Costuma-se dizer que o jeito mais saboroso de conhecer a cultura de um lugar é visitar seus mercados públicos. Do paraense Ver-O-Peso em Belém ao Mercado Central de Belo Horizonte, ou mesmo o histórico Borough Market de Londres, é neles que se descortina um mundo de sabores e histórias capazes de abrir qualquer apetite para novas experiências.
Em São Paulo não é diferente. São treze os mercados administrados pela prefeitura, espalhados pelos quatro cantos da cidade. E nenhum carrega tanta fama quanto o Mercado Municipal Paulistano, popularmente chamado de Mercadão. Afinal, são mais de 12 mil metros quadrados e 290 boxes que, juntos, movimentam cerca de 350 toneladas de alimentos por dia.
Mas há algum tempo outro entreposto – este, muito mais modesto -, também vem ganhando a atenção de moradores e turistas: o Mercado Municipal Engenheiro João Pedro de Carvalho Neto, mais conhecido como Mercado Municipal de Pinheiros.
Foi ali que Ana Paula Sater desembarcou em 2018 com o sonho de ter uma padaria artesanal. Assumiu um box junto ao estacionamento, onde antes funcionava um chaveiro, e ergueu o Feliciana Pães e Outras Histórias, espaço com alma de fazenda onde a água usada na cozinha vem de nascente, a energia é solar e tudo o que vira lixo orgânico é devidamente compostado.
Historiadora, gestora ambiental e gastrônoma, ela não parou por aí: virou presidente da Associação dos Comerciantes do Mercado de Pinheiros e mais recentemente abriu outros dois negócios por lá, os restaurantes Manduque – Massas e Maçãs e Azul do Mar.
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As ações de Ana vão além de seus estabelecimentos: implementou o Green Mining, a primeira coleta seletiva paga do país, onde qualquer pessoa pode levar papelão ou vidro nos bolsões coletores, e receber na sua conta corrente um valor (a partir de R$ 10) pelo lixo reciclado.
Sempre movimentando culturalmente, ela também é responsável por organizar dois dos últimos eventos que levou milhares de pessoas ao Mercado recentemente: o 1º Encontro de Queijos e Embutidos que aconteceu no final do mês de maio, onde 50 produtores atenderam um público que ultrapassou de 6 mil pessoas e o Neko Fest – festival de comida asiática que no final de 2023 levou mais de 10 mil pessoas para lá.
“Não paramos de pensar o que mais podemos trazer para dentro do Mercado. Isso precisa estar sempre se movendo, trazendo gente, energia nova”, diz Ana Paula.
Os “vizinhos” de box comemoraram. Rafael Collesi, sócio da Ladega – um box dedicado a vinhos (algumas cervejas e afins) e com uma curadoria impecável, com produtores naturais, biodinâmicos, orgânicos e com preços acessíveis, é bem feliz com essa nova revitalização que o Mercado vive. “Ana Paula é articulada, pró ativa, veio realmente para fazer algo diferente. Foi ótimo para tudo mundo”.
Collesi também é um entusiasta quando o assunto é trazer mais o Mercado para a vida das pessoas que estão no entorno do Largo da Batata. “Por que não uma festa de fim de tarde aqui no deck? A luz é linda, o espaço é agradável e estamos ocupando um espaço único em São Paulo”, completa.
Uma nova retomada do Mercadão de Pinheiros
Não é a primeira vez que o Mercado de Pinheiros busca uma retomada. Em 2014, quando não era raro encontrar moradores do bairro que sequer conheciam o espaço – escondidinho entre as ruas Teodoro Sampaio e a Cardeal Arcoverde -, o chef Checho Gonzales viu ali um potencial. E assim nasceu a Comedoria Gonzales, levando luz para um mercado que tinha um potencial enorme com sua localização privilegiada em um bairro de classe alta, e em um momento em que a gastronomia fervilhava.
O sucesso da empreitada, que tinha como base o clima informal e as receitas de influência andina, acabou atraindo outros chefs como Alex Atala, que por meio de seu Instituto Atá inaugurou dois anos depois quatro boxes com produtos dos cinco biomas brasileiros, do óleo de pequi ao mel dos índios do Xingu.
No mesmo ano abriram ali uma unidade do Mocotó Café, do chef Rodrigo Oliveira, e os restaurantes do gaúcho Marcos Livi. Na ocasião, o instituto de Atala assinou ainda um Termo de Cooperação com a prefeitura para garantir obras de revitalização no endereço, incluindo reforma do deck, pintura interna e externa e manutenção da rede hidráulica e elétrica. À época, de acordo com a associação dos donos de boxes, o movimento local aumentou cerca de 45% e o projeto foi tido como um modelo para a revitalização de outros mercados e sacolões municipais.
Mas anos depois, quem resistiu foram apenas os permissionários que sempre estiveram ali vendendo produtos como queijos, carnes, embutidos e frutas. Assistiram o boom, viram o boom ir embora. Checho, o pioneiro, serviu seus últimos ceviches ali em 1º de julho de 2023, e fechou as portas alegando o “descaso completo” que acompanhou o período de pandemia.
A pizzaria Napoli Centrale, de Livi, e Mocotó Café seguem firmes. Agora, com Ana Paula Sater, ganham novos vizinhos.
Inaugurado em 10 de agosto de 1910, o Mercado de Pinheiros é uma memória viva da alimentação paulista da Zona Oeste. Em 1910, era conhecido como o Mercado dos Caipiras, já que muitos produtores do interior do estado o escolhiam como local para vendas, atraindo compradores de toda cidade.
Sempre atento às demandas do seu tempo, o Mercado se transformou e abraçou o novo endereço nos anos 70, a fim de abrir espaço para a construção da Avenida Brigadeiro Faria Lima. Hoje, seus 4 mil metros quadrados se distribuem por dois pavimentos, pelos quais se espalham 39 boxes.
Mercadão de Pinheiros: Rua Pedro Cristi, 89 – Pinheiros