Ansiedade, estresse, pensamentos acelerados, insônia, irritabilidade. Cada vez mais pessoas estão em estado de alerta constante, seria como se estivessem prestes a enfrentar um perigo que nunca se concretiza. O corpo se contrai, a respiração encurta, o coração dispara e a mente parece não ter um botão de pausa. Mas e se o problema não for o corpo, e sim a forma como o ignoramos? E se a chave para acalmar a mente estiver no movimento e não no repouso?
Com base científica e vivência prática, por que a luta funciona como uma poderosa ferramenta de regulação emocional, ajudando crianças, adultos e idosos a lidar com os desafios, na vida e no mundo moderno. Como o Jiu-Jítsu e outras artes marciais impactam diretamente o sistema nervoso, o equilíbrio mental e o bem-estar emocional mesmo em quem nunca se imaginou “lutando”.
Vanguarda do Norte: As lutas realmente ajudam na saúde mental ou isso é mito?
Dr. Amaral Filho: Com certeza! Lutas como Jiu-Jítsu, Judô, Karatê ou Taekwondo, luta livre, têm impacto real e mensurável na saúde mental. Não se trata apenas de “gastar energia”, mas literalmente de modular o cérebro e as emoções. Estudos mostram que o treino regular ativa circuitos ligados à serotonina, dopamina e endorfina, hormônios que melhoram o humor e reduzem ansiedade e estresse. Praticar luta exige foco, disciplina e presença no momento, criando um efeito semelhante ao do mindfulness e da meditação ativa.
Pesquisas com crianças, adolescentes e adultos demonstram benefícios claros:
– Redução de sintomas de ansiedade e depressão em até 30% após alguns meses de
prática.
– Melhora no controle emocional e na impulsividade, especialmente em jovens e em
pessoas com TDAH.
– Sensação de pertencimento e propósito, que combate o isolamento social.
Em outras palavras, a luta não é só defesa pessoal ou esporte, ela funciona como uma academia emocional, capaz de treinar o corpo e a mente ao mesmo tempo.
VDN: O que muda no corpo e no cérebro de quem pratica artes marciais?
Dr. Amaral: Quando lutamos, há liberação de neurotransmissores como dopamina, serotonina, endorfinas e BDNF, todos são envolvidos na regulação do humor, foco e resiliência ao estresse. O corpo regula melhor o cortisol, o hormônio do estresse crônico.
No longo prazo, há diminuição da frequência cardíaca, redução de inflamações sistêmicas, melhora do sono e do estado de alerta calmo. De certa forma o corpo se torna mais apto a viver em equilíbrio, mesmo sob pressão.
VDN: Por que a luta ensina autocontrole emocional de forma tão eficaz?
Dr. Amaral: Porque cada treino de luta é, um laboratório, se pratica várias emoções. No tatame, existe um paradoxo constante, você precisa reagir com intensidade para atacar ou se defender, mas não pode perder o controle, ou será facilmente dominado. Este exercício fortalece o córtex pré-frontal, a região do cérebro responsável pelo autocontrole e pela tomada de decisões maduras.
Os rituais do treino, cumprimentar o parceiro, respeitar o silêncio, executar as técnicas com disciplina, são âncoras mentais, ensinam a transformar adrenalina em foco, raiva em energia produtiva e medo em atenção plena. No longo prazo, exercitar isto, cria uma mente mais estável, capaz de lidar melhor com desafios dentro e fora do tatame.
VDN: As lutas são indicadas para crianças e adolescentes?
Dr. Amaral: Excelentes! Crianças aprendem melhor quando têm regras claras, rituais e desafios progressivos, e as artes marciais oferecem tudo isso.
Estudos mostram que crianças que praticam luta regularmente apresentam:
– Melhora no foco e na disciplina escolar;
– Redução de comportamentos agressivos e impulsivos, ao contrário do que muitos
imaginam;
– Aumento da autoconfiança e do senso de pertencimento;
Para crianças com TDAH, por exemplo, o tatame é um dos ambientes mais terapêuticos,
ele oferece gasto energético, regras claras e feedback imediato, ensinando o cérebro a
regular emoções e atenção de forma natural.
VDN: E para adultos que vivem sob estresse, funciona?
Dr. Amaral: O adulto moderno vive em constante sobrecarga, excesso de telas, pouco movimento e uma carga interminável de preocupações. Lutar obriga a desligar o piloto automático e entrar em estado de presença… Você tem que estar ali! Durante o treino ou combate, você não pensa na reunião de amanhã, na prova, ou na discussão acalorada com alguém, sua mente está 100% focada no momento. Essa quebra de padrão mental gera um efeito terapêutico comparável à meditação, mas de forma ativa, que muitos adultos preferem do que exercícios estáticos de mindfulness.
VDN: Existe idade máxima para começar?
Dr. Amaral: Não! As artes marciais são adaptáveis, cada uma tem seu limite, evolução e objetivo. Tenho alunos que começaram aos 3 anos e vemos alunos com mais de 65. Com ajustes de intensidade e segurança, a luta é praticada ao longo de toda a vida, oferecendo benefícios físicos, cognitivos e sociais.
Para idosos, práticas mais suaves ou com foco técnico como Jiu-Jítsu recreativo ou Tai Chi, são capazes de melhorar equilíbrio, prevenir quedas, estimular memória e reduzir sintomas depressivos. O mais importante é escolher uma academia que atenda seus objetivos, respeite o seu ritmo e priorize segurança.
VDN: Qual é a diferença entre lutar e fazer outros esportes para a mente?
Dr. Amaral: A luta tem uma característica única, por colocar o corpo em risco controlado. Ao enfrentar um adversário, mesmo que seja um treino, seu cérebro entende que precisa responder à ameaça, e isso ativa o sistema nervoso de forma intensa.
A diferença é que, no tatame, esse estímulo é controlado, ritualizado e repetitivo, o que ensina o cérebro a regular medo, adrenalina e ansiedade. Esportes coletivos, como futebol ou vôlei, trazem socialização e condicionamento físico, mas dificilmente oferecem essa experiência profunda de “montanha russa” emocional e autoconhecimento emocional que se tem quando se luta.
VDN: É possível usar a luta como prevenção de problemas emocionais?
Dr. Amaral: Com toda certeza! A luta é uma ferramenta preventiva e terapêutica para saúde mental, a pratica regular, se constrói:
– Resiliência emocional, ao aprender a lidar com frustrações e derrotas no treino
– Autoconfiança real, baseada em competência física e mental
– Rede social positiva, já que o tatame cria laços fortes e senso de comunidade ou de time
no caso de competidores.
Estudos mostram que quem treina com regularidade tem a menor risco de apresentar ansiedade, depressão e estresse crônico, por desenvolver um equilíbrio interno que a vida moderna não oferece ou pouco proporciona.
VDN: O que é preciso entender para começar? É preciso ser “forte” ou “destemido”?
Dr. Amaral: Não. De forma alguma! É preciso apenas coragem para dar o primeiro passo, que é sempre o mais difícil. O de começar! O de se permitir!
As artes marciais não são feitas só para quem quer competir. Elas são, um caminho de autoconhecimento e cuidado com a mente e o corpo.
No tatame, você vai encontrar professores, colegas e desafios. Vai cair, levantar, rir, cansar e sair dali mais leve emocional e fisiologicamente.
A ansiedade não se vence fugindo dela, ou “varrendo para baixo do tapete”, mas enfrentando-a com presença, disciplina e coragem.
As artes marciais oferecem isso, um ritual estruturado onde o caos interno encontra paz, respiração e foco, moldam e podem ser parte de tratamentos e terapia.
Lutar não é sobre violência. É sobre treinar o corpo para ensinar à mente que nem todo medo é intransponível! É sobre aprender que o controle não está em evitar o conflito, mas em saber o que fazer quando ele aparece. Saber defender-se e saber não reagir quando não necessário.
Quando você treina, sua mente descansa. Funciona como dar im “reset” no cérebro. Quando você se movimenta, seu sistema nervoso reorganiza. E quando você encara a luta com serenidade, aprende a viver com mais equilíbrio.
Ricardo Amaral Filho (@amaralfilho)
Médico de Família e Comunidade
Médico do Esporte | Mestre em Educação
White House Jiu-Jitsu | Manauara EC