Nos últimos anos, uma cena vem se tornando cada vez mais comum, CEOs, empresários e altos executivos trocando o terno pelo kimono, o Jiu-Jítsu, antes sinônimo de violência, evoluiu e ganhou adeptos de peso no mundo dos negócios, de magnatas da tecnologia a fundadores de startups. O interesse desse público de alta performance não é à toa, eles afirmam encontrar no tatame lições valiosas para liderança, tomada de decisão e gestão do estresse, não por acaso, alguns tratam o Jiu-Jítsu como se fosse um “MBA comportamental”, um treino completo de foco, inteligência emocional e controle de energia, nesta edição da série “Jiu-Jítsu Para Todos: Novos Públicos, Novos Caminhos”, vamos explorar em como a arte suave está moldando líderes resilientes.
Vanguarda do Norte: Como o Jiu-Jítsu contribui para habilidades de liderança e tomada de decisão sob pressão?
Dr. Ricardo Amaral: O Jiu-Jítsu simula, a vida no tatame que é um espelho para a vidas e seu microcosmo, as mesmas pressões e desafios que um líder enfrenta no dia a dia corporativo. Durante um combate, você precisa tomar decisões rápidas e estratégicas enquanto lida com a pressão física e mental do oponente, essa experiência contínua de resolver problemas sob estresse aprimora a clareza mental e a capacidade de decidir com calma mesmo em situações críticas, e isto não é apenas percepção empírica, a ciência consegue confirmar isso. Estudos demonstram que praticar artes marciais pode melhorar as funções executivas do cérebro, como memória de trabalho, controle inibitório e atenção, essas funções são as responsáveis por planejar e tomar decisões racionais em meio ao caos.
Para líderes, essa vantagem é fundamental, no Jiu-Jítsu, se você entra em pânico diante de um estrangulamento ou posição adversa e age por impulso, certamente será derrotado, da mesma forma, na liderança, reações impulsivas sob pressão costumam levar a decisões erradas e perda de controle, treino constante ensina a respirar fundo, analisar a situação e só então reagir, uma resposta calculada em vez de um reflexo desesperado e impensado. Como me comentaram um aluno que é executivo e um neurocirurgião e praticante, a arte suave ensinou a manter a calma sob pressão e a tomar decisões com clareza, habilidades inestimáveis no mundo dos negócios ou seja, o Jiu-Jítsu funciona como um laboratório de liderança, a cada rola (treino), o praticante exercita resiliência, pensamento estratégico e gerenciamento emocional em ambientes controlados e desafiadores, exatamente o que um bom líder precisa para guiar equipes em momentos críticos.
VDN: Por que executivos de grandes empresas estão recorrendo ao tatame como forma
de treinar foco, autoconfiança e inteligência emocional?
Dr. Amaral: Há uma razão! O Jiu-Jítsu conquistou a elite corporativa por oferecer algo difícil de encontrar em MBAs tradicionais ou salas de reunião, aprendizado experiencial em tempo real. No ambiente controlado do tatame, as distrações custam caro, você aprende rapidamente que é preciso foco absoluto no presente ou será finalizado, essa exigência de atenção total em cada movimento treina o praticante a desenvolver um nível de concentração que depois se transfere para o ambiente de trabalho e seus longos períodos de foco. Superar desafios físicos contra oponentes maiores ou mais habilidosos, dia após dia, constrói autoconfiança verdadeira, toda pequena vitória no tatame, como escapar de uma posição desfavorável ou aplicar uma técnica aprendida, reforça a percepção de “eu sou capaz”. Executivos reconhecem que essa confiança
conquistada na luta os torna mais seguros para encarar negociações difíceis e projetos ambiciosos.
Na inteligência emocional, o Jiu-Jítsu é um grade mestre, coloca indivíduos acostumados a ter controle, como um CEO na sua empresa, em situações de vulnerabilidade. Ali, não importa sua posição social, se um faixa-branca desempregado encaixar um estrangulamento em um megaempresário, este terá que “bater” (desistir) como qualquer outra pessoa, essa dinâmica ensina humildade e empatia na prática. Os praticantes aprendem a lidar com a frustração de perder, a controlar o ego e as emoções diante de dificuldades, é “aprender a perder sem ‘se perder’” , aceitar a derrota sem desequilíbrio emocional, extraindo lições dela, “respirar sob pressão” e “baixar o ego” estão entre as primeiras coisas que um empresário aprende ao treinar Jiu-Jítsu.
Muitos executivos veem também no tatame um treino seguro para aprimorar a paciência e a resiliência, necessita-se paciência com o próprio progresso, a faixa preta não se conquista da noite para o dia, e isso vale também para grandes objetivos nos negócios, a arte marcial serve como um espelho, ela expõe seus impulsos e limitações emocionais e força você a trabalhá-los. Por isso, estão apelidando o jiu-jítsu de “MBA comportamental”, pois desenvolve na marra atributos como inteligência emocional, foco e resiliência, os líderes estão buscando o Jiu-Jítsu porque ele fornece uma espécie de treinamento vivencial dessas competências comportamentais, em vez de apenas ler sobre autocontrole em um livro, você exercita toda vez que leva um amasso no tatame e precisa manter a calma para inverter o jogo.
VDN: Poderia explicar o conceito de “embodied leadership” e como uma arte marcial
como o Jiu-Jítsu favorece a integração corpo-mente na formação de líderes resilientes?
Dr. Amaral: Embodied leadership, ou em português liderança incorporada/somática, parte da ideia de que liderar não é apenas um ato intelectual, envolve todo o seu ser, incluindo corpo, emoções e mente em trabalhando uníssono! Em outras palavras, é “liderança de corpo inteiro”, programas famosos nessa linha, como os do Instituto Strozzi nos EUA, integram mindfulness, artes marciais e comunicação ativa para treinar líderes, a premissa é que, por meio de práticas físicas e somáticas, conceitos antes abstratos tornam-se vivências concretas. Por exemplo, é uma coisa falar em “ter resiliência e equilíbrio” e outra é sentir esses atributos no corpo ao resistir calmamente à pressão de um oponente no chão. Esses treinamentos alinham a visão de quem você quer ser com práticas diárias que fazem você viver a liderança em cada ação. O Jiu-Jítsu encaixa-se perfeitamente nesse conceito, muitos o chamam de “meditação em movimento”, porque exige presença total, se sua mente divaga, seu corpo imediatamente paga o preço (você será dominado). Essa união de corpo e mente no momento presente é a essência da liderança somática, estar centrado, mesmo sob pressão. Um líder “incorporado” sabe reconhecer no próprio corpo os sinais do estresse e usá-lo como âncora para voltar ao equilíbrio, algo muito similar ao que um faixa-preta faz ao controlar a respiração enquanto escapa de uma posição de sufoco. Grandes empresas já perceberam o valor disso e têm usado artes marciais em treinamentos corporativos. Existem multinacionais aplicando princípios do Aikido para inspirar seus gestores, ensinando na prática conceitos de eficiência, flexibilidade, centramento, conexão e empatia, todas qualidades de um líder resiliente.
O Jiu-Jítsu integra corpo e mente na formação de líderes porque cada desafio físico enfrentado obriga o praticante a trabalhar também habilidades mentais e emocionais, controlar o medo, manejar a adrenalina, manter a clareza de pensamento e a postura confiante. E essas lições ficam gravadas de forma muito mais profunda do que num slide de PowerPoint. Educadores somáticos afirmam que tentar mudar só pelo intelecto é até 300 vezes mais lento do que engajar a inteligência do corpo nesse processo, por isso, embodied leadership ganhou tanta força, quando você pratica a liderança no corpo (seja através de uma arte marcial, postura ou técnicas de respiração), você literalmente incorpora essas qualidades. O resultado são líderes com uma presença mais forte, capacidade de “ficar de pé no meio do caos” e inspirar confiança justamente porque emanam tranquilidade e domínio próprio em situações complexas e adversas.
VDN: Você poderia citar exemplos de figuras públicas CEOs, empreendedores que
praticam Jiu-Jítsu, e o que podemos aprender com essas histórias? (Por exemplo: Mark
Zuckerberg, Tallis Gomes, Joe Rogan, entre outros)
Dr. Amaral: Esse movimento dos líderes buscando o tatame já produziu exemplos bem conhecidos. Um dos casos mais midiáticos é o de Mark Zuckerberg, cofundador e CEO da Meta (Facebook). Ele não só treina Jiu-Jítsu regularmente, como resolveu competir oficialmente em 2023, e até competindo ganhando medalhas de ouro e prata.
Zuckerberg se declarou apaixonado pelo esporte, dizendo em podcast que sentiu imediatamente que “era o melhor esporte” e se perguntou ‘onde isso esteve a minha vida inteira?’. Mais do que empolgação, ele revelou que o treinamento físico intenso o deixa mentalmente pronto para os desafios do trabalho. “Depois de uma ou duas horas treinando ou rolando com os amigos… agora estou pronto para resolver qualquer problema no trabalho no dia”, contou Zuckerberg a Joe Rogan. Ele utiliza o Jiu-Jítsu como válvula de escape e fonte de energia para encarar a pressão de comandar uma das maiores empresas do mundo. Esse exemplo do “Zuck” inspirou outros no Vale do Silício, até mesmo Elon Musk, CEO da SpaceX, passou a treinar artes marciais, e há relatos de CEOs como Dan Schulman (PayPal) creditando ao Krav Maga lições de saber “escolher as batalhas certas e continuar avançando rumo às metas”, Alex Karp, CEO da Palantir, é outro que pratica Jiu-Jítsu e Aikido regularmente . Isso nos mostra que mesmo entre os titãs da tecnologia e das finanças, há um reconhecimento de que a arte marcial traz ganhos reais para seu desempenho.
No Brasil, temos o caso do Tallis Gomes, fundador de empresas como Easy Taxi e Singu, frequentemente citado como um dos jovens empreendedores mais inovadores do mundo. Tallis é faixa roxa de Jiu-Jítsu e um entusiasta. Ele já declarou que nunca encontrou um simulador tão perfeito para a vida e para os negócios quanto o Jiu-Jítsu, no tatame, segundo ele, ou você desiste diante da dificuldade ou se condiciona a acostumar-se ao “sufoco” para superar o desafio e isso é exatamente o que empreendedores precisam fazer diante das crises,Tallis costuma dizer que o Jiu-Jítsu o ensinou a “ficar confortável no desconforto”, algo crucial para qualquer líder que enfrente pressão constante. Não por acaso, ele chegou a aconselhar: “Se você é empresário e não pratica Jiu-Jítsu, está deixando dinheiro na mesa”, dando a entender que a arte suave desenvolve o único “músculo” capaz de salvar alguém quando a vida aperta, a capacidade de manter a calma e achar soluções em meio ao caos. Essa visão dele exemplifica perfeitamente por que tantos empreendedores estão aderindo à prática, eles veem retorno claro em sua performance profissional, seja em tomada de decisão, networking ou mesmo na disposição física e mental.
Outro nome bem conhecido é o de Joe Rogan comentarista de UFC e podcaster influente que, embora não seja executivo de uma corporação, é um líder de opinião e empresário de mídia. Rogan é faixa preta de Jiu-Jítsu e nunca escondeu o impacto que a arte marcial teve em sua vida. Ele afirma que “o Jiu-Jítsu foi uma das ferramentas mais valiosas que já tive na vida”, tornando-o uma pessoa melhor e mais consciente de suas fraquezas e forças . “Nunca fui tão humilde como no Jiu-Jítsu”, disse ele em outra ocasião, ressaltando o poder da arte em quebrar o ego de qualquer um. Histórias como a de Rogan reforçam a ideia de que o Jiu-Jítsu não beneficia apenas o corpo, mas também a mente e o caráter qualidades fundamentais para quem lidera projetos ou equipes.
Esses exemplos: Zuckerberg competindo e usando o tatame para recarregar seu foco, Tallis Gomes integrando filosofia do Jiu-Jítsu à gestão, Joe Rogan pregando os benefícios mentais mostram que a arte suave conquistou respeito entre os high performers. E não se limita a eles: gestores de várias áreas estão descobrindo o JiuJítsu como um caminho para melhorar saúde, desempenho e equilíbrio. Em resumo, do boardroom à academia, vemos surgir uma geração de “líderes faixa-preta” que aplica no trabalho o que aprendeu lutando. E a lição comum a todos esses casos é: humildade, disciplina e persistência vencem desafios, seja enfrentando um rival no tatame ou uma crise empresarial.
VDN: Quais evidências científicas sustentam os benefícios neurocognitivos e
emocionais da prática de artes marciais, especialmente em contextos de alta pressão?
Dr. Amaral: As evidências explicam em diversas frentes na ciência da neurociência à psicologia. Primeiro, no campo neurocognitivo, pesquisas têm mostrado efeitos notáveis no cérebro de praticantes de artes marciais ao longo do tempo. Um estudo no Imperial College London, por exemplo, analisou o cérebro de atletas experientes e encontrou melhorias significativas na comunicação interna entre os neurônios, especialmente em faixas-pretas de lutas. Houve um desenvolvimento acima da média da substância branca do cérebro, responsável por conectar diferentes áreas cerebrais, anos de treino aprimoraram a integração cerebral, potencializando a velocidade com que diferentes partes do cérebro “conversam”, isto explica por que artistas marciais veteranos têm reflexos tão afiados e capacidade de resolver problemas complexos quase no instinto o cérebro deles literalmente se remodelou para ser mais eficiente.
Também, temos estudos com iniciantes que reforçam os ganhos cognitivos. Uma pesquisa publicada no periódico Mental Health and Physical Activity, liderada pelo neurocientista Sidarta Ribeiro, acompanhou crianças praticando uma arte marcial (no caso, capoeira) por alguns meses. Os resultados mostraram melhora não só na coordenação motora, mas também em funções como memória, autocontrole e atenção nas crianças treinadas, em comparação a um grupo controle. Embora o estudo tenha sido com crianças, sugere de maneira geral que a prática marcial exige e desenvolve capacidades cerebrais ligadas à concentração e controle inibitório (a habilidade de controlar impulsos), que são úteis em qualquer idade, inclusive para executivos sob alta pressão que precisam manter o foco e pensar com clareza. No emocional, as evidências são positivas, sabe-se que exercícios físicos em geral ajudam a reduzir estresse e ansiedade através de mecanismos neuroquímicos, como liberação de endorfinas e outras substâncias benéficas. No caso do Jiu-Jítsu, esse efeito é potencializado pela natureza do esporte. Durante um treino intenso, o corpo libera BDNF (Brain-Derived Neurotrophic Factor), um fator neurotrófico que estimula o crescimento e conexões dos neurônios, isso está associado a um cérebro mais saudável e “plástico”, também a melhorias de humor e capacidade cognitiva, é como se cada treino fosse um boost para o cérebro se renovar e ficar mais resistente ao estresse.
Mas não é só química! Também tem o aspecto do condicionamento emocional, o JiuJítsu coloca você repetidamente em situações desconfortáveis e controladas de stress, alguém montado sobre você, uma gravata encaixada no seu pescoço e, aos poucos, você aprende a não entrar em pânico. Essa exposição gradual e o aprendizado de técnicas para sair do aperto constroem uma resposta emocional mais estável. Por isso, pesquisas em psicologia do esporte apontam que artes marciais podem aumentar a resiliência psicológica, melhorando a capacidade de regular emoções diante de desafios. Praticantes de lutas geralmente relatam redução dos níveis de ansiedade no dia a dia e maior tolerância a frustrações após alguns meses de treino regular. Inclusive, médicos e psicólogos agora prescrevem artes marciais como complemento terapêutico para quem vive sob forte estresse profissional, exatamente porque a prática ensina, na pele, técnicas de enfrentamento do stress.
Outro ponto positivo é o desenvolvimento social e emocional, o Jiu-Jítsu, sendo um esporte de contato e treino em pares, cria um forte senso de comunidade e apoio mútuo. Estudos sobre saúde mental mostram que sentir-se parte de um grupo e ter conexões de confiança são fatores protetores contra depressão e ansiedade. No tatame, formamse amizades sinceras e um ambiente de camaradagem que ajuda muitos profissionais a lidarem melhor com a pressão externa do trabalho, saber que após um dia difícil de decisões você vai treinar com colegas que compartilham do mesmo esforço e respeito cria um alívio emocional significativo. CEOs do Vale do Silício, por exemplo, comentam que treinar Jiu-Jítsu oferece um “respiro” mental e emocional em meio a agendas caóticas é uma hora em que não se pensa em relatórios ou números, apenas no presente, o que tem efeito terapêutico.
As artes marciais ensinam uma mentalidade de solução de problemas sob pressão que é valiosa não só para o cérebro, mas para a vida. Como disse o renomado treinador John Danaher, “o Jiu-Jítsu é todo sobre resolver problemas que mudam rapidamente sob estresse, o que te dá a habilidade de identificar o cerne do problema mesmo numa situação estressante e adaptar corpo e tática para superá-lo”. Essa talvez seja a maior evidência “viva” dos benefícios neurocognitivos o praticante de Jiu-Jítsu se condiciona a pensar de forma fria e analítica em meio ao caos. Se levamos para um contexto de alta pressão nos negócios um problema na empresa, uma grande decisão a tomar imediata, aquele mesmo praticante terá mais habilidade de focar no problema, controlar a adrenalina e tomar uma decisão estratégica, em vez de se desesperar. E isso, é fruto
direto das adaptações cerebrais e emocionais construídas no tatame que vejo como microcosmo da vida.
Como demonstramos, o Jiu-Jítsu deixou de ser apenas um hobby ou exercício físico para se tornar uma verdadeira ferramenta de desenvolvimento pessoal e profissional!
Os relatos de grandes nomes e os estudos científicos convergem na mesma mensagem, a arte suave molda mentes afiadas e espíritos resilientes, qualidades essenciais para quem lidera sob pressão. Em um mundo corporativo cada vez mais complexo e estressante, não surpreende que do tatame estejam emergindo líderes mais centrados, confiantes e empáticos. Cada treino, cada posição ou estrangulamento “educam” o atleta a ser estrategista, humilde na vitória ou derrota e calmo durante à tempestade.
Fica o convite para quem ainda não experimentou independentemente de idade, sexo, do cargo ou profissão, há muito a se ganhar e aprender ao amarrar a faixa na cintura e pisar no tatame. No próximo artigo da série “Jiu-Jítsu Para Todos”, vamos conhecer outro público surpreendente impactado, não perca os novos caminhos que o Jiu-Jítsu está abrindo! Oss.
Dr. Ricardo Amaral Filho – (@amaralfilho)
Médico de Família e Comunidade
Médico do Esporte | Mestre em Educação
White House Jiu-Jitsu | Manauara EC