muitos adultos enfrentam desafios como dificuldade de focar, agitação, comportamentos impulsivos e oscilações de humor em seu dia a dia.
Diversos estudos científicos demonstram que a prática regular de exercícios físicos influencia positivamente o cérebro e ameniza os sintomas do TDAH em adultos. Responderei perguntas, com base na ciência de como o exercício pode melhorar o comportamento, o humor, o foco e a regulação emocional no adulto com TDAH.

Vanguarda do Norte: Como o exercício físico influencia o cérebro e o comportamento de adultos com TDAH?
Dr. Amaral (@amaralfilho): O exercício físico desencadea uma série de alterações benéficas no cérebro que ajudam as para pessoas com TDAH. Durante a atividade física, o organismo eleva a liberação de neurotransmissores como dopamina, noradrenalina, serotonina e endorfina.
Esses “mensageiros químicos” desempenham um papel crucial na regulação do humor, da atenção e do controle dos impulsos. No TDAH, é comum haver desequilíbrio especialmente na dopamina e noradrenalina nas regiões cerebrais ligadas ao foco e autocontrole (vias fronto-estriatais). Medicamentos estimulantes usados no tratamento (como metilfenidato) agem aumentando a disponibilidade dessas substâncias no cérebro, melhorando os sintomas e a função executiva da maioria das pessoas. De forma semelhante, o exercício físico ajuda a “compensar” os níveis baixos de dopamina e noradrenalina, contribuindo para melhorar as funções cognitivas e comportamentais no TDAH.
Isso significa que exercício reduz a hiperatividade, a impulsividade e melhora a capacidade de se autocontrole. Pesquisas mostram que indivíduos com TDAH apresentam, após o exercício, menos comportamentos impulsivos e inquietos, além de ganhos em atenção e tarefas que exigem função executiva (como planejar e lembrar de detalhes). Ou seja, corpo ativo, cérebro mais estável, ao gastar energia e liberar neurotransmissores de “bem-estar”, a pessoa tende a se sentir mais calma e centrada, o que se reflete em um comportamento mais equilibrado no dia a dia.
VDN: Exercícios físicos podem melhorar a atenção e o foco? Como isso acontece?
Dr. Amaral: Sim, o exercícios pode funcionar como um “empurrão” para o cérebro entrar no modo de foco. Estudos comprovam que logo após atividades aeróbicas (como uma corrida, pedalada ou natação, jiu-jitsu) leva um aperfeiçoamento temporário da atenção e da velocidade de processamento mental em pessoas com TDAH. Um experimento constatou que adultos com TDAH tiveram tempo de reação mais rápido e melhor controle inibitório (capacidade de pausar uma ação impulsiva) após 30 minutos de ciclismo moderado, efeito não observado em quem não tem TDAH. Esse “clareamento” mental pós-exercício tem explicação nos neurotransmissores: a dopamina e a noradrenalina liberadas durante o esforço atuam como combustível para os circuitos de atenção do cérebro, semelhante ao efeito imediato de alguns medicamentos estimulantes.
Além dos efeitos imediatos, praticar regularmente traz ganhos mantidos no foco. Programas de exercício realizados por várias semanas mostram redução dos sintomas de desatenção em pessoas com TDAH, junto com melhora nas funções cognitivas ligadas ao foco e à organização. Ou seja, quem adota o hábito de se exercitar regularmente tende dizer que está conseguindo se concentrar melhor nas tarefas, seja no trabalho, nos estudos ou em atividades cotidianas. Mesmo atividades simples, como caminhada vigorosa pela manhã, ajudam a “despertar” o cérebro e deixá-lo mais apto a manter a concentração nas horas seguintes. Portanto, incorporar o exercício na rotina é uma estratégia valiosa para turbinar o foco e a produtividade do adulto com TDAH.
VDN: Qual é o impacto da atividade física no humor e na regulação emocional de quem tem
TDAH?
Dr. Amaral: Os benefícios do exercício vão muito além do aspecto físico, também exerce um grande efeito no humor e nas emoções. Quando nos exercitamos, nosso corpo libera endorfinas, conhecidas como hormônios da felicidade, que trazem sensação de bem-estar e relaxamento. Para adultos com TDAH, que frequentemente enfrentam oscilações de humor, irritabilidade, ansiedade ou depressão, a atividade física funciona como um estabilizador natural do humor. Um estudo observou, que apenas 20 minutos de exercício aeróbico já foram suficientes para melhorar o humor, aumentar a motivação e reduzir a fadiga e sintomas leves de depressão em jovens com TDAH. Exercícios também reduzem os níveis de cortisol (hormônio do estresse), ajudando a controlar a ansiedade e a tensão.
Movimentar o corpo ajuda na regulação emocional, a pessoa consegue gerenciar melhor sentimentos intensos. A atividade física regular está associada à diminuição de sintomas de ansiedade e depressão ao longo da vida de indivíduos com TDAH. O exercício aumenta os níveis de dopamina, contribuindo para uma sensação de recompensa e satisfação que ameniza o estresse e a irritabilidade . Muitos adultos com TDAH relatam que se sentem mais calmos e “de cabeça fresca” após uma corrida, uma partida esportiva ou mesmo uma sessão de musculação. Com o humor mais equilibrado e menos estresse, fica mais fácil pensar antes de agir, evitando explosões impulsivas e respondendo às situações de forma mais ponderada. Em resumo, exercitar-se atua como uma válvula de escape saudável para emoções negativas e um reforço para as positivas, o que melhora significativamente o bemestar mental.
VDN: Quais tipos de exercício são mais benéficos para adultos com TDAH?
Dr. Amaral: Qualquer atividade física é melhor do que nenhuma, e diferentes tipos de exercício podem trazer benefícios variados para o adulto com TDAH. O ideal é encontrar atividades que sejam prazerosas e possam ser praticadas com consistência.
Alguns exemplos:
– Exercícios aeróbicos (corrida, ciclismo, natação, dança, futebol, basquete): São excelentes para gastar energia e melhorar a resistência. Pesquisas demosntram que atividades aeróbicas de intensidade moderada aprimoram a atenção sustentada e produzem efeitos mais robustos no alívio dos sintomas imediatamente após o exercício. Uma corrida ou jogo recreativo também libera bastante endorfina, contribuindo para um bom humor depois da prática.
– Musculação e treinos de força: Treinos com pesos ou funcionais exigem foco na técnica e contagem de séries, o que pode ajudar a treinar a concentração e a disciplina. Exercícios de alta intensidade (como séries intensas de musculação ou HIIT) parecem ajudar especialmente no controle dos impulsos. Além disso, ver a evolução nos pesos ou nas medidas (gamificação) conquista uma sensação de realização que melhora a autoestima importante para muitos adultos com TDAH que, às vezes, carregam frustrações.
– Artes marciais e lutas (por exemplo, jiu-jítsu, muay thai, karatê, judô): Modalidades de luta combinam gasto energético com disciplina, autocontrole e sistema evolutivo. Seguir regras, aprender técnicas e respeitar o oponente em um tatame ajuda a canalizar a hiperatividade de e a melhorar a autoconsciência corporal e emocional. Estudos demosntaram que artes marciais aprimoram a regulação emocional e a auto-percepção, refletindo em melhora cognitiva e comportamental para praticantes com TDAH. Em minha experiência cuidei de casos de pessoas com TDAH que, após se dedicarem ao jiu-jítsu, viram progresso no foco e na disciplina e até conseguiram reduzir a dose e ate suspender, medicamentos com devida orientação médica. Lutas também desenvolvem senso de comunidade e propósito, o que combate sentimentos de isolamento e ansiedade.
– Esportes em equipe e recreativos: Participar de futebol, basquete, vôlei ou qualquer esporte coletivo traz um componente social valioso. O adulto com TDAH pode melhorar habilidades sociais e de cooperação, ao mesmo tempo em que se exercita. A estrutura desses jogos, com regras claras, posições, horários de treino, auxilia na criação de rotina e responsabilidade. Lembrando ainda que, correr atrás de uma bola ou marcar um ponto também contribui para os benefícios aeróbicos e sistemas de recompensa de humor já mencionados.
– Atividades de baixo impacto ou mente-corpo: Caminhadas, trilhas, yoga, pilates ou tai chi são opções mais leves mas também benéficas. Uma caminhada diária ao ar livre pode servir como um momento de “clarear a mente”, meditar e reduzir o estresse. Já práticas como yoga e tai chi trabalham respiração, equilíbrio e concentração mental, sendo muito úteis para aprender a acalmar a mente agitada. Exercícios que envolvem coordenação e ritmo (dança ou artes marciais) melhoram a flexibilidade cognitiva, ou seja, a capacidade do cérebro de alternar entre tarefas e pensar de forma adaptativa.
Não existe um único exercício como obrigatório, o melhor tipo é aquele que se encaixa na sua vida e lhe dá prazer, seja lutar, dançar, pedalar, levantar peso ou lutar. Variedade de gestos esportivos e estímulos, também pode ser positiva para não cair na monotonia (o tédio é um dos inimigos do TDAH!). Combinar diferentes modalidades e estimulos ao longo da semana mantem a motivação em alta e com múltiplos benefícios.

VDN: Com que frequência e intensidade um adulto com TDAH deve se exercitar para ver
resultados?
Dr. Amaral: A frequência e intensidade ideais vai variar de pessoa para pessoa, mas de modo geral os melhores resultados aparecem com regularidade. Pesquisas demonstram que a prática regular, de ao menos 30 minutos por dia, em intensidade moderada, três vezes por semana ou mais, por 5 semanas já é capaz de produzir melhorias significativas na atenção, no controle de impulsos, no controle emocional e no comportamento de indivíduos com TDAH. Não basta uma sessão de treino esporadicamente, é importante tornar o exercício um hábito constante para que os efeitos positivos se acumulem ao longo do tempo.
Deforma simples se pode seguir as diretrizes gerais de saúde, de 150 minutos semanais de atividade física moderada (como caminhadas rápidas) ou 75 minutos semanais de atividade intensa. Isso pode ser distribuído em, 30 minutos em cinco dias da semana. Mas quem está começando agora deve ir com calma: iniciar com 10 a 15 minutos por dia e ir aumentando gradativamente já traz benefícios e ajuda a evitar desistências. O fundamental é manter a consistência e preferencialmente com auxilio de um profissional de educação física. A experiencia profissional somada com estudos que demonstram a adesão a um programa de exercícios de forma contínua maximiza os ganhos para os sintomas do TDAH melhorando a qualidade de vida da pessoa.
Além da frequência, outras dicas importantes para sucesso são: escolher horários do dia em que a atividade ajude no seu fluxo (muitos adultos com TDAH preferem exercitar-se de manhã para já começar o dia centrados, enquanto outros usam o exercício à noite para “desacelerar” antes de dormir), buscar companhia (um amigo, personal trainer ou grupo pode tornar a prática mais motivadora) e registrar seu progresso (isso ativa o sentimento de recompensa ao ver evolução, mantendo você engajado). Lembre-se de que o exercício não precisa ser “tudo ou nada”: mesmo atividades simples como estacionar o carro mais longe e caminhar, subir escadas ou fazer uma breve pausa ativa durante o trabalho contribuem para o quadro geral de movimento.
VDN: O exercício físico pode substituir os medicamentos no tratamento do TDAH?
Dr. Amaral: Não! O exercício deve ser visto como terapia complementar e parte de um estilo de vida saudável no manejo do TDAH, mas não substitui os tratamentos médicos, como medicação e psicoterapia, principalmente em casos moderados a graves. A ciência demonstrou que a atividade física pode, sim, amenizar sintomas e melhorar o funcionamento diário, a ponto de alguns pacientes conseguirem reduzir a dose de medicamentos com acompanhamento médico. Porem ate o momento, não há evidências de que apenas exercícios curem o TDAH ou sejam eficazes para todas pessoas em grau suficiente para abrir mão de outros tratamentos, cada pessoa com TDAH tem um perfil diferente, alguns podem controlar bem os sintomas com ajustes no estilo de vida, enquanto outros precisam da combinação de remédios, terapia e mudanças comportamentais.
Deve-se, ver o exercício como um aliado importante, ele potencializa os efeitos do tratamento (melhorando o humor e o sono, o que faz os medicamentos e terapias funcionarem muito melhor). Tratamentos combinados com exercício com psicoterapia cognitivo-comportamental ou técnicas de mindfulness mostrou benefícios adicionais no controle da impulsividade e da instabilidade emocional. Nunca ajuste sua medicação ou deixe de tomar por estar se exercitando mais, converse sempre com seu médico para uma decisão conjunta e segura. Na maioria dos casos, o melhor caminho é usar todas as ferramentas a favor da sua saúde, medicamentos (quando indicados), acompanhamento psicológico, suporte social, boa alimentação, sono adequado e, claro, exercício físico regular.
Juntos, esses elementos ajudam o adulto com TDAH a atingir seu máximo equilíbrio e maior qualidade de vida. Corpo em movimento, mente em equilíbrio, essa frase resume bem o que devemos alcançar.
A atividade física, quer seja uma aula de jiu-jítsu no fim do dia ou uma simples caminhada matinal, atua positivamente no cérebro do adulto com TDAH, regulando neurotransmissores, melhora a atenção, libera tensões e equilibra o humor. Os resultados são tangíveis, melhor comportamento, mais foco no trabalho, menos impulsividade nas decisões e um humor mais estável. Além disso, o exercício traz ganhos “indiretos” que valem ouro, como aprimoramento do sono, da autoestima e até das relações sociais (afinal, ademar de ser tratamento, esporte também é interação e diversão).
Para colher esses benefícios, não é necessário se tornar um atleta de elite – o importante é se manter em movimento de forma prazerosa e constante. Cada pessoa deve encontrar sua modalidade favorita e adaptar a rotina às suas necessidades e limitações. O que a ciência deixa claro é que o exercício é um forte aliado no manejo do TDAH adulto, funcionando como um remédio natural (sem efeitos colaterais negativos) para mente e corpo.
Portanto, se você convive com TDAH (ou tem um familiar, paciente ou amigo nessa condição), considere abraçar a ideia de um dia a dia mais ativo. Converse com seu medico e procure profissionais adequados para pratica esportiva, seu cérebro agradecera e seu bem-estar geral também. Lembre-se Corpo em Movimento, Mente em Equilíbrio! Ate a próxima semana!
Dr. Ricardo Amaral Filho (@amaralfilho) – Mestre em Educação e Saúde | Médico de Família e
Comunidade | Medicina do Esporte