A dúvida sobre o valor do alongamento é antiga. Por décadas, incluir séries de alongamentos estáticos no aquecimento era mantra entre treinadores e atletas, com a ideia de que isso melhoraria o desempenho e preveniria lesões, estudos recentes têm mostrado resultados mistos. Alongamentos estáticos longos antes do treino podem reduzir a força muscular por até meia hora depois, e não há evidências claras de que eliminem lesões. Por outro lado, outras formas de se alongar, especialmente as dinâmicas, ganharam espaço como métodos eficazes de aquecimento.
Vanguarda do Norte: Por que o alongamento é tão debatido hoje em dia? Antes não havia essa polêmica…
Dr. Ricardo Amaral Filho: Durante muito tempo o alongamento estático foi padrão nas rotinas de aquecimento. Achava-se que segurar músculos em alongamento aumentava a flexibilidade, relaxava tensões e prevenia lesões. Mas nos últimos anos houve uma reavaliação. Revisões científicas indicam que longos alongamentos estáticos antes da prova podem inibir a contração muscular, reduzindo a força e a potência de forma temporária. Em esportes que exigem explosão, como um salto ou sprint, isso significa queda de desempenho. Assim, orientações mais recentes indicam alongamentos dinâmicos em que o atleta faz movimentos controlados ao longo da amplitude articular, justamente para ativar músculos sem o efeito de inibição do alongamento mantido. A ciência não descarta o alongamento, mas mudou quando e como ele deve ser feito, dependendo do objetivo.
VDN: Quais são os principais tipos de alongamento e em que situações cada um é indicado? Estático, dinâmico, balístico, ativo…
Dr. Amaral: Existem várias técnicas. O alongamento estático passivo é o mais
conhecido: leva-se um músculo até o limite confortável e segura-se por alguns
segundos sem movimentação externa. O ativo estático é similar, mas o próprio atleta
ativa o músculo oposto para sustentar a posição. Por exemplo, segurar a perna erguida
apenas pela força dos músculos do quadril. Já o dinâmico envolve movimentos
ritmados, como agachamentos com impulso suave ou balanceios de pernas, para
preparar a amplitude de movimento sem pausa fixa. O balístico é mais agressivo: usa
balanços rápidos e a energia cinética para estender o músculo além do ponto de
desconforto, e só é recomendado com supervisão (pode causar lesões). Há também o
método PNF (proprioceptive neuromuscular facilitation), em que se faz uma contração
isométrica breve do músculo antes de alongar, que costuma aumentar a flexibilidade.
Em termos de eficácia, estudos mostram que, na busca por ampliar a flexibilidade
rapidamente (por exemplo, isquiotibiais), técnicas ativas como o PNF e mesmo o
balístico podem trazer ganhos maiores em curto prazo do que o estático puro, no
entanto, se considerarmos o longo prazo, apenas o alongamento estático mantêm
ganhos de amplitude por mais tempo.
Ou seja: para aumentar a flexibilidade (como um lutador querendo abrir mais a perna),
PNF ou algumas séries de balísticos controlados podem ajudar; mas para preservar a
flexibilidade conquistada, o estático não pode faltar na rotina! Em qualquer caso, o
essencial é não esticar além do limite confortável, alongar deve gerar um leve
desconforto, não dor.
VDN: E o alongamento estático antes do treino? Ainda é recomendado?
Dr. Amaral: Antes de um treino de força ou velocidade, hoje se evita alongar estático por
muito tempo. Estudos indicam que uma série de alongamentos passivos longos pode
reduzir a produção de força em até 30% e comprometer exercícios subsequentes. Uma
recente revisão científica mostrou que alongamentos estáticos reduzem resultados em
testes explosivos (como salto ou sprint). Em contraste, fazer alongamento estático
depois do treino, quando não se depende da força imediata, ajuda a relaxar os músculos
e potencialmente aumentar a amplitude articular a longo prazo. Portanto, se for incluir o
estático, o melhor momento é no final da sessão ou em dias dedicados à flexibilidade,
não imediatamente antes de correr ou saltar.
VDN: E o alongamento dinâmico? Vejo cada vez mais atletas fazendo. Quais são os benefícios?
Dr. Amaral: O alongamento dinâmico virou padrão no aquecimento moderno justamente
por ativar músculos e articulações sem causar o efeito inibitório do estático. Ao
movimentar gradualmente cada parte do corpo (como círculos com os braços, avanço
com giro de tronco, movimentos no solo, etc.), o atleta eleva a temperatura muscular e
manda “mensagens” ativadoras ao sistema nervoso central . Há evidências de que isso
aumenta a potência e a amplitude de movimento logo após o aquecimento. Uma metaanálise de 2023 concluiu que alongamentos dinâmicos de 7 a 10 minutos melhoram
significativamente o desempenho explosivo em saltos e corridas curtas, enquanto o
estático prejudicava. Portanto, antes de uma partida de futebol, luta ou corrida, invista
em movimentos dinâmicos: eles preparam o corpo de forma mais eficaz e nem
atrapalham a força como o estático longo.
VDN: Alongar previne lesões musculares ou articulares?
Dr. Amaral: Essa é uma das perguntas mais comuns, mas a resposta é: não há consenso.
Revisões sistemáticas mostram que alongar rotineiramente não reduz de forma clara a
incidência total de lesões esportivas, um grande estudo de 2004 analisou diversos
esportes e concluiu que não houve queda significativa no número total de lesões em
grupos que alongavam regularmente antes ou depois do treino . Outra revisão de 2008
reforçou que alongamentos estáticos não diminuíram a taxa geral de lesões (alguns
achados sugerem efeito muito limitado sobre lesões musculotendíneas específicas).
Alongar melhora a mobilidade, mas não funciona como solução para evitar entorses ou
estiramentos.
Não existe evidência sólida de que o simples ato de alongar previna lesões, a prevenção
deve incluir também fortalecimento muscular, aquecimento adequado (especialmente
dinâmico) e progressão gradual do treino. O alongamento é coadjuvante, ajudando no
equilíbrio muscular e no relaxamento, mas não substitui cuidados gerais.
VDN: E nos esportes de combate e no futebol? O que muda?
Dr. Amaral: Cada modalidade tem suas exigências. Nas artes marciais – onde chutes
altos e torções são comuns – a flexibilidade é muito útil. Treinadores costumam incluir
alongamentos ativos e PNF para abrir quadril e osso isquiático (posterior da coxa).
Porém, assim como em outros esportes, esses alongamentos pesados geralmente
entram em sessões específicas de flexibilidade ou pós-treino, não no aquecimento
imediato. Em vez disso, antes de uma luta realizam sequências de movimentos
parecidos com os golpes (por exemplo, chutes leves e joelhadas controladas), que
cumprem papel de alongar dinamicamente sem reduzir a explosão.
No futebol, a situação é semelhante. Embora alguns jogadores e técnicos ainda façam
estático, programas modernos de aquecimento – como o famoso “FIFA 11+” –
privilegiam dinâmico e trabalho de mobilidade. Há estudo comprovando que jogadoras
de futebol que seguiram um aquecimento incluindo alongamentos dinâmicos tiveram
metade das lesões de joelho comparado a quem não fez esse protocolo . Ou seja, no
futebol o ganho vem de aumentar a temperatura, mobilidade e propriocepção, e o
alongamento faz parte disso de forma mais global, não isolada. Em resumo: tanto
lutadores quanto atletas de futebol devem manter a flexibilidade para a técnica (olhe
como pescoço, quadris e tornozelos soltos são importantes), mas privilegiam
alongamentos ativos/dinâmicos no pré-jogo. O estático pode aparecer em plantão de
recuperação ou pré-temporada, para ganhar amplitude em grupos musculares críticos,
respeitando sempre o limite de conforto.
VDN: E sobre corredores e praticantes de academia em geral?
Dr. Amaral: Para corredores, o aquecimento tradicional é trote leve e mobilidade
articular (círculos de tornozelo, flexão de joelho, inclinações de quadril). O objetivo é
preparar o corpo para a mecânica da corrida, não necessariamente aumentar a
flexibilidade além do necessário. Uma revisão atual mostrou que alongamentos précorrida não afetam significativamente a economia de corrida (gasto de energia), nem
melhor nem pior . Ou seja, alongar não vai fazer você correr muito mais rápido nem te
deixar mais cansado em provas. Mas atenção: substituir completamente o aquecimento
por alongamentos estáticos não é o ideal; aqueça-se dinamicamente (um trote leve já é
um ótimo começo). Após a corrida ou nos dias de treinos de base, incluir estático
moderado nos músculos da perna (panturrilha, quadríceps, isquiotibiais) ajuda a
manter a mobilidade.
Quem treina na academia pode pensar semelhante: alongamentos dinâmicos para
aquecer grupos musculares (como rotações de ombro antes de supino) e alongamentos
pós-treino para cada grupo importante. O alongamento pós-treino ou separado (2–3
vezes por semana) melhora a flexibilidade sem atrapalhar a musculação. Em qualquer
caso, respire fundo, respeite a dor zero e nunca se desequilibre para forçar o
movimento. Consistência vale muito: uns minutos todo treino fazem mais do que
sessões esporádicas intensas.
VDN: E os idosos? Qual o papel do alongamento para eles?
Dr. Amaral: Nos mais velhos, a flexibilidade tem papel ainda mais crítico para a
qualidade de vida. É normal que as articulações percam amplitude com a idade – daí vir
aquela dificuldade de alcançar o pé ou de usar o cinto de segurança sozinho . A boa
notícia é que exercícios simples de alongamento e mobilidade podem retardar esse
declínio . Estudos recentes mostraram que programas de alongamento em idosos
aumentaram a velocidade de marcha e melhoraram o equilíbrio . Em outras palavras:
idosos mais flexíveis caminham melhor e têm menos chance de tropeçar ou cair. De
acordo com especialistas, quem mantém a flexibilidade consegue realizar atividades do
dia a dia com mais autonomia (vestir-se, agachar, pentear cabelo etc.) e até tem menor
risco de quedas . Por isso, para o idoso ativo recomenda-se alongamentos suaves para
pernas, tronco e braços, de forma regular (pode ser diário), sempre atentos ao limite do
corpo. Prefira manter a posição por 20–30 segundos sem balançar. E lembre-se:
alongamento é parte de um pacote maior de exercícios, que deve incluir também
fortalecimento (especialmente de core e pernas) e treino de equilíbrio.
VDN: Para concluir, que recomendações práticas o senhor dá sobre como, quando e quanto alongar?
Dr. Amaral: Em primeiro lugar, adapte o alongamento ao objetivo do momento. Se for
aquecimento pré-atividade intensa, priorize o dinâmico: 5 a 10 minutos de movimentos
que simulam o esporte (ex.: polichinelos leves, agachamentos dinâmicos, rotações
articulares). Revisões mostram que 7–10 minutos de alongamento dinâmico podem
maximizar a performance em explosão . Se quiser incluir estático nesse aquecimento,
mantenha-o curto (10–15 segundos por grupo), só para sentir o músculo pronto. Depois
do treino ou em dias de recuperação, faça alongamentos estáticos mais completos:
segure cada músculo por 15–30 segundos, 2–3 repetições. Exercícios PNF (contrairelaxa) podem ser usados ocasionalmente para ganhos adicionais.
Quanto à frequência, para melhorar flexibilidade o ideal é alongar constantemente:
estudos recomendam sessões de alongamento 3–5 vezes por semana . Mas pequenas
pausas de alongamento ao longo do dia também ajudam: quem trabalha muito sentado,
por exemplo, pode alongar pescoço, peito e quadris até várias vezes ao dia. Sempre faça
movimentos lentos, sem solavancos, e respeite a sensação de limite. Lembre-se que
alongar não substitui o aquecimento cardiovascular: nada de começar o dia só com
alongamentos e achando que já está “quente”. Antes de correr ou entrar no tatame, dê
uma corrida leve, pule corda, faça polichinelos, depois alongue.
Conclusão e recomendações práticas: A ciência atual indica que alongar ainda é importante, mas do jeito certo. O alongamento dinâmico entrou no centro das atenções para preparar o corpo, sobretudo em esportes explosivos . Já o alongamento estático continua essencial para ganhar e manter flexibilidade, mas deve ser encaixado no momento adequado (geralmente pós-treino ou em sessões específicas) para não prejudicar a força imediata.
Em atletas de combate e futebol, enfatize o movimento funcional e use o estático nos dias de mobilidade; em corredores, alongue moderadamente e preste atenção ao aquecimento dinâmico; em idosos, alongue de forma suave e regular para melhorar a marcha e prevenir quedas . Em todos os casos, evite exageros: alongar não previne milagrosamente lesões , mas contribui para um corpo mais móvel, relaxado e equilibrado. Se feito de forma inteligente e consistente, o alongamento continuará sendo um aliado valioso para desempenho esportivo e qualidade de vida.

