Neste final de semana, Barueri (SP) recebe o Campeonato Brasileiro de Jiu-Jítsu Kids, o maior evento infantil que temos no Brasil e o maior em números. Com toda empolgação das arquibancadas, surge todos os anos uma reflexão importante, como o comportamento dos pais influencia o desempenho e o bem-estar emocional das crianças?
Mais do que medalhas, o verdadeiro legado do esporte tem foco na formação de valores como respeito, disciplina e coragem. Vamos explorar o que a ciência dos diz sobre esse equilíbrio que é essencial para o futuro dentro e fora dos tatames.
Vanguarda do Norte: Como o comportamento dos pais impacta o desempenho e a saúde emocional das crianças no esporte?
Dr. Ricardo Amaral Filho: Tem influência direta, e comprovada! O comportamento dos pais compromete não só o momento da competição, mas também o desenvolvimento da motivação intrínseca, que é a vontade de praticar esporte pelo prazer, pelo desafio e pela evolução pessoal, segundo a Teoria da Autodeterminação de Deci & Ryan sempre citada nos artigos científicos do tema. Ambientes que impõem alta pressão externa, focados apenas em resultados, reduzem essa motivação, levando as crianças a praticarem movidas apenas por recompensas externas, como ganhar medalhas e reconhecimento.
Estudos mostram que atletas jovens, quando submetidos a cobranças excessivas dos pais por vitórias, apresentam níveis mais altos de ansiedade competitiva e menor satisfação e prazer esportivo, crianças que recebem apoio focado no esforço, na aprendizagem e na senda de superação pessoal demonstram maior engajamento, resiliência emocional e desempenho mais consistente. Não resta dúvidas, mais do que cobrar resultados, pais que incentivam a jornada de crescimento como pessoa e
desportivo, contribuem para a formação de atletas mais motivados, equilibrados e felizes no esporte e na vida.
VDN: Apoio ou Pressão? Exemplos práticos
Dr: Amaral: A atitude dos pais no ambiente esportivo infantil tem efeitos diretos comprovados no desenvolvimento emocional e na permanência da criança no esporte.
Várias pesquisas na psicologia do esporte mostram o apoio emocional positivo (que é caracterizado por incentivo ao esforço, reconhecimento das tentativas e respeito à autonomia) está associado a menor risco de burnout, maior satisfação esportiva e permanência no esporte.
Recomendação de apoio positivo:
– Elogiar o esforço e a dedicação, independentemente do resultado;
– Demonstrar orgulho pela evolução pessoal e pela superação;
– Permitir que a criança tenha autonomia para definir seus objetivos;
Os comportamentos de pressão negativa, como exigência constante por vitórias, críticas públicas a erros e comparações com outros atletas, estão diretamente ligados a altos níveis de estresse, ansiedade competitiva e maior probabilidade de abandono precoce do esporte.
Evitar a pressão negativa:
– Criticar falhas ou derrotas;
– Condicionar elogios apenas às vitórias;
– Comparar a performance da criança com a de colegas ou adversários;
O equilíbrio está em apoiar sem sufocar… estudos comprovam que crianças que percebem o apoio dos pais como incondicional, focado no aprendizado e no esforço, desenvolvem mais confiança, motivação para continuar evoluindo no esporte, que o apoio emocional reduz o risco de burnout esportivo e melhora a satisfação das crianças.
VDN: Por que o foco no esforço é mais saudável que a obsessão pela vitória?
Dr. Amaral: Focar no esforço e na evolução pessoal é fundamental no desenvolvimento saudável do esporte infantil. A ciência demostra, crianças que recebem elogios pela dedicação e pela superação, e não apenas pelos resultados, tendem a desenvolver a chamada mentalidade de crescimento (growth mindset), conceito descrito pela psicóloga Carol Dweck, essa mentalidade faz que a criança acredite que suas habilidades podem ser aprimoradas com treino e persistência, favorecendo resiliência,
motivação de longo prazo, melhor adaptação às derrotas e desenvolvimento de meritocracia. O oposto acontece, quando o único foco está em vencer, a criança desenvolve uma motivação extrínseca fraca, baseada apenas em recompensas externas, como medalhas e elogios condicionais, o que aumenta o risco de frustração, estresse e até de abandono esportivo precoce, estudos longitudinais comprovam que jovens atletas orientados ao esforço e mérito construído:
– Persistem mais em mesmo com as dificuldades;
– Mantêm prazer no treino, mesmo após derrotas;
– Permanecem mais tempo engajados no esporte;
Mais importante do que ganhar hoje, é ensinar a criança a valorizarem o processo de aprendizado, estas são as lições que as crianças vão levar para toda a vida, dentro e fora do tatame.
VDN: Qual o papel dos treinadores na formação além do esporte das crianças?
Dr. Amaral: Principalmente na infância o treinador, é mais do que um técnico, ele atua como um educador de valores e habilidades de vida. O Desenvolvimento Positivo pelo Esporte (Positive Youth Development) demostra que ambientes esportivos bem conduzidos promovem mais que performance atlética, também favorecendo a crescimento social, emocional e moral, pesquisas descrevem que crianças expostas a treinadores que valorizam o respeito, a disciplina e a coragem apresentam:
– Melhor desempenho acadêmico;
– Menor envolvimento com comportamentos de risco na adolescência, como uso de
substâncias e violência;
Habilidades socioemocionais superiores, como empatia, trabalho em equipe e controle emocional. No Jiu-Jítsu, essas lições são diárias, a prática ensina a respeitar colegas e professores, a persistir mesmo em situações adversas e a lidar com vitórias e derrotas de forma equilibrada, treinadores que atuam com autonomia-suporte, encorajando a criança a refletir, tomar decisões e lidar com consequências, ajudam o desenvolvimento de autoestima saudável e resiliência emocional. O treinador não apenas forma atletas, ele molda cidadãos, jovens mais preparados para os desafios no esporte e da vida.
VDN: Respeito, disciplina e coragem: por que são mais importantes que medalhas?
Dr. Amaral: No esporte infantil, as medalhas também são importantes, mas o que realmente transforma a vida das crianças são os valores que o esporte ensina, conceitos como respeito, disciplina e coragem formam a base do desenvolvimento moral e social e impactam a vida muito além dos tatames. Pesquisas de educação esportiva demostram que crianças que internalizam esses valores tem:
– Maior resiliência emocional, tendo melhor capacidade de lidar com frustrações e
desafios;
– Melhor relacionamento social, respeitando regras, colegas e autoridades;
– Menor envolvimento em comportamentos de risco na adolescência, como uso de álcool
e drogas;
No Jiu-Jítsu, estes pontos são constantes, aprender a cair e levantar, a respeitar o adversário, a persistir mesmo após a derrota. Cada treino é uma nova oportunidade de seguir a construção do caráter. Estudos longitudinais também mostram que crianças que praticam esportes com ênfase em valores:
– Desenvolvem habilidades socioemocionais mais sólidas.
– Apresentam melhor desempenho acadêmico e maior autoestima.
– As medalhas representam um momento de conquista, os valores, por outro lado,
formam a base para uma vida inteira de vitórias pessoais e profissionais. O verdadeiro
campeão não é quem sobe mais vezes no pódio, mas quem leva do esporte lições que
moldam seu caráter para toda vida.
VDN: Como família, treinador e atleta podem trabalhar juntos para uma formação equilibrada?
Dr. Amaral: A formação de forma equilibrada de um jovem atleta, depende da parceria entre família, treinador e criança, na literatura como o Triângulo Positivo do Esporte (Positive Sport Parenting Model), este modelo o desenvolvimento pleno ocorre quando há colaboração saudável entre esses três partes. Pais oferecem apoio incondicional, independentemente de vitórias ou derrotas e criam um ambiente onde o esforço e o crescimento pessoal são mais valorizados que os resultados imediatos, estudos mostram que esse tipo de suporte fortalece a autoestima e a motivação intrínseca da criança. Treinadores vão além da técnica, ensinam respeito, disciplina e coragem, e constroem um ambiente de aprendizado baseado na autonomia e na validação do esforço. Crianças se desenvolvem melhor quando têm espaço de autonomia, autoconhecimento e reflexão, habilidades que são fundamentais para o sucesso esportivo e na vida pessoal.
Pesquisas comprovam que quando pais e treinadores compartilham valores e objetivos educativos claros, as crianças:
– Permanecem mais tempo no esporte;
– Demonstram maior prazer e engajamento;
Desenvolvem resiliência, empatia e habilidades de liderança. Família, treinador e atleta juntos com mesma linguagem e objetivo formam uma equipe e quando trabalham de forma integrada, o esporte se torna uma poderosa ferramenta para formar não apenas campeões no tatame, mas campeões para a vida.
Neste momento Barueri vibra com cada luta, com cada vitória neste Brasileiro de Crianças CBJJ/IBJJF, fica a pergunta que precisa trasbordar além dos tatames, o que estamos realmente ensinando às crianças?
A ciência é clara e inequívoca, vitórias são efêmeras, fugazes, mas os valores que o esporte ensina moldam o caráter por toda a vida, respeito, disciplina e coragem formam atletas melhores, formam seres humanos mais resilientes, empáticos, preparados para os desafios na sociedade e na vida. Estudos mostram que crianças expostas a ambientes esportivos saudáveis desenvolvem habilidades socioemocionais que se demonstram em melhor desempenho acadêmico, relações interpessoais mais positivas e menor envolvimento com comportamentos de risco.
Treinadores, pais e jovens atletas, trabalhando juntos, criam uma verdadeira escola da vida onde cada treino ensina mais do que técnicas, ensina ética, autoconfiança e capacidade de superação. Quando o foco é apenas na medalha, perdemos a chance de construir uma base sólida, já quando o foco é no processo, criamos campeões não só para o pódio, mas para a vida!
A pergunta que deve guiar pais e treinadores não é “quantas medalhas meu filho vai ganhar?”, mas sim: “que tipo de atleta e pessoa ele vai se tornar através do esporte?” Gostou do tema?
Se você tem dúvidas, sugestões ou gostaria de ver outros assuntos sendo discutidos
aqui, mande sua pergunta ou sugestão para o Instagram @amaralfilho. Sua participação
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Dr. Ricardo Amaral Filho
Mestre em Educação e Saúde | Médico de Família e Comunidade | Medicina do Exercício
e do Esporte | Professor de jiu-jítsu faixa preta.