A crioterapia, mais conhecida como “banho de gelo”, virou uma febre entre atletas de todas as modalidades, mas será que ela realmente acelera a recuperação, ou é apenas mais um mito ou uma moda do esporte de alto rendimento? Vamos responder às principais dúvidas sobre o uso do frio na recuperação física, com base em evidências científicas recentes e na prática de atletas do jiu-jítsu e de esportes de combate.
Vanguarda do Norte: O que é crioterapia e como ela funciona no corpo?
Dr. Ricardo Amaral: É usar o frio (água gelada, ar resfriado ou compressas) como forma terapêutica, para reduzir dor, inflamação e acelerar a recuperação muscular. O frio provoca vasoconstrição, desacelera o metabolismo dos tecidos e alivia a dor reduzindo a condução nervosa, estimulando o sistema parassimpático, favorecendo o relaxamento e diminuindo a sensação de fadiga.
VDN: Quais os principais tipos de crioterapia?
Dr. Amaral: Banho de gelo (10–15 °C por 10 a 15 minutos);
Criocâmara (-110 a -140 °C por 2 a 3 minutos);
Compressas frias e sleeves gelados (20 minutos em regiões localizadas).
VDN: O que os estudos mostram sobre a eficácia da crioterapia?
Dr. Amaral: Estudos científicos demonstram que a crioterapia, na forma de imersão em água fria ou criocâmara reduzem de forma significativa a dor muscular de início tardio após treinos intensos ou competições.
Meta-análises e revisões sistemáticas revelam que a aplicação de frio após o exercício:
– Diminui os níveis de creatina quinase (CK) e lactato desidrogenase (LDH), marcadores sanguíneos de dano muscular.
– Melhora a recuperação da força e da função neuromuscular, principalmente nas primeiras 24 a 48 horas após treinos extenuantes ou trauma.
– Alivia sintomas de dor e rigidez muscular, ajudando o atleta a se sentir mais leve e pronto para o próximo treino ou competição.
– Ajuda a manter performance em treinos consecutivos e reduzir o impacto do desgaste físico, útil em períodos de campeonatos ou treinos em carga máxima.
Um estudo de 2024 colocou a crioterapia como a estratégia mais eficaz para atenuar dor e recuperar potência muscular em comparação com outros métodos como recuperação ativa, massagens e imersão em água quente. OU SEJA: o gelo NÃO é PLACEBO. Seus efeitos fisiológicos são reais.
VDN: No jiu-jítsu, quando o gelo realmente ajuda?
Dr. Amaral: Após lutas intensas, treinos duplos ou semanas de carga alta, a crioterapia pode diminuir dores, manter o rendimento e acelerar a recuperação. No caso de competições preferir ao menos 24h antes do evento. Evitar crioterapia no dia da competição ou imediatamente antes da luta pois pode diminuir temporariamente a potência e a resposta neuromuscular. Também é útil em contusões leves, ajudando a controlar inchaço e dor.
VDN: Pode atrapalhar o ganho de força ou hipertrofia?
Dr. Amaral: Sim. Se usada logo após treinos de musculação ou força, pode inibir os processos inflamatórios que são a adaptação muscular, prejudicando o ganho de massa e força.
VDN: Crioterapia substitui outras estratégias de recuperação?
Dr. Amaral: Não. Sono, alimentação e hidratação são a base da recuperação. O gelo é um complemento estratégico, mas não resolve sozinho. Técnicas como massagem, liberação miofascial, recuperação ativa, relaxamento respiratório também são importantes e somam.
VDN: Quais os erros comuns no uso?
Dr. Amaral: Aplicar antes do treino ou da competição: o resfriamento pode reduzir temporariamente a força explosiva, a velocidade de reação e a ativação muscular. Ou seja, pode atrapalhar o desempenho imediato, especialmente em modalidades como o jiu-jítsu, que exigem agilidade, força e tomada rápida de decisões.
Exceder o tempo ou a temperatura recomendada: ficar tempo demais na banheira de gelo ou usar temperaturas muito baixas aumenta o risco de queimaduras por frio, lesões cutâneas e até hipotermia localizada.
ATENÇÃO: mais frio e mais tempo não significa mais benefício.
Não proteger extremidades na criocâmara: mãos, pés, orelhas e genitais devem ser protegidos com luvas, meias e roupas adequadas. A exposição direta de regiões sensíveis ao frio extremo pode causar lesões sérias.
Usar sem real necessidade: aplicar gelo de forma rotineira, sem estar em um período de alta demanda física ou sem sinais de dor ou inflamação, pode prejudicar os processos naturais de adaptação ao treino, especialmente em treinos voltados para hipertrofia e ganho de força.
A crioterapia funciona melhor usada com objetivo claro, no momento certo e de forma segura.
VDN: Qual o protocolo ideal de uso?
Dr. Amaral: Existem vários protocolos, porém simplificando e não especificando a técnica
se pode fazer:
– Banho de gelo: 8 a 15 minutos entre 10 °C e 15 °C;
– Criocâmara: até 3 minutos com proteção adequada;
– Fazer após treinos muito intensos ou competições;
– Não após musculação para hipertrofia;
– Não fazer no dia da competição;
– Escolher de forma inteligente espaço entre treinos e competições e não em blocos de
adaptação.
A crioterapia é uma ferramenta valiosa, mas não milagrosa. No jiu-jítsu e em esportes de combate, faz a diferença na recuperação entre treinos e lutas, desde que usada com inteligência.
Use o gelo quando nos ciclos de alta carga, para reduzir dores ou manter o desempenho em campeonatos. Evite quando quiser ganhar força, hipertrofia ou tiver tempo para recuperação natural.
O segredo não é congelar tudo o tempo todo, mas resfriar com estratégia! Aconselhe-se com um profissional de saúde habilitado para maiores informações.
Dr. Ricardo Amaral Filho (@amaralfilho)
Mestre em Educação e Saúde | Médico de Família e Comunidade | Medicina do Exercício
e do Esporte | Professor de jiu-jítsu faixa preta.