Manaus (AM) – O dia 21 de março foi proclamado como o ‘Dia Internacional Contra a Discriminação Racial’, pela Organização das Nações Unidas (ONU), em memória ao Massacre de Sharpeville, que ocorreu na África do Sul no ano de 1966. Atualmente, a data marca também o reconhecimento das conquistas de direitos sociais de todas as raças, como a dos povos indígenas.
Conforme a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a discriminação racial é definida da seguinte forma:
“Toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública”.
No Brasil, a Constituição de 1988 garantiu a igualdade racial, tornando a prática do racismo crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. Ou seja, o suspeito por racismo será preso em regime fechado.
Foi na Constituição de 1988, que os povos indígenas do país também passaram a ter um capítulo específico com preceitos que asseguram o respeito à organização social, aos costumes, às línguas, crenças e tradições.
Negros não são únicos a sofrer racismo
Quando se aborda a questão do racismo no Brasil, de imediato muitas pessoas associam a discussão racial ao binarismo preto e branco e desconhecem o preconceito vivenciado por muitos indígenas, principalmente em contexto urbano.
De acordo com a assistente social Thaís Sarmento, do povo Dessana, existe muito desconhecimento sobre o racismo anti-indígena e é preciso incluir os povos tradicionais nas discussões dos debates que envolvem a pauta do antirracismo.
“É preciso entender as diferentes formas que cada raça é atingida pelo racismo, pois não existe uma forma padronizada de como isso ocorre. Então é necessário primeiramente reconhecer a existência de povos indígenas e a partir disso entender como funciona o racismo anti-indígena”,
comenta.
Thaís ainda ressalta que algumas atitudes e termos sobre os povos tradicionais de cunho racista são normalizados na sociedade entre os não-indígenas.Um dos exemplos citados é a utilização do nome dos povos Tupinquim e Tabajara como um termo ofensivo e pejorativo por parte de brasileiros.
LEIA TAMBÉM: Cientista amazonense afirma que a educação pode mudar a realidade das mulheres negras e garantir seu espaço
Caso de racismo
No último dia 17 deste mês, a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), divulgou uma nota de repúdio sobre um caso de racismo vivenciado por uma criança indígena Tupiniquim.
Na nota, a APOINME relata que a menina sofreu ataques racistas por vários dias por colegas que estudam na mesma sala de aula no Sesc – Centro Educacional Para A Vida, Aracruz.
“A mãe da criança ao ir buscá-la na escola por volta de 11h30 da manhã desta última quarta-feira (15), se deparou com sua filha chorando muito, e mesmo aos prantos disse à mãe que a sua professora queria conversar com ela. Então foi quando a mãe se encontrou com a professora que relatou os fatos dizendo que as alunas da sala zombavam dela, causando um grande trauma a criança Tupiniquim, pois desde que ela se apresentou na escola dizendo que era indígena e morava na aldeia, começou a ser alvo de comentários racistas”,
diz trecho na nota.
A Articulação ressalta que “quando se conhece a origem social das desigualdades, entendemos as reivindicações históricas dos povos indígenas, pois só assim os não-indígenas poderão entender a importância de discutir o racismo a partir do seu lugar social e como ele foi construído historicamente na sociedade“.
Outro fator apontado que envolve o racismo anti-indígena, é o apagamento das populações tradicionais, que por muitos anos foi um projeto político de Estado e que permanece no imaginário de muitos brasileiros, e também do pensamento de que indígenas são selvagens e atrasados.
“O imaginário sobre os povos indígenas e o processo para nossa desumanização foi e é alimentado na educação e nas mídias. Então a população não-indígena tem uma visão estereotipada e racista sobre a gente e quando se deparara com as nossas diferentes vivências, características, línguas e costumes ficam surpresas e alguns chegam a até questionar a nossa identidade”,
afirma Sarmento.
Para a jovem, ser indígena, mulher e viver em contexto urbano é já esperar sofrer algum tipo de preconceito.
“As pessoas acham que só porque deixamos nosso território e passamos a viver em contexto urbano, deixamos de ser indígena. Ou que como indígenas não temos nossas subjetividades e direito à cidade, onde somos alvos de racismo pois se surpreendem com a gente ocupando os espaços e preservando a nossa cultura e identidade”,
explica.
Os movimentos indígenas nos últimos anos vêm se organizando politicamente para combater o racismo anti-indígena seja ocupando os espaços digitais levando a visão do racismo por suas perspectivas ou na ocupação política para deixar no passado o histórico de exclusão enquanto porta-vozes de seus interesses e da sub-representação nos parlamentos.
A assistente social finaliza afirmando que é importante frisar que os povos indígenas são diversos e estão espalhados em todo o Brasil e em diversos contextos.
O futuro é indígena e como bem disse Ailton Krenak: “Enquanto tiver gente por aqui (Brasil), nós (indígenas) estaremos aqui”.