A culinária brasileira, marcada por sabores e influências singulares, vem ganhando cada vez mais espaço no cenário gastronômico mundial, graças a chefs talentosos que elevam ingredientes e técnicas nacionais a novos patamares. Hoje, nem é preciso ser especialista para notar: se antes era difícil explicar a feijoada, o pão de queijo e a moqueca para estrangeiros, hoje esses pratos se tornaram verdadeiros desejos ao redor do mundo.
Ultrapassar fronteiras, conquistar críticos e amantes da boa mesa, valorizar a cultura nacional, preservar a biodiversidade e impulsionar o desenvolvimento, ao mesmo tempo em que promovem o turismo gastronômico e transformam nossa cozinha em um atrativo para viajantes em busca de experiências autênticas, são alguns dos desafios desses profissionais. Se hoje são figuras requisitadas de Bangkok a Paris, passando por Lisboa, Nova York e Dubai, nem sempre foi assim.
Brasil à vista!
Para Janaína Torres, eleita a melhor chef mulher do mundo em 2024 e que, com o seu projeto À Brasileira, viaja pelos quatro cantos do globo para levar as técnicas e sabores do país, tendo comandado cozinhas ao lado do chef indiano Gaggan Anand, em Bangkok (Tailândia), no Chefs On Fire, em Madri (Espanha), e com o chef Simone Caponnetto, em Florença (Itália), por exemplo, “não é que o Brasil esteja na moda. O que está acontecendo é que o Brasil está sendo descoberto,e isso não tem volta. A partir de agora, ele passa a ser visto como patrimônio cultural da humanidade, pelo seu tamanho, sua diversidade e pela curiosidade que desperta. Nossos mistérios não têm fim”.

Para Saulo Jennings, chef paraense à frente da Casa do Saulo, que foi escolhido para representar o Brasil na ITB Berlim (em alemão: Internationale Tourismus-Börse Berlin), maior feira de turismo do mundo e nomeado Embaixador de Turismo Mundial pela ONU, o jogo virou. “Hoje o Brasil desperta curiosidade e não só pelo estereótipo da feijoada ou da caipirinha. As pessoas querem saber sobre biomas, sobre sustentabilidade, sobre como os saberes indígenas e quilombolas influenciam a nossa cozinha. Mas ainda é uma construção, uma ascensão do nosso softpower. A gente precisa estar presente nos grandes eventos, nos festivais, nas embaixadas. É ali que o mundo nos enxerga”, completa.

Tássia Magalhães, que comanda o premiado Nelita, em São Paulo, diz empolgada e com orgulho “a América Latina está na moda, mas o Brasil é um país muito diferente de toda América Latina, então, somos vistos com outros olhos. E isso me encanta. Hoje, há um interesse genuíno. O Brasil está sendo observado com mais respeito e curiosidade, não só na gastronomia, mas na cultura como um todo. A cozinha brasileira passou a ser desejada. Isso nos dá mais liberdade para sermos criativos, sem precisar “traduzir” tanto quem somos“. A chef não para e só nos últimos meses integrou o Calesita, encontro que reuniu alguns dos mais promissores chefs da América Latina em Buenos Aires, foi uma das convidadas do Alimentarte 2025, em Bogotá, onde participou de um jantar beneficente e ministrou uma aula sobre a força da cozinha liderada por mulheres, e está no festival Menorc4Manos, na ilha de Menorca, na Espanha.
Missão além do estereótipo: o que os chefs apresentam da gastronomia brasileira ao mundo?
Um país do tamanho do Brasil, repleto de mil e uma peculiaridades, guarda pratos e ingredientes que muitas vezes são desconhecidos até mesmo para grande parte dos brasileiros. Nem sempre é preciso viajar para outro estado para descobrir novos sabores; basta sair dos grandes centros urbanos para se deparar com a imensa diversidade de grãos, frutas e sementes. Agora, imagine apresentar tudo isso a quem sequer teve o privilégio de provar o sabor de um pão de queijo quentinho?
Entre apresentar o “básico” e extrapolar, Janaína diz que a cada viagem tem uma missão de mostrar a mesa brasileira de forma genuína, desde métodos milenares até a gastronomia contemporânea. “O maior desafio é traduzir quem somos e como vivemos por meio de um prato. O Brasil é gigante e ainda não conseguimos desvendar todos os seus mistérios”, diz. Ela costuma usar a feijoada como “abre-alas” para que as pessoas conheçam sua essência popular e acessível, antes de apresentar a complexidade da nossa cozinha, mas se tivesse que escolher um único prato para mostrar ao mundo seria a sua versão do chibé (bebida típica da culinária tupi) para os dias de hoje. “Um chibé à minha maneira, com as minhas experiências. Ou talvez uma Quinhapira (também uma receita indígena). Mas é difícil escolher só um. O prato que mais faz sucesso e que me trouxe até aqui foi a feijoada, sem dúvida!”, completa.

Tássia faz questão de apresentar um Brasil sofisticado, técnico e emocionante, longe dos estereótipos. Para ela, é preciso quebrar a visão folclórica que ainda predomina lá fora. “Sempre que levo minha cozinha para fora do Brasil, carrego comigo um desejo muito claro: mostrar a potência, a delicadeza e a diversidade do Brasil. Não apenas através dos ingredientes, mas da sensibilidade e da criatividade que existem no nosso jeito de cozinhar. As pessoas pensam em poucos pratos e não imaginam a riqueza de biomas, técnicas e culturas que temos”.
Já Morena Leite, à frente do Capim Santo e reconhecida por valorizar e difundir a gastronomia brasileira no mundo, tendo inclusive assinado os almoços do Fórum Internacional do G20 em 2024, aposta em uma cozinha tropical, alegre e colorida, moldada de acordo com cada país. “A cozinha brasileira que apresentei na Índia foi diferente da que servi no Paquistão ou no Japão. Eu respeito a cultura local para criar vínculos e só então apresentar a nossa diversidade”, explica. Para ela, o aipim é o ingrediente que mais nos representa e a farofa é um prato democrático. Os dois são símbolos de brasilidade e que ela garante “encantam paladares em qualquer lugar”.
No caso de Giovanna Grossi, à frente do Animus e primeira brasileira a chegar à final do Bocuse d’Or, em 2017, é sempre um desafio mostrar a nossa cultura alimentar lá fora, dada a riqueza da mistura das diversas regiões do país. Para a chef, entretanto, o maior trunfo está nas frutas brasileiras. “Bacuri, umbu, cajá, uvaia, jabuticaba… levar essas frutas para o centro do prato é uma forma linda de contar nossa história”, afirma.

Já Gil Guimarães, da Baco Pizzaria e Casa Baco, que recentemente foi convidado para apresentar os sabores brasileiros na maior feira de turismo internacional de Portugal, a 35ª edição da Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL), acredita que “quanto mais regional você consegue mostrar, mais encantadas as pessoas ficam”. Para ele, pratos com tucupi representam muito bem o Brasil, mas dois ingredientes são, na sua opinião, incríveis para serem exibidos com orgulho mundo afora: o feijão, presente em clássicos como baião de dois, feijão tropeiro, tutu de feijão e feijoada, e os peixes brasileiros, protagonistas em pratos como a moqueca capixaba, baiana e paraense, além dos ensopados do rio São Francisco e Pantanal. Mas conclui que “o país é muito grande para ter um prato que represente toda a nossa diversidade!”.
Para Saulo Jennings, cozinhar fora é uma oportunidade de apresentar o território amazônico e suas comunidades. Pirarucu de manejo, tucupi, jambu e farinhas são protagonistas de sua narrativa, que une sabor, sustentabilidade e pertencimento. “Mais do que ingredientes, eles carregam histórias e modos de vida”, ressalta.
Felipe Silva, do Osli Restaurante, que em julho representou Florianópolis no Festival Internacional de Cidades Criativas da Gastronomia 2025, em Macau (China), carrega o mesmo espírito de brasilidade, com foco na biodiversidade e na sazonalidade. “Quando vou cozinhar fora do Brasil, sempre penso que preciso mostrar a nossa identidade. Quero levar sabor, história, cultura… mostrar que o Brasil é muito mais do que feijoada e churrasco (embora ame os dois!). Sempre penso: preciso apresentar ingredientes que a galera lá fora nem imagina que existem aqui”. Ele completa dizendo que, se pudesse apresentar apenas um prato brasileiro ao mundo, seria a moqueca, porque “tem tudo: sabor, cor, história, regionalidade. Dá pra mostrar a força dos nossos temperos, além de ser um prato que reúne, que tem cara de mesa cheia. Pra mim, representa muito do que é cozinhar no Brasil”.
