A história de João Diamante não começa com uma avó que cozinhava muito bem e ensinou ao neto os seus dotes, tampouco com os sabores do almoço de domingo com a família que o fizeram se apaixonar pelas panelas.
A história do jovem de 32 anos que conquistou no último mês o prêmio ‘Champions of Change’ (Campeões da Mudança) de 2024 do The World’s 50 Best Restaurants, o “Oscar” da gastronomia, com o seu projeto Diamantes na Cozinha, começou muito antes, ainda na adolescência, quando João só pensava em uma coisa: “como eu posso transformar a comunidade em que vivo?!”. E do inconformismo nasceu um dom. O de cozinhar e, consequentemente, o de transformar.
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Projeto Diamantes na Cozinha: “Nós somos o carvão, o diamante é você”
O projeto Diamantes na Cozinha, que acaba de ser reconhecido pelo The World’s 50 Best Restaurants como “Campeões da Mudança”, um prêmio que celebra heróis do setor que impulsionam ações positivas em suas comunidades e criam planos de longo prazo para uma sociedade mais inclusiva, nasceu em 2016 em um espaço emprestado e menor que 10m².
Hoje, conta com sede própria, cozinha profissional, biblioteca e já educou mais de 3.500 pessoas.
O foco é capacitar os alunos para trabalharem ou empreenderem no setor, e não apenas para se tornarem chefs, mas com aulas que abrangem culinária, nutrição, antropologia alimentar, coquetelaria e hospitalidade para pessoas a partir de 16 anos em situação de vulnerabilidade que vivem nas favelas do Rio de Janeiro.
A próxima turma de “Diamantes na Cozinha” será em julho, mas o plano de João é ter cada vez mais cursos e levar o projeto para além das terras fluminenses. Ele busca patrocínio de marcas que apoiem e acreditem no poder da transformação pela gastronomia para avançar pelo país, afinal, como ele mesmo diz: “a gente dá o ensino, mas o ideal é dar além, para ter menos evasão nos grupos. As pessoas precisam de cesta básica, alimento, tempo para se dedicarem e aprenderem. Precisamos olhar para o nosso aluno além daquelas horas em sala de aula”.
Precisa ter uma revolução no setor para que cargos de base não acabem
João Diamante, chef e nome à frente do projeto Diamantes na Cozinha
Questionado sobre o momento atual da gastronomia brasileira, João é categórico ao dizer que, ao mesmo tempo em que a gastronomia brasileira tem ganhado espaço no mundo e temos cada vez mais restaurantes premiados e estrelados, o setor precisa urgentemente de uma revolução.
Anteriormente, a cozinha era a solução para muitos que buscavam uma vida um pouco melhor. No entanto, isso já não é mais o caso. É por isso que há uma falta de mão de obra de base nos restaurantes. As pessoas agora buscam e necessitam de benefícios, plano de carreira e oportunidades dentro dos estabelecimentos, além de educação para crescerem. O setor precisa despertar para essa nova realidade!
A trajetória de João Diamante
A gastronomia é uma oportunidade de evolução como ser humano, me despertou diversos interesses…A gastronomia é inclusiva!
João Diamante, chef à frente do projeto Diamantes na Cozinha
Preto, pobre, nascido e criado em comunidade, João sempre soube que sua trajetória não seria fácil e, por isso, agarrou todas as oportunidades que surgiram, o que incluiu participar de inúmeros projetos sociais.
Sentiu, literalmente, na pele o poder de transformação e de esperança que um projeto social pode proporcionar e sempre teve na cabeça: farei algo para mudar não apenas a minha vida, mas a de maior número possível de pessoas ao meu redor. Ele só não sabia que seria com a gastronomia.
Aos 18 anos, entrou para a Marinha do Brasil e se prontificou a trabalhar na cozinha. Mas engana-se quem acha que era por já ter algum relacionamento com as panelas e temperos; a escolha foi apenas porque era um posto que permitia que ele saísse mais cedo e seguisse seu curso de Técnico de Nutrição.
Porém, o que começou sem pretensão se transformou rapidamente em paixão. “A comida transforma o dia de uma pessoa”, diz João, que sentia uma enorme satisfação ao ver os colegas bem alimentados e satisfeitos com o refeitório da Marinha.
O reconhecimento veio rápido, prêmios e elogios não paravam de chegar. E daí sim ele teve mais uma certeza: iria transformar a vida das pessoas por meio da gastronomia!
Ao sair da Marinha, foi estudar gastronomia e ganhou uma bolsa de estudo para morar em Paris e trabalhar no restaurante do renomado e estrelado chef Alain Ducasse, o Restaurante da Torre Eiffel.
Chegou sem falar uma palavra em francês, mas para o menino da favela, chegar ao topo da Torre Eiffel ao lado de um dos mais famosos chefs do mundo era uma oportunidade que jamais tinha sonhado. Absorveu técnicas, sabores e saberes e não demorou para voltar ao Brasil com a bagagem cheia de histórias, aprendizados e desejo de mudar o mundo.
Trabalhou no restaurante Fazenda Culinária, no Museu do Amanhã, ao lado da chef Flávia Quaresma, ganhou prêmios, como em Causa Social pela Veja RIO e ficou entre os 30 jovens mais talentosos e promissores do Brasil pela Revista Forbes. Foi jurado do programa “Minha Mãe Cozinha Melhor que a Sua”, da Rede Globo, ao lado da chef Paola Carosella e do apresentador Leandro Hassum.
Já cozinhou para o presidente do Brasil e mais 11 chefes de estado, lançou seu livro “Receitas de Diamante”, onde conta sua história de vida, já abriu restaurantes, lanchonete e se prepara para, em breve, uma nova casa no Rio de Janeiro. Sempre empregando seus alunos, claro!