A fadiga parental é o reflexo na saúde emocional das crianças, nunca se falou tanto em cansaço mas há um tipo de exaustão que vai além do corpo, é a fadiga parental, um esgotamento silencioso que atinge mães e pais de todas as idades e classes. É um cansaço que nasce não apenas da correria, mas da sobrecarga emocional de “ter que dar conta de tudo”, quando os pais se esgotam, algo inevitável acontece, os filhos sentem.
Crianças inquietas, irritadas, desatentas, com dificuldade de dormir ou estudar muitas vezes são o espelho de um lar em estado de alerta interminável, a ciência mostra que o sistema nervoso das crianças se regula pelo sistema nervoso dos pais um fenômeno conhecido como coregulação emocional. Quando o adulto perde o equilíbrio, a criança perde o chão.
Vanguarda do Norte: O que é fadiga parental e por que ela é diferente do simples cansaço?
Dr. Ricardo Amaral Filho: Fadiga parental é mais do que estar cansado é um estado de exaustão física, mental e emocional causado pelo esforço contínuo de cuidar, educar e proteger os filhos
sem suporte adequado. A literatura descreve o fenômeno como uma forma específica de
burnout. Um estudo da Frontiers in Psychology (2021) mostrou que pais em fadiga
parental relatam sentimentos de esgotamento extremo, distanciamento emocional dos
filhos e sensação de incompetência no papel de pai ou mãe.
A exigência moderna de “ser perfeito”, “ser produtivo” e “ser presente o tempo todo”
cria um campo complexo de batalhas emocionais invisível dentro de casa.
VDN: Como o cansaço dos pais se reflete no comportamento das crianças?
Dr. Amaral: A neurociência tem como verdade que as emoções são contagiosas, o
cérebro da criança é moldado pela convivência e o principal modelo de regulação
emocional é o comportamento dos pais. Quando o adulto reage com irritação, pressa ou
impaciência, a criança aprende a viver em estado de alerta.
Um simples tom de voz tenso ou olhar impaciente já é suficiente para gerar descarga de
cortisol, o hormônio do estresse.
Esse padrão repetido cria crianças mais ansiosas, impulsivas e inseguras, com maior
risco de desenvolver sintomas como insônia, tiques nervosos e até dor abdominal
funcional (sem causa orgânica).
VDN: Por que os pais de hoje estão tão mais sobrecarregados do que as gerações anteriores?
Dr. Amaral: A tecnologia, o trabalho remoto e as redes sociais ampliaram a sensação de
estar “sempre disponível”, inclusive para os filhos. Mas estar presente não é o mesmo
que estar disponível emocionalmente.
Também uma mudança cultural, onde as famílias nucleares se tornaram ilhas, avós, tios
e vizinhos antes parte do cuidado coletivo foram substituídos por telas, babás digitais e
isolamento a pandemia só intensificou isso pais trancados em casa, tentando trabalhar,
educar e sobreviver emocionalmente o excesso de exigência.
VDN: Que sinais indicam que a fadiga parental passou do limite?
Dr. Amaral: Alguns sinais são claros e merecem atenção:
Irritação desproporcional por coisas pequenas (um brinquedo no chão vira uma
explosão)
Desejo de “fugir” ou se sentir “preso à rotina”
Sentimento constante de culpa (“não sou um bom pai/mãe”);
Dificuldade em sentir prazer com o convívio familiar;
Sintomas físicos: dores de cabeça, tensão muscular, insônia, palpitações;
Falta de paciência e empatia com o próprio filho.
Quando esses sintomas se tornam frequentes, o risco é cair em comportamentos
automáticos e agir no modo “sobrevivência”.
VDN: O que a ciência chama de “co-regulação emocional” e por que isso muda tudo?
Dr. Amaral: A co-regulação emocional é o processo onde o sistema nervoso da criança
se organiza a partir do contato com o sistema nervoso do cuidador.
Quando um bebê chora e o adulto o embala com calma, o corpo da criança aprende que
“é seguro se acalmar”. Esse aprendizado é neurológico literalmente se grava nas
conexões cerebrais.
Se, em vez disso, o adulto reage com tensão, impaciência ou ausência emocional, o
corpo da criança entende que o mundo é imprevisível e perigoso. A longo prazo, isso
gera o que se chama de hiperexcitabilidade do sistema nervoso autônomo, crianças que
reagem demais a pequenos estímulos, têm dificuldade de concentração e maior
vulnerabilidade à ansiedade e à depressão.
A maior ferramenta de regulação de uma criança não é uma técnica de respiração ou um
castigo é o estado interno do adulto que cuida dela.
VDN: E como o movimento e o brincar entram nessa equação?
Dr. Amaral: Crianças inquietas geralmente estão gritando por movimento.
O corpo delas é o canal natural de descarga emocional. Brincar, correr, pular, lutar, cair
e levantar são formas biológicas de autorregulação.
O problema é que os adultos, esgotados, frequentemente substituem o brincar por
telas, na tentativa de ganhar “um pouco de paz”.
Mas o efeito é o oposto: o sedentarismo infantil aumenta a irritabilidade e o déficit de
atenção.
Estudos mostram que crianças que se movem mais apresentam menores níveis de
cortisol e maior regulação emocional.
E o mesmo vale para os pais o exercício físico regular é uma das melhores estratégias
para reduzir a fadiga parental, porque libera endorfinas e reorganiza a percepção do
estresse.
Famílias que “brincam”, que praticam esportes e se movimentam juntas criam laços
neuroemocionais mais fortes do que famílias que apenas “convivem sob o mesmo teto”.
VDN: Como reconstruir o equilíbrio emocional dentro de casa?
Dr. Amaral: Alguns princípios simples, mas poderosos, ajudam a reprogramar o
ambiente familiar:
- Cuidar de si não é egoísmo. É necessário para cuidar bem.
- Desligar-se um pouco é se reconectar depois. Uma pausa de 15 minutos em silêncio
pode mudar o tom de uma noite. - Cuidar do ambiente é cuidar do cérebro. Casas caóticas geram mentes caóticas;
rotinas previsíveis trazem segurança. - Mais olho no olho, menos “scroll infinito”. Atenção plena é o que alimenta o vínculo.
- Dormir bem o sono é o verdadeiro “reset” do sistema nervoso.
O segredo não está em grandes mudanças, mas em micro-hábitos sustentáveis.
VDN: Quando procurar ajuda profissional?
Dr. Amaral: Quando o cansaço vira sofrimento e o cuidado deixa de ser prazer.
Se há irritabilidade constante, sensação de vazio ou culpa persistente, o ideal é buscar
ajuda médica ou psicológica.
A fadiga parental não é fraqueza, é um sinal de sobrecarga. E cuidar de si é o primeiro
ato de amor pelos filhos.
A psicoeducação familiar e práticas como mindfulness, terapia cognitivocomportamental e atividades físicas em grupo (como o Jiu-Jítsu em família) mostra
bons resultados na redução do estresse parental e na melhora da comunicação entre
pais e filhos.
Pais esgotados geram filhos inquietos não por falta de amor, mas por excesso de carga.
O mundo moderno cobra produtividade, presença e paciência, tudo ao mesmo tempo… Isto é possível?
O que as crianças mais precisam não é de um pai perfeito, mas de pais presentes e
equilibrados.
E o que os pais mais precisam é lembrar que, antes de cuidar de um filho, precisam
cuidar de si.

