Nos últimos anos, o Jiu-Jítsu competitivo evoluiu para um esporte de alto rendimento, com um nível técnico e físico cada vez mais elevado, este sucesso traz desafios para entender como alcançar alta performance de forma segura.
Vanguarda do Norte: O Jiu-Jítsu realmente está mais competitivo e fisicamente exigente do que no passado? O que mudou para os atletas?
Dr. Ricardo Amaral Filho: Sem dúvida. O Jiu-Jítsu evoluiu de arte marcial para esporte de alto rendimento, com um profissionalismo cada dia maior, hoje os atletas dedicam-se não só ao treino técnico no tatame, mas também à preparação física fora dele, antes bastava ter boa técnica, agora, força, fôlego e explosão fazem a diferença nos campeonatos. Muitos jovens já treinam como profissionais musculação, treino de mobilidade, dieta regrada e equipe multidisciplinar de apoio, do preparador físico, mental, fisioterapia, nutricionista, mídia etc… Tudo isso porque o esporte ficou muito mais rápido e competitivo, para ser campeão é preciso fazer várias lutas duríssimas no mesmo dia, sem perder o gás nem a potência.
O Jiu-Jítsu competitivo se profissionalizou de vez, elevando o nível do jogo e também a exigência sobre o corpo e a mente dos atletas.
VDN: Quais são as lesões mais comuns no Jiu-Jítsu e os desafios de saúde que esses
atletas enfrentam, tanto fisicamente quanto mentalmente?
Dr. Amaral Filho: Lesões no ombro, joelho e coluna estão entre as mais frequentes no Jiu-Jítsu de alto rendimento, além de dores crônicas no pescoço e pequenas contusões em mãos e dedos.
No aspecto mental, os desafios podem ser tão duros quanto os físicos. Atletas de alto rendimento lidam com pressão por resultados, ansiedade pré-competição e estresse constante. Não é incomum jovens talentos sentirem solidão e saudade da família ao se mudarem para treinar longe de casa, o que abala o psicológico, além disso, o overtraining (excesso de treino) afeta a mente, causa irritabilidade, insônia, desânimo.
Sempre lembro que cuidar da mente faz parte do treinamento isso inclui ter momentos de lazer, apoio da família, equilíbrio entre os treinos e a vida pessoal, e procurar ajuda profissional se necessário.
VDN: Como o treino de força, a mobilidade e um planejamento adequado (periodização) contribuem para prevenir lesões e melhorar o desempenho no Jiu-Jítsu?
Dr. Amaral Filho: A preparação física bem estruturada é um dos pilares para o sucesso e a longevidade no esporte. Quando o atleta investe em treino de força, condicionamento e mobilidade, ele constrói uma espécie de “armadura” muscular e articular. Músculos mais fortes protegem as articulações a mobilidade aprimora a amplitude de movimento e previne distensões, além de permitir escapar de posições complicadas sem se machucar.
Está comprovado que o desempenho só evolui de forma sustentável quando equilibramos esforço e recuperação. Por isso, a periodização planejamento inteligente dos ciclos de treino intercala fases intensas com fases de descanso, ajustando volume e intensidade conforme a época do campeonato. Isso previne o overtraining e reduz bastante o risco de lesões por sobrecarga.
Atletas que seguem um bom programa físico têm menos lesões musculares e articulares, conseguem treinar de forma mais consistente e evoluem tecnicamente mais rápido (pois não precisam parar por contusão), a força e o condicionamento extras ajudam a impor o ritmo do combate e a resistir à fadiga nos minutos finais da luta. Um trabalho bem feito de força, mobilidade e planejamento de treino rende ganhos de performance e prevenção contra lesões.
VDN: Em períodos de competição intensa, como equilibrar os treinos físicos
(condicionamento, musculação) com os treinos técnicos de Jiu-Jítsu?
Dr. Amaral Filho: Em época de campeonatos intensos, é preciso balancear os treinos para não sobrecarregar o atleta. Nas semanas pré-competição, reduzimos a carga de exercícios físicos e damos ênfase ao treino técnico, garantindo que ele chegue descansado e afiado no dia da luta. Fora do período de competição, o foco volta a ser o desenvolvimento físico (força, resistência, mobilidade), aproveitando que há tempo para o corpo se adaptar. Em suma, é fundamental periodizar e ajustar os treinos conforme o calendário alternando fases de intensidade e descanso sempre com alinhamento entre preparador físico e técnico.
VDN: Que tipos de cuidados de saúde são importantes antes e depois das competições?
(Sono, exames, hidratação, recuperação etc.)
Dr. Amaral Filho: Cuidar da saúde faz parte do combo de ser atleta. Antes das competições, oriento sempre fazer uma avaliação médica para verificar se está tudo bem com o corpo e corrigir qualquer problema a tempo (como tratar uma lesão oculta ou repor nutrientes em falta). Nas semanas pré-competição, é fundamental dormir bem. O sono de qualidade é o melhor “remédio” do atleta é durante o sono profundo que o organismo se repara e consolida o que foi treinado. Estudos mostram que quem dorme menos de 8 horas por noite tem risco muito maior de lesão, portanto tente garantir pelo menos 8 horas de sono por dia.
Hidratação e nutrição também merecem atenção. Na alimentação, consuma bons carboidratos na véspera (para encher os estoques de energia) e proteínas magras para ajudar na recuperação muscular. No dia da luta, faça refeições leves e conhecidas (nada de comer algo diferente e passar mal).
Depois da competição, vem a fase de recuperação. A adrenalina baixa e o corpo sente o desgaste das lutas. É hora de tratar pequenas lesões gelo nas áreas doloridas nas primeiras 48 horas, fisioterapia se necessário e boa alimentação para reabastecer energias, dormir bem também é importante no póscompetição. Muitos atletas fazem recuperação ativa nos dias seguintes, com alongamentos, caminhadas ou pedaladas leves, só para manter o corpo em movimento e reduzir dores musculares, sem voltar ao treino intenso imediatamente: dê ao corpo alguns dias de descanso. Antes da competição você prepara o corpo como um motor para a corrida; depois, faça a devida “revisão” nesse motor com descanso e cuidados para voltar 100% aos treinos.
VDN: Como fazer o corte de peso de forma segura? Quais os riscos dos métodos
agressivos de perda rápida de peso?
Dr. Amaral Filho: O famoso “corte de peso” é um assunto complexo e delicado. Em esportes de combate, muitos atletas baixam de categoria para ganhar vantagem de tamanho, mas é preciso muita cautela. O ideal é perder peso de forma gradual, com orientação de um profissional, ajuste a dieta semanas antes reduza calorias aos poucos, mantenha a ingestão de proteínas para não perder músculo e diminuir um pouco os carboidratos apenas perto da pesagem. O objetivo é chegar à balança saudável, no máximo levemente desidratado, e poder se reidratar logo em seguida.
Os métodos agressivos, por outro lado, são extremamente perigosos. Ficar sem beber água, fazer longas sessões de sauna ou tomar diuréticos pode trazer sérios riscos. A desidratação severa pode provocar desmaios, arritmias cardíacas e até morte, além de derrubar o desempenho físico e mental. Já houve casos fatais em esportes de luta por cortes de peso malfeitos (felizmente raros no Jiu-Jítsu), outro ponto: no Jiu-Jítsu a pesagem costuma ser no mesmo dia da luta. Portanto, se o atleta se desidrata demais, não terá tempo de recuperar e vai competir no sacrifício.
Minha recomendação é planejar o peso com antecedência. Se precisar perder alguns quilos, comece pelo menos um mês antes, com dieta balanceada e exercício aeróbico extra. Evite as “loucuras” de última hora e jamais faça nada radical sem acompanhamento profissional.
VDN: Qual é a diferença no preparo físico e mental de um atleta de elite em relação a um
praticante recreativo de Jiu-Jítsu?
Dr. Amaral Filho: O atleta de elite treina diariamente e várias vezes ao dia com planejamento rigoroso e conta com equipe multidisciplinar de apoio, encarando uma pressão constante por resultados. Já o praticante recreativo treina algumas vezes na semana, ou diário conforme sua rotina de trabalho ou estudos, e geralmente não segue uma preparação física tão intensa ele pratica mais pelo lazer e pela saúde.
Mentalmente, o profissional convive com cobranças de treinadores, equipe e patrocinadores, enquanto o praticante casual vê o Jiu-Jítsu como válvula de escape do estresse do dia a dia. Em ambos os casos, é fundamental respeitar os limites do corpo.
Inclusive, mesmo quem treina só por hobby deve incluir um pouco de preparação física (por exemplo, um treino de força) na semana, para prevenir lesões e continuar evoluindo com segurança.
VDN: Qual a mensagem principal sobre performance e saúde no Jiu-Jítsu? E como
atletas e treinadores podem se aprofundar mais nesse assunto?
Dr. Amaral Filho: A mensagem central é que alta performance e saúde devem caminhar juntas. Não existe vitória que justifique arruinar o próprio corpo ou a mente. A ciência e o planejamento hoje são grandes aliados dos lutadores sabemos muito sobre fisiologia, treinamento e prevenção de lesões, e esse conhecimento precisa ser usado a favor do atleta. Com treino inteligente e descanso adequado, dá para atingir picos de performance sem sacrificar tanto a saúde.
Vale destacar a importância do equilíbrio entre desempenho e bem-estar. Ganhar campeonatos é incrível, mas melhor ainda é conseguir competir e treinar por muitos anos, com menos lesões e aproveitando a jornada. Já vi carreiras terminarem cedo por falta de cuidado e exageros, mas também conheço veteranos que seguem firmes no alto nível graças a uma preparação bem feita e à atenção à saúde.
Convido todos que queiram aprender mais sobre preparação física segura para esportes de combate a participarem do próximo curso presencial Treinamento de Força para Atletas de Combate, que acontecerá novamente em Manaus em breve e contará com a minha presença como palestrante, junto a outros especialistas, no curso “Treinamento de Força para Atletas de Combate”, será uma ótima oportunidade de discutir esses conceitos na prática e aprender estratégias atualizadas para melhorar a performance com segurança.
Dr. Ricardo Amaral Filho (@amaralfilho)
Médico de Família e Comunidade
Médico do Esporte | Mestre em Educação
White House Jiu-Jitsu | Manauara EC