Vivemos em uma era onde tudo acontece em segundos a comida chega em minutos, o vídeo começa sem esperar carregar e a resposta precisa vir “agora”. Essa pressa virou cultura. Mas, junto com a velocidade, cresce também a impaciência, a ansiedade e a frustração diante da espera. Essa é a chamada “geração do imediatismo” um modo de viver que busca recompensas rápidas e evita o desconforto do processo.
Na medicina e na psicologia, já se fala em um novo tipo de fadiga mental: aquela provocada pela exposição contínua a estímulos instantâneos. Estudos recentes mostram que o uso excessivo de telas está associado ao aumento da ansiedade e à redução da tolerância à frustração, especialmente entre jovens. O cérebro, habituado a gratificações rápidas, passa a reagir mal quando precisa de paciência seja para aprender algo, lidar com uma perda ou construir um resultado de longo prazo.
No Jiu-Jítsu, não há atalhos. Nenhum algoritmo pode acelerar o tempo necessário para amadurecer no tatame. Cada faixa é resultado de horas de treino, erros, quedas, persistência e humildade. E é justamente nesse processo lento e constante que mora o valor real da arte suave. O sistema de graduação tão simples e simbólico ensina que crescer exige tempo e que a verdadeira vitória é sobre o próprio impulso de desistir.
Para entender melhor como o Jiu-Jítsu pode ensinar paciência, foco e resiliência em tempos de imediatismo, o VDN conversou com o Dr. Ricardo Amaral, médico de família e do esporte, faixa-preta e preparador mental de atletas, que explica com base em evidências científicas e vivência no tatame como o corpo e a mente se fortalecem quando aprendemos a respeitar o processo.
Vanguarda do Norte: Dr. Amaral, muito se fala na “geração do imediatismo” crianças e jovens acostumados a tudo rápido e fácil. O que o senhor entende por esse termo?
Dr. Ricardo Amara Filho: Vivemos numa época de estímulos instantâneos. Vídeos curtos, jogos rápidos, redes sociais com curtidas em tempo real tudo favorece o rápido ganho. Em psicologia esse comportamento é chamado de delay discounting: a tendência de preferir recompensas pequenas e imediatas em vez de esperar algo maior mais tarde.
Isso era útil na pré-história, mas hoje o cérebro busca a mesma “pipoca” de dopamina nas notificações. A tecnologia reforça esse ciclo de prazer rápido. O problema é que, quando a vida real exige constância e espera, muita gente se desorganiza emocionalmente.
VDN: Na sua prática médica e como preparador mental de atletas, quais sinais o senhor observa desse imediatismo?
Dr. Amaral: Vejo muita ansiedade e frustração. Jovens sofrem com a cobrança de resultados “para ontem”. Um estudo nacional recente mostrou que cerca de 45% dos casos de ansiedade entre 15 e 29 anos estão relacionados ao uso excessivo de redes sociais. Isso cria um padrão de comparação e urgência: se o outro postou, eu também preciso postar; se não recebo curtidas, algo está errado comigo.
No esporte, o reflexo é o mesmo. O atleta que busca resultado rápido se desespera ao perder. A paciência para aprender desaparece. O imediatismo corrói a confiança, porque condiciona o valor da pessoa à velocidade do sucesso.
VDN: Por que somos tão vulneráveis ao imediatismo moderno?
Dr. Amaral: O cérebro humano é movido por dopamina, neurotransmissor que nos recompensa por ações. As redes sociais e aplicativos foram desenhados para acionar esse sistema de recompensa o tempo todo. É como se a cada “like” o cérebro recebesse uma microdose de prazer. Só que isso treina a mente para esperar estímulos constantes.
Na infância, isso é ainda mais grave: crianças expostas cedo a recompensas instantâneas, como tablets e vídeos automáticos, desenvolvem menor tolerância à espera e maior impulsividade. Psicólogos chamam isso de “fragilidade da frustração”. A pessoa simplesmente não suporta o vazio, a pausa, o tédio. Mas é justamente nesses espaços que a maturidade nasce.
VDN: Em contrapartida, o Jiu-Jítsu parece ensinar o oposto: a paciência pelo processo. Como o senhor enxerga isso no tatame?
Dr. Amaral: O tatame é uma escola de tempo. Nada acontece de um dia para o outro. Cada técnica precisa ser repetida centenas de vezes até se tornar natural. A cada erro, o aluno volta, tenta de novo, ajusta. Isso educa o corpo e a mente para o ritmo real da vida.
Um estudo de 2025 mostrou que mais de 87% dos praticantes de Jiu-Jítsu relatam melhora significativa na confiança e redução da ansiedade após um ano de prática. Ou seja: o treino regular treina também o sistema nervoso a tolerar desconfortos e frustrações. A paciência deixa de ser uma teoria e vira uma habilidade corporal.
VDN: O sistema de faixas é simbólico. Como explicar o valor dessa meta gradual para
quem quer tudo rápido?
Dr. Amaral: A faixa no Jiu-Jítsu é a trilha da jornada, não um troféu. Cada cor representa evolução técnica, mas também maturidade emocional. Ela não pode ser comprada, nem acelerada só conquistada.
E isso tem um efeito profundo: o aluno aprende a apreciar o caminho, não só o destino.
Essa mudança de foco da recompensa externa para a motivação intrínseca é um dos pilares da psicologia positiva moderna. Quando a pessoa gosta do processo, ela persiste naturalmente, mesmo sem aplausos. No Jiu-Jítsu, quem treina por amor ao treino sempre chega mais longe.
VDN: Quais valores de caráter o Jiu-Jítsu cultiva que ajudam a combater o imediatismo?
Dr. Amaral: Humildade, disciplina e resiliência.
Humildade porque o tatame iguala todos: um dia você vence, no outro apanha. Disciplina porque só o treino contínuo traz resultado. E resiliência porque, mesmo cansado, você precisa voltar.
Estudos mostram que quase 97% dos praticantes relatam transferir aprendizados do tatame para a vida pessoal como foco, controle emocional e persistência. Além disso, o treino em grupo estimula o senso de pertencimento, um fator protetor contra a ansiedade. Quando você faz parte de algo maior, o processo ganha sentido.
VDN: Como os pais podem ensinar paciência e processo aos filhos em meio à era digital?
Dr. Amaral: Primeiro, dando exemplo. A criança aprende mais com o comportamento do que com o discurso. Se o pai ou a mãe demonstram calma, constância e respeito pelo tempo das coisas, o filho imita.
O Jiu-Jítsu é um ótimo laboratório para isso. O pequeno aprende que precisa esperar sua vez de lutar, respeitar o colega, conquistar a faixa com esforço. Cada treino vira uma aula de autocontrole.
Os pais podem reforçar essa aprendizagem com pequenas frases: “você esperou e conseguiu”, “nem tudo vem na hora”. São gestos simples que fortalecem o cérebro da criança a lidar com o atraso da recompensa uma das bases da maturidade emocional.
VDN: Que conselho o senhor daria para quem quer vencer o imediatismo e viver com mais paciência?
Dr. Amaral: Entenda que o tempo não é inimigo, é parceiro do crescimento.
O imediatismo dá prazer, mas rouba profundidade. O processo, por outro lado, dá sentido e estrutura.
No Jiu-Jítsu, aprendemos que cada treino, cada erro e cada repetição moldam não só o corpo, mas também o caráter. A vida é igual. Nada que vale a pena vem fácil.
Se você quiser desenvolver paciência, encontre uma prática que te desafie diariamente, pode ser o Jiu-Jítsu, pode ser outra. O importante é aprender a gostar de aprender.
No fim das contas, a paciência é a faixa preta da alma.
Para quem busca saúde física e mental, o recado é claro: desacelerar também é um treino.

