Você já tomou ibuprofeno, diclofenaco, aspirina ou outro anti-inflamatório para aliviar uma dor ou febre? Muito provavelmente sim. Os anti-inflamatórios não esteroides (AINE) estão entre os medicamentos mais utilizados pelos brasileiros para uso do dia a dia. Segundo pesquisas, mais de 77% da população admite tomar remédios por conta própria sem orientação médica, pessoas com dor crônica, cerca de 78% recorrem à automedicação analgésica, geralmente usando justamente AINEs, usar esses medicamentos “por conta” virou um hábito cultural, mas isso não significa que seja seguro!
Os AINEs de fato proporcionam alívio rápido da dor e da inflamação. Eles agem bloqueando a enzima COX e diminuindo a produção de substâncias (prostaglandinas) responsáveis pela inflamação, dor e febre, funciona como analgésicos, antipiréticos e anti-inflamatórios potentes, por isto muita gente considera “remédios mágicos” para qualquer dor ou inchaço. O problema é que, ao bloquear as prostaglandinas “más”, os AINEs também bloqueiam as “boas”, que protegem o estômago, os rins e outros processos normais do corpo, usar anti-inflamatórios de forma indiscriminada pode trazer uma série de riscos para a saúde.
Vanguarda do Norte: Por que o uso indiscriminado de AINEs é perigoso?
Dr. Ricardo Amaral Filho: Tomar um AINE de vez em quando, prescrito pelo médico, em geral é seguro. Mas o uso frequente, prolongado ou sem orientação desses medicamentos pode levar a complicações, os principais perigos ligados ao uso indevido de anti-inflamatórios:
– Danos ao estômago e intestinos: Os AINEs irritam a mucosa do estômago e reduzem sua proteção natural, aumentando o risco de gastrites e úlceras, sendo uma das principais causas de hemorragia digestiva alta nos hospitais é sangramento de úlceras causado pelo uso sem justificativa de anti-inflamatórios, o uso em altas doses ou por muito tempo pode ter dores abdominais, refluxo, e até sofrer uma hemorragia gastrointestinal grave.
– Risco aos rins: Os rins também sofrem. As prostaglandinas renais mantêm o fluxo sanguíneo adequado nos rins, sem elas, a função renal se compromete. Nenhum antiinflamatório é totalmente seguro para os rins, todos podem causar lesão renal ou agravar um problema renal pré-existente, uso crônico de AINEs pode levar à insuficiência renal, retenção de líquidos, aumento da pressão arterial e outros distúrbios renais.
– Problemas cardiovasculares: Uso prolongado de AINEs (principalmente alguns inibidores da COX-2) pode elevar o risco de eventos cardiovasculares, como infarto e AVC. Anti-inflamatórios podem afetar a coagulação do sangue, pois reduzem a agregação das plaquetas, pessoas com propensão a trombose ou que usam anticoagulantes, isso eleva a chance de sangramentos e complicações circulatórias. Por isso, quem tem problemas cardíacos ou circulatórios deve usar AINEs somente com extrema cautela e acompanhamento médico.
– Mascaramento de doenças e atraso no diagnóstico: A dor e a febre são sinais de alerta do organismo. Ao abatê-los com um anti-inflamatório sem investigar a causa, pode-se estar “camuflando” um problema sério. Um exemplo é o uso de AINEs em casos de infecção por dengue: além de não tratarem a causa viral, esses remédios aumentam muito o risco de sangramentos e piora do quadro, podendo agravar a doença . O Ministério da Saúde alerta que anti-inflamatórios como aspirina, ibuprofeno, nimesulida e diclofenaco devem ser evitados em suspeita de dengue, justamente pelo risco de hemorragia e complicações potencialmente fatais.
– Interações medicamentosas e outros efeitos: Quem toma anti-inflamatório “por conta” pode não saber das interações com outros remédios. Os AINEs podem interferir na eficácia de medicamentos para pressão alta, diuréticos e diversos outros, é comum ocorrerem reações alérgicas a AINEs em pessoas suscetíveis, algumas até graves, como crises de broncoespasmo em asmáticos ou reações cutâneas. Anti-inflamatórios não são inofensivos e seu uso indiscriminado pode ter consequências graves.
VDN: Quando (não) usar um anti-inflamatório, orientações práticas.
Dr. Amaral: Com tantos riscos, como saber a hora certa de usar um AINE? Situações comuns de dor e inflamação, com as recomendações adequadas em cada caso:
– Dor aguda leve (ex: após um treino, pequena contusão) prefira medidas simples primeiro, como repouso da área afetada, aplicação de gelo local e, se necessário, um analgésico simples (como paracetamol ou dipirona). Observe por 1 a 2 dias se a dor persistir ou piorar, procure avaliação médica em vez de se automedicar com antiinflamatório.
– Dor muito intensa ou febre alta/persistente: não tente “engolir” a dor com remédio forte procure um médico imediatamente. Dores agudas muito fortes ou febres que não cedem podem indicar condições sérias (como apendicite, meningite, infecções graves etc.) que precisam de diagnóstico e tratamento correto.
– Sintomas de alerta durante o uso do AINE: se você já estiver tomando um anti-inflamatório e apresentar qualquer efeito colateral importante por exemplo, dor de estômago forte, queimação, fezes escuras (sinal de sangue digerido), náuseas persistentes, inchaço no corpo, falta de ar, coceira ou manchas na pele, suspenda o uso e procure atendimento médico imediatamente.
– Dor recorrente ou crônica: dores que se repetem frequentemente (semanalmente ou mensalmente) ou que duram mais que alguns dias não devem ser tratadas repetidamente apenas com anti-inflamatórios. O uso contínuo de AINEs “para aguentar” a dor pode levar à agravamento da doença de base e danos à saúde.
VDN: Posso tomar um AINE junto com antibiótico?
Dr. Amaral: Depende do caso e do tipo de infecção. Muitas vezes, não é necessário combinar os dois e isso pode até ser arriscado. Antibióticos tratam infecções, enquanto AINEs apenas aliviam sintomas. Se você tem, por exemplo, uma infecção com febre, muitas vezes um antitérmico simples (como paracetamol ou dipirona) já ajuda no malestar, sem os riscos dos AINEs.
VDN: Pode tomar em jejum?
Dr. Amaral: O ideal é evitar tomar anti-inflamatório de estômago vazio. Esses medicamentos são ácidos e irritam o estômago, além de reduzirem a proteção gástrica ao serem absorvidos.
VDN: Pode dar anti-inflamatório para criança?
Dr. Amaral: Só com prescrição médica. Em crianças, a segurança e eficácia desses medicamentos não são totalmente estabelecidas, e os pequenos podem ter risco maior de efeitos colaterais nos rins e no estômago, a dose é calculada pelo peso, dose errada pode causar intoxicação grave. É a principal causa de intoxicação acidental infantil no Brasil, responsável por 45% das ocorrências em crianças de 0 a 12 anos. Não dê AINE a uma criança por conta própria! Se a criança tiver febre ou dor, use medicamentos apropriados à faixa etária (como dipirona ou paracetamol pediátricos) e procure o médico.
VDN: Existe anti-inflamatório natural?”
Dr. Amaral: Algumas medidas e substâncias naturais têm, sim, efeito anti-inflamatório. Por exemplo, compressas frias ou quentes ajudam a controlar a inflamação local.
Plantas e alimentos como cúrcuma (açafrão-da-terra) possuem compostos (curcumina) com ação comprovadamente anti-inflamatória e antioxidante . Além disso, um estilo de vida saudável, com atividade física regular, boas noites de sono e alimentação rica em frutas, verduras, peixes e oleaginosas, tem efeito anti-inflamatório sistêmico no corpo.
Mas os métodos naturais ajudam a reduzir inflamações leves e a melhorar a saúde em geral, e não substituem um tratamento médico adequado quando este for necessário. A curcumina, por exemplo, apesar de promissora, tem absorção limitada no organismo e não faz milagres de forma isolada, não adianta tomar “shots” de açafrão esperando curar uma doença – eles podem ser um coadjuvante, mas não são remédio.
Remédio não é bala, e dor não é só incômodo, aliviar uma dor imediata é ótimo, mas não à custa da sua saúde a longo prazo. Usar anti-inflamatório como solução automática para qualquer dor está entre os maiores erros na saúde nos dias atuais. O conforto momentâneo não vale o risco que o uso repetido, descontrolado e sem diagnóstico adequado traz para o organismo. Os AINEs podem causar desde uma “simples” gastrite até uma falência renal ou um sangramento perigoso. Além disso, ao depender só de remédios para mascarar dores, muitas pessoas deixam de investigar e tratar a verdadeira causa do problema.
Cuidar da saúde é, também, aprender quando não tomar um remédio. Dor e inflamação não são inimigos a serem “calados” a qualquer custo, mas sinais do corpo pedindo atenção. Na próxima vez que você pensar em tomar um anti-inflamatório por conta própria, lembre-se: remédio não é chocolate! Use-o com respeito, parcimônia e orientação profissional, sua saúde agradece.
Ricardo Amaral Filho (@amaralfilho)
Médico de Família e Comunidade
Médico do Esporte | Mestre em Educação
White House Jiu-Jitsu | Manauara EC