Vivemos um tempo onde nunca tivemos tanto acesso à informação sobre saúde, mas o sedentarismo segue como um dos maiores problemas mundiais, no Brasil, quase 60% da população adulta não atinge os 150 minutos semanais de atividade física moderada recomendados pela Organização Mundial da Saúde, as consequências da inatividade são sérias, o sedentarismo aumenta significativamente o risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, alguns tipos de câncer e até depressão, esse estilo de vida prejudica a saúde e reduz a expectativa de vida.
Pensando nisto trazemos a série especial da coluna Saúde e Movimento: “Jiu-Jítsu Para Todos: Novos Públicos, Novos Caminhos”. O objetivo é mostrar como o Jiu-Jítsu, arte marcial antes vista apenas para atletas, tem se consolidado como ferramenta de saúde, inclusão e transformação em diferentes fases da vida. Nas próximas semanas, vamos abordar como o Jiu-Jítsu impacta diversos públicos:
• Mulheres, que encontram no tatame saúde, coragem e autodefesa.
• Idosos, que ganham movimento, vitalidade e prevenção de doenças.
• Crianças e adolescentes, que descobrem no Jiu-Jítsu uma verdadeira escola de vida.
• Atletas e praticantes com deficiência, provando que o tatame é espaço de inclusão e superação.
• Profissionais do mundo corporativo, que levam os princípios do Jiu-Jítsu para a vida e a carreira.
E começamos com quem mais precisa dar o primeiro passo, o adulto sedentário. A seguir, responderei como a prática do Jiu-Jítsu pode transformar a saúde física e mental de um adulto que sai do sedentarismo e amarra a faixa branca pela primeira vez.
Vanguarda do Norte: O que acontece no corpo quando um sedentário começa a praticar Jiu-Jítsu?
Dr. Ricardo Amaral Filho: O corpo humano foi feito para o movimento, e os efeitos positivos da atividade aparecem rapidamente, estudos mostram que a prática regular de exercícios melhora a função cardiovascular, reduz a pressão arterial e aumenta a sensibilidade à insulina, mesmo em curto prazo, já nas primeiras semanas o coração bombeia sangue com mais eficiência, a circulação se torna mais saudável e o organismo passa a controlar melhor os níveis de açúcar no sangue, fundamental na prevenção de hipertensão e diabetes.
O Jiu-Jítsu proporciona um excelente exercício aeróbico e anaeróbico, pesquisas mostram que um treino de Jiu-Jítsu (com aquecimento, técnica e luta) pode queimar entre 750 e 1000 kcal por hora, dependendo da intensidade do treino, esse alto gasto energético contribui para a perda de peso e a melhora da composição corporal ao longo do tempo, movimentos variados de alavancas, estrangulamentos e deslocamentos no solo, levantar e cair exigem esforço muscular global, fortalecendo braços, pernas, tronco e melhorando a flexibilidade, saúde vascular, emocional e coordenação motora do praticante.
VDN: Quais são os primeiros benefícios percebidos nos primeiros meses?
Dr. Amaral: Nos primeiros meses de treino, tanto o corpo quanto a mente, em cerca de 12 semanas de exercício regular, estudos registram melhora significativa do condicionamento físico, da qualidade do sono e dos níveis de energia diária do praticante iniciante, mesmo pessoas antes sedentárias passam a dizer que dormem melhor e sentem menos fadiga ao longo do dia quando praticam Jiu-Jítsu, a diversidade de movimentos, hora explosivos, hora técnicos, favorece ganhos simultâneos de força, flexibilidade e resistência muscular em um curto período de tempo.
Importante também destacar benefícios psicológicos iniciais. A ciência já demonstrou que a atividade física regular reduz sintomas de ansiedade e depressão, elevando o humor e a sensação de bem-estar em poucas semanas. Assim, logo no primeiro trimestre de treinos, o aluno de Jiu-Jítsu tende a experimentar não apenas um corpo mais disposto, mas também uma mente mais equilibrada. O suor no tatame, faz o cérebro liberar endorfinas e outros neurotransmissores do “bem-estar”, o que explica aquela sensação de prazer e alívio do estresse após o treino (o famoso “efeito antidepressivo” do exercício).
VDN: Jiu-Jítsu é seguro para adultos iniciantes de qualquer idade?
Dr. Amaral: Sim, se praticado com responsabilidade, o Jiu-Jítsu é uma atividade segura inclusive para iniciantes em idades adultas ou avançadas. Apesar da imagem de “esporte de combate” que pode assustar à primeira vista, as taxas de lesão no Jiu-Jítsu recreativo são baixas e comparáveis (ou até menores) do que em modalidades populares como futebol ou corrida de rua. Uma pesquisa epidemiológica que comparou diferentes lutas observou que competidores de Jiu-Jítsu têm um risco substancialmente menor de lesões do que praticantes de judô, taekwondo, wrestling ou MMA. Ou seja, mesmo em ambiente competitivo o Jiu-Jítsu apresentou índice de lesão de apenas ~9 por 1000 combates, inferior a outras artes marciais e esportes de contato.
No treino recreativo em academia, o risco é ainda menor, existe o cuidado didático, o iniciante aprende a “bater” (desistir) antes de se machucar em uma posição de finalização, os treinos são adaptados ao nível técnico e condicionamento de cada um, e o uso de equipamentos como protetores bucal e orelha podem também ser usados. Com uma adaptação progressiva respeitando limites individuais e evoluindo gradualmente na intensidade, mesmo iniciantes com mais de 40, 50 ou 60 anos podem praticar Jiu-Jítsu com segurança. De fato, muitos encontram nessa arte marcial um caminho seguro para retornar à atividade física, graças ao caráter controlado e técnico do treino, diferente de esportes de alto impacto.
VDN: Quais cuidados médicos são recomendados antes de começar?
Dr. Amaral: Antes de iniciar qualquer atividade física intensa incluindo artes marciais é prudente passar por uma avaliação médica básica, especialmente se a pessoa esteve sedentária por muito tempo ou possui fatores de risco à saúde. Diretrizes internacionais, como as do American College of Sports Medicine (ACSM), recomendam triagens simples: medir a pressão arterial, checar glicemia, avaliar o IMC e, quando necessário, realizar um eletrocardiograma de repouso. Esse “check-up” pré-participação ajuda a identificar condições pré-existentes (hipertensão não controlada, arritmias cardíacas silenciosas, diabetes descompensado etc.) que mereçam atenção durante os exercícios.
Vale ressaltar, porém, que pouquíssimas condições de saúde são contraindicação absoluta para atividade física. Pelo contrário, mesmo pessoas com doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, obesidade ou problemas cardíacos estáveis, se beneficiam enormemente de um programa de exercícios supervisionado. Com acompanhamento profissional adequado (médico e de educador físico), essas pessoas podem praticar Jiu-Jítsu de forma segura. Por exemplo, um hipertenso controlado pode treinar, apenas monitorando sua pressão regularmente, diabéticos colhem melhorias no controle glicêmico com o exercício, obesos reduzem medidas e risco cardiovascular conforme emagrecem no tatame. Em resumo, a recomendação médica atual não é excluir o paciente crônico da atividade, e sim integrá-lo com segurança, adequando a intensidade e monitorando parâmetros de saúde. Com esses cuidados, vestir um kimono é seguro e altamente benéfico para quase todos.
VDN: Como o Jiu-Jítsu impacta a saúde mental do adulto moderno?
Dr. Amaral: A prática regular de exercício físico é um grande aliado da saúde mental. Há evidências de que, em casos leves a moderados de depressão, exercitar-se pode ser tão eficaz quanto antidepressivos no tratamento da doença. Um estudo clássico de Blumenthal et al. com pacientes depressivos idosos mostrou que, após 16 semanas, um grupo que fez exercícios aeróbicos obteve redução dos sintomas equivalente ao grupo que tomou medicação e com a vantagem de evitar efeitos colaterais dos fármacos. A atividade física promove melhora significativa do humor, com impacto comparável ao de terapias tradicionais em muitos casos.
Esportes de combate, em especial, trazem elementos extras que beneficiam a psique. O Jiu-Jítsu, por exemplo, trabalha a autoconfiança (ao ver sua evolução técnica e física, o praticante ganha mais confiança em si), a auto-regulação emocional (é preciso controlar a ansiedade e a impulsividade durante um rola) e fornece um canal saudável para extravasar o estresse do dia a dia. Estudos sobre artes marciais apontam aumento de autoestima e redução de sintomas de ansiedade nos praticantes. De forma geral, praticar Jiu-Jítsu ensina a lidar com pressões (no tatame, a pressão de um adversário por cima e fora dele, as pressões da vida), desenvolvendo resiliência e equilíbrio. Muitos alunos relatam que o tatame se torna sua “válvula de escape” mental, saem do treino leves, de bom humor e sentindo-se capazes de enfrentar melhor os desafios no dia a dia.
VDN: Qual a diferença entre treinar por saúde e treinar para competir?
Dr. Amaral: Do ponto de vista fisiológico e clínico, qualquer nível de prática regular traz benefício à saúde. Para o adulto sedentário que busca saúde, não é necessário treinar em volume ou intensidade de atleta competidor, basta atingir as recomendações básicas de frequência e duração dos exercícios. Estudos comprovam que indivíduos que adotam exercícios moderados de forma consistente apresentam melhorias em diversos indicadores de saúde, mesmo que não avancem para treinos de alto rendimento. Há uma relação dose-resposta, pessoas mais ativas tendem a ter menor risco de doenças, mas as maiores melhorias relativas ocorrem quando alguém sai do sedentarismo para um nível leve ou moderado de atividade, em outras palavras, quem era totalmente inativo ganha proporcionalmente mais benefício ao começar a se exercitar do que um atleta que aumenta treinos já intensos.
Para o adulto sedentário, treinar Jiu-Jítsu de forma recreativa 2 a 3 vezes por semana já é suficiente para melhorar condicionamento físico, parâmetros metabólicos (como pressão, colesterol, glicemia) e saúde mental. Esse nível de prática cumpre ou até excede os 150 minutos semanais de atividade moderada recomendados, colocando-o na faixa de proteção contra diversas doenças, a participação em competições é totalmente opcional quando se pensa em saúde. Algumas pessoas gostam de competir como um motivador extra, um objetivo que as mantém disciplinadas nos treinos , mas não é um requisito para se obter os benefícios fisiológicos e psicológicos. Do ponto de vista de saúde, treinar pelo prazer, aprendizagem e condicionamento já é o suficiente, competir ou não vira uma escolha pessoal, semelhante a correr maratonas, muitos correm por saúde sem jamais participar de uma prova oficial, e ainda assim colhem todos os ganhos de saúde.
VDN: Como a disciplina e a comunidade ajudam o aluno a não desistir?
Dr. Amaral: Um dos maiores desafios de qualquer programa de exercícios é manter a adesão a longo prazo, em outras palavras, não deixar s pessoas desistirem após algumas semanas ou meses. Nesse aspecto, o Jiu-Jítsu leva vantagem por sua forte componente social e filosófico, diferentes estudos mostram que atividades em grupo aumentam significativamente a motivação e a permanência das pessoas na prática regular, exercitar-se em um ambiente socialmente conectado, com parceiros e amigos que encorajam uns aos outros, melhora tanto a motivação intrínseca quanto a aderência ao programa de exercícios. Em um estudo, por exemplo, indivíduos que treinavam em grupo relataram redução de 26% no nível de estresse e melhorias notáveis na qualidade de vida, enquanto aqueles que se exercitavam sozinhos não tiveram mudanças significativas, a sensação de “estamos juntos nessa” e o apoio mútuo fazem toda a diferença.
No Jiu-Jítsu, esse senso de comunidade é muito presente, ao entrar na academia, o novato rapidamente sente que faz parte de uma família, todos passam pelas mesmas dificuldades nos treinos, ajudam-se nas técnicas, e torcem pelo progresso uns dos outros. Existe ainda a motivação das faixas, o sistema de graduação (faixa branca, azul, roxa, etc.) dá objetivos palpáveis de curto e médio prazo, recompensando a dedicação. A filosofia de respeito e humildade, no tatame, aprende-se a respeitar o mestre, os colegas e a arte, criando um ambiente acolhedor e disciplinado. Esses vínculos sociais e valores atuam como fatores protetores contra a desistência. Quando bate aquela preguiça ou desânimo, saber que os colegas e o professor esperam por você no treino funciona como um accountability, um compromisso social que nos tira do sofá. Em resumo, a disciplina individual (treinar regularmente, seguir regras) somada ao espírito de equipe do Jiu-Jítsu resulta em uma poderosa rede de suporte, fazendo o aluno perseverar até que a atividade se torne parte natural de sua vida.
O Jiu-Jítsu mostra, na prática, que um adulto sedentário pode, sim, transformar sua realidade dando um passo simples, vestir um kimono e amarrar uma faixa branca na cintura. Mais que aprender golpes e técnicas, no Jiu-Jítsu descobre o movimento, uma comunidade e propósitos. Cada treino é uma pequena vitória contra o sedentarismo, enfrentar um colega no tatame, o praticante está na verdade enfrentando a si mesmo, superando limitações físicas e mentais, tornando-se uma versão mais forte e confiante.
O verdadeiro inimigo a ser vencido não é o oponente do treino, mas o comodismo sedentário, o Jiu-Jítsu é uma poderosa ferramenta de mudança de hábitos e mentalidade. A jornada da faixa branca às faixas superiores simboliza um contínuo aperfeiçoamento pessoal, em que cada faixa conquistada reflete conquistas também em saúde e equilíbrio de vida.
Não importa a idade ou condicionamento inicial, nunca é tarde para recomeçar a se movimentar, a saúde é a maior vitória que podemos conquistar.