O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo decidiu, por unanimidade de votos, extinguir a ação coletiva movida pelo Ministério Público do Trabalho contra a Uber, a qual tratava do vínculo empregatício entre a empresa de transporte por aplicativo e os motoristas cadastrados na plataforma.
Na prática, a Uber não precisará pagar uma multa de R$ 1 bilhão imposta pelo juiz de primeira instância, nem assinar as carteiras de trabalho de todos os motoristas, conforme previsto na sentença publicada em 2023.
Segundo a relatora do caso, juíza Patrícia Therezinha de Toledo, os vínculos empregatícios devem ser provados em ações individuais dos trabalhadores, não de forma coletiva, como presumem Ações Civis Públicas, uma vez que determinar a assinatura de carteira de trabalho invalidaria outros tipos de relação trabalhista, como contratação de Pessoas Jurídicas (PJs).
“Para o melhor exame, eu analisei o relatório de análise de dados efetuado pelo Ministério Público que, a meu juízo, denota claramente as diferentes formas de realização das atividades dos motoristas em relação ao aplicativo, seja pelo engajamento, seja pela quantidade de dias trabalhados, seja pela quantidade de corridas realizadas”, afirmou.
Portanto, no entendimento da relatora, não cabe ao Ministério Público do Trabalho atuar na questão. O voto foi acompanhado pelos demais colegas da 13ª turma do tribunal.
O MPT ainda pode questionar a decisão, recorrendo ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Decisão de 1ª instância
Em 2023, a Justiça do Trabalho havia condenado a Uber a pagar R$ 1 bilhão em danos morais coletivos e a assinar as carteiras de trabalho de todos os motoristas cadastrados na plataforma no Brasil.
A ação foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em novembro de 2021 após denúncia feita pela Associação dos Motoristas Autônomos de Aplicativos (AMAA) relacionada às condições de trabalho na empresa de tecnologia.
Por se tratar de ação coletiva, o juiz Maurício Pereira Simões mencionou que seu resultado seria algo positivo, já que repercutiria de modo uniforme: “a Justiça não pode ser uma espécie de ‘loteria’, como se a incerteza e a vagueza fossem elementos que deveriam ser sopesados pelas partes nas relações sociais”.
A Uber informou, em nota, que vai recorrer da decisão e não vai adotar nenhuma medida até que os recursos sejam esgotados. Disse também que a decisão “representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo”. Empresa é condenada a contratar motoristas vinculados a aplicativo
Dano moral coletivo e ‘valor irrisório’
Segundo o magistrado, a Uber causou danos morais coletivos ao ferir direitos constitucionais e legais mínimos da relação de emprego e ao não considerar os motoristas como funcionários registrados:
“Outros elementos constitucionais mínimos foram ofendidos na esfera coletiva, como o meio ambiente do trabalho e sua prevenção e precaução, a seguridade social, a saúde, a assistência, o mínimo de dignidade e de preservação dos seres humanos em face da valorização social do trabalho”.
“A sonegação de direitos mínimos, a desproteção social, o ser deixado à margem, foram atitudes tomadas pela Ré de forma proposital, ou seja, ela agiu dolosamente no modo de se relacionar com seus motoristas”, apontou Simões.
O juiz afirmou que a Uber adotou atos planejados para serem realizados de modo a não cumprir a legislação do trabalho, a previdenciária, de saúde, de assistência: “agiu claramente com dolo, ou se omitiu em suas obrigações dolosamente, quando tinha o dever constitucional e legal de observar tais normas”.
Ele fixou a indenização em R$ 1 bilhão “considerando a capacidade econômica da empresa”, porque, segundo ele:
- “A própria defesa fala em recolhimentos de impostos na casa dos R$ 4 bilhões, o que indica ganhos expressivos no decorrer do tempo em que opera no país;
- Que opera em mais de 550 cidades, o que indica uma captação de clientela em números expressivos;
- Há notícia pública de que a [Uber] teve lucro crescente de 29% no primeiro trimestre de 2023 e chega a um faturamento de 8,8 bilhões de dólares”
“Olhando o valor de forma pura e simples, notadamente em um país de um povo preponderantemente pobre (ou extremamente pobre), pode parecer impactante, mas contextualizando os aspectos econômicos divulgados pelos meios de comunicação e pela própria ré, […] o valor se mostra irrisório, especialmente se observar que a presente demanda é fruto de anos de apurações, de operação da ré e do espaço geográfico em que opera, não sendo a condenação um elemento isolado no tempo e no espaço”, destacou.
Em caso de pagamento, os valores serão destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador na proporção de 90%, sendo os demais 10% para as associações de motoristas por aplicativos que tenham registro em cartório e constituição social regular, em cotas iguais e de tantas quantas forem encontradas pelo Ministério Público do Trabalho no Brasil.