Imagine, um lutador, corredor ou atleta dedicado, que treina antes do sol nascer e deixa as redes sociais cheias de “no pain, no gain” e “tá pago”. Na cultura do “treine sempre, nunca pare”, é fácil confundir um cansaço comum com algo mais grave. Mas, como alerta a psicóloga Hegli Norimar de Menezes, “ao tratar todo tipo de cansaço apenas como físico, corremos o risco de ignorar causas mais profundas, como a sobrecarga emocional ou a exaustão mental”.
Em outras palavras: nem todo desgaste vem só dos músculos. Abordaremos de forma simples as diferenças entre fadiga física e esgotamento emocional (burnout), como identificá-las e como lidar com cada uma para treinar com saúde e longevidade.
VDN: Dr. Amaral, qual é a diferença básica entre o cansaço físico de um treino puxado e
o esgotamento emocional muitas vezes chamado de burnout?
Dr. Amaral: Cansaço físico é a sensação de exaustão que vem depois de um esforço
intenso: músculos doloridos, falta de energia e aquela necessidade imediata de
descanso. Por exemplo, estudos e especialistas descrevem o cansaço físico como dores
no corpo, fadiga muscular e sonolência . Em geral, ele aparece depois de treinos longos
ou muito fortes e costuma melhorar bastante com uma boa noite de sono ou um fim de
semana de folga. Já o burnout esportivo ou esgotamento emocional é diferente. Não é
só ficar cansado: é um estado crônico que combina exaustão física, mental e emocional
devido a pressões prolongadas. Pesquisas apontam que, enquanto o cansaço normal
alivia com descanso, o burnout persiste mesmo após longos repousos. Em vez de alguns
dias, ele pode durar semanas ou meses, levando o atleta a perder até o interesse pela
própria atividade.
A fadiga muscular e física é uma resposta aguda ao treino e melhora com descanso; o
burnout é uma exaustão crônica, ligada a estresse intenso e prolongado, que afeta não
só o corpo mas também o humor e a motivação do atleta.
VDN: Quais são os sinais típicos do cansaço físico e quais indicam que o problema é algo
mais sério, como o burnout?
Dr. Amaral: No caso do cansaço físico “comum”, o corpo dá sinais claros: você sente os
músculos pesados ou doloridos, queda temporária no desempenho, tremedeiras ou falta
de coordenação fina, e aquela moleza geral. Além disso, pode bater aquela vontade de
dormir cedo, sono pesado é normal após esforço intenso. Segundo fontes confiáveis, o
cansaço físico causa “dores no corpo, fadiga muscular, sonolência e a clássica falta de
energia”. Normalmente, esses sintomas são passageiros: melhoram com repouso,
hidratação e boa alimentação.
Já o esgotamento emocional/psicológico tem outros sintomas. Em vez de apenas sentir
o corpo cansado, a pessoa vive desmotivada, irritada e desinteressada pelas atividades
antes prazerosas. No esporte, sinais de burnout incluem perda de interesse, falta de
vontade de treinar ou competir, e um esgotamento intenso que não passa com uma
simples folga . Pode aparecer também ansiedade, tristeza persistente, insônia e até
sintomas físicos inexplicáveis (como dores de cabeça crônicas ou problemas
gastrointestinais). Como descreve o Ministério da Saúde, a síndrome de burnout traz
“cansaço excessivo, físico e mental”, dificuldade de concentração, alteração de apetite,
dor de cabeça frequente, insônia e até sentimentos de fracasso e desesperança .
Resumindo: se o atletacomeça a se afastar emocionalmente do esporte, sente vazio,
cinismo ou baixa autoestima e esses sintomas persistem, é sinal de que o problema vai
além de um dia difícil na academia.
VDN: Na prática, o cansaço ou burnout prejudicam mesmo o desempenho? Como eles se
manifestam nos treinos seguintes?
Dr. Amaral: Com certeza. O cansaço excessivo leva a uma queda de rendimento. Por
exemplo, no overtraining (treino em excesso) já observado pela fisiologia do esporte,
atletas registram desempenho insatisfatório, perda de força ou de velocidade e
recuperação muito lenta após cada sessão . A Nike também alerta que esse desgaste
crônico pode causar sono ruim e dificuldade de recuperação muscular a pessoa fica com
“sensação de músculos pesados, rígidos e doloridos” a cada dia.
E a fadiga mental pode ser ainda mais traiçoeira. Estudos mostram que atletas
mentalmente exaustos se sentem muito menos preparados para competir do que
aqueles com apenas cansaço físico . Em outras palavras: quando nosso cérebro está
cansado, tudo parece muito mais difícil. Como explica a pesquisadora Suzy Russell, os
atletas relatam que “as coisas ficam mais difíceis quando estão mentalmente
fatigados”, ou seja, a percepção de esforço aumenta . Isso leva a perder ritmo, tomar
decisões lentas e até abandonar a sessão mais cedo. Concluindo, seja físico ou mental,
o excesso de cansaço prejudica a performance. O músculo “esturrica”, mas
principalmente a mente perde a motivação e o foco, é aí que o treino começa a render
muito menos.
VDN: Dr. Amaral, e na prática: o que o atleta deve fazer logo após sentir aquele cansaço
muscular forte? Quais cuidados tomar para se recuperar melhor?
Dr. Amaral: Para a fadiga física, as receitas clássicas funcionam bem. O primeiro passo é
respeitar o descanso. Sempre digo a meus atletas o que já virou um bordão: “descanso
também é treino”. Como o descanso é primordial no treino, e uma boa prática é ter pelo
menos um dia de folga total por semana . Esse intervalo permite que os músculos se
recomponham. Outro pilar é o sono de qualidade: dormir bem é quando o corpo
reconstrói fibras e libera hormônios anabólicos. Não menos importante, cuide da
nutrição e hidratação: a alimentação equilibrada fornece os nutrientes que o corpo
precisa para a recuperação muscular . Por exemplo, ingerir proteínas adequadas ajuda a
reparar tecidos, enquanto carboidratos reabastecem a energia gasta. Beber água
suficiente mantém as células funcionando corretamente; como lembra o guia da Nike,
verificar se a urina está de “cor amarelo-claro” é uma dica simples para saber se você
está bem hidratado .
Além disso, incluir alongamentos leves, massagens ou até crioterapia (banho frio) pode
aliviar dores musculares e acelerar a recuperação. Em casos de dores muito intensas ou
sinais de lesão, o ideal é diminuir drasticamente o volume de treino e consultar um
fisiologista ou médico do esporte. Em termos gerais: reduza a carga, mantenha
alimentação saudável e dê ao corpo o tempo que ele pede. Esses cuidados diários
ajudam não só a recuperar do treino, mas também a prevenir que um dia de cansaço vire
um ciclo de overtraining.
VDN: E se o atleta notar que não é só cansaço físico, mas o tal esgotamento emocional?
Quais estratégias de recuperação ajudam nesses casos?
Dr. Amaral: Se o cansaço já está misturado com estresse emocional, a abordagem é mais
ampla. Primeiro, é fundamental parar para escutar o corpo e a mente. Diferentemente
de um simples dia difícil, o burnout requer medidas conscientes de pausa. Aqui vale
buscar apoio profissional: psicólogos, psiquiatras, médicos de família e médicos do
esporte são os especialistas indicados para avaliar e manejar o esgotamento crônico. O
Ministério da Saúde recomenda, inclusive, psicoterapia para reorganizar a rotina e os
pensamentos, e se preciso em alguns casos, uso de medicamentos para controlar
ansiedade ou depressão inicial .
Mas há também várias práticas cotidianas que ajudam. Atividades de relaxamento como
meditação, respiração consciente ou até escrever um diário são úteis para aliviar o
estresse emocional. A Dra. Hegli Norimar sugere a “escrita terapêutica e práticas como
meditação” para o cansaço emocional . Além disso, manter alguma atividade física leve
(por exemplo, uma caminhada, natação ou ioga) ajuda a liberar endorfinas e reduzir a
tensão, sem sobrecarregar o corpo. É importante reservar tempo para o lazer e sono de
qualidade, além de reaproximar-se de familiares e amigos: passar tempo com pessoas
queridas aumenta a sensação de apoio e bem-estar.
Outro ponto importante é avaliar a própria carga de treino. Como destacam
bibliografias de psicologia, “diminuir a carga de treinamentos aumenta
significativamente os níveis de saúde mental e de equilíbrio do corpo e mente” . Em
outras palavras, não tenha medo de tirar uma folga prolongada ou mesmo férias
esportivas se necessário. Muitas vezes, uma pausa forçada pelo corpo é um sinal de que
precisamos diminuir o ritmo. Respeitar esses sinais não é fraqueza é autocuidado. A
recomendação final é clara: ao primeiro sinal de burnout, pare, procure ajuda (seja
médica, psicológica ou de apoio próximo) e reestrutura sua rotina com foco na
recuperação mental e no equilíbrio geral.
VDN: Para finalizar, que dicas o senhor daria para prevenir esse cansaço excessivo e
manter uma prática esportiva de longo prazo saudável?
Dr. Amaral: A melhor estratégia é planejar e variar. Treinos bem estruturados (com
volumes e intensidades adequadas à fase de cada atleta) e alternados entre dias mais
fortes e dias leves ajudam a equilibrar esforço e recuperação. Busque periodização: em
vez de só “empurrar o máximo”, estabeleça metas realistas de curto e médio prazo .
Isso dá sensação de conquista e mantém a motivação. Outra dica é diversificar
atividades: se seu esporte principal é corrida, por exemplo, inclua natação ou ciclismo
na rotina. Essa alternância dá ao corpo estímulos diferentes e reduz o risco de
sobrecarga local.
Comunicação também é essencial. Converse abertamente com técnicos e colegas sobre
como você se sente; criar uma rede de apoio (treinar em grupo, trocar experiências)
pode detectar problemas cedo . E, muito importante, aprenda a dizer “não”. Em uma
sociedade que valoriza o esforço extremo, seja seu próprio melhor treinador: respeite
suas horas de sono, tenha dias livres marcados, e cuide da saúde física e mental.
Praticar autoconhecimento faz toda a diferença. Como lembra um especialista em saúde
mental, observar as “mudanças no humor, na energia e na disposição” ajuda a perceber
limites antes que a sobrecarga se agrave . Ouça o seu corpo: pequenos sinais (sono
ruim, irritação, queda no rendimento) são alertas que não devem ser ignorados. Um
atleta bem-sucedido é aquele que cuida de si mesmo, não apenas daquele que leva a
água pro muque.
Treinar com saúde é mais do que resistir ao cansaço diário. É aprender a diferenciar quando o corpo pede um simples descanso e quando ele clama por uma pausa de verdade.
Doutor Amaral reforça que ouvir o corpo é o primeiro passo para o esporte seguro e duradouro.
Ao respeitar seus sinais e praticar o autocuidado, cada atleta aumenta suas chances de seguir na atividade física por muitos e muitos anos. Afinal, como sempre digo: não basta correr rápido é preciso correr bem longe, isto vale para todos os esportes pensar na longevidade, saúde física e mental. O verdadeiro sucesso no esporte está em ser longevo, e isso só vem com descanso e cuidados. Ouça seu corpo, pois ele sabe os limites.

