O jiu-jítsu moderno exige cada vez mais INTENSIDADE e portanto preparo físico, inteligência no treino e respeito aos limites do corpo são fundamentais. Mas por que alguns atletas conseguem evoluir tanto em tão pouco tempo, enquanto outros travam, mesmo treinando com disciplina? Fazem o mesmo treino e desenvolvem diferente?
Encontramos as respostas na ciência do treinamento esportivo que estuda não apenas o movimoento. Princípios como individualidade biológica, sobrecarga progressiva, periodização e adaptação fisiológica são fundamentais para a construção de uma performance sólida e sustentável. Entender como o corpo responde aos estímulos certos, no tempo certo, é um dos segredos para romper platôs e atingir o alto nível técnico e físico.
A ciência já demostrou que programas de preparação física bem estruturados podem reduzir em até 40% o risco de lesões e melhorar de forma significativa a performance neuromuscular em esportes de combate. No jiu-jítsu, onde a combinação de força, resistência, flexibilidade e explosão é constantemente exigida, aplicar esses princípios faz toda a diferença.
Convidamos o Professor Fontes (@fontesjuniorpersonal) que também é faixa preta, referência nacional em preparação física voltada ao jiu-jítsu competitivo para responder algumas das duvidas mais comuns do tema. Sua atuação com atletas de alto rendimento traz uma visão prática, atualizada e baseada em evidência sobre o que realmente funciona dentro e fora dos tatames.

Dr. Amaral: Quais metodologias você utiliza para desenvolver força explosiva em atletas de
jiu-jítsu?
Professor Fontes: Para o desenvolvimento da força especial nas modalidades de combate, utilizamos o treinamento resistido com pesos, com destaque para o Levantamento de Peso Olímpico (LPO). Essa modalidade permite desenvolver todas as valências físicas exigidas no jiu-jítsu, dentro de uma periodização tradicional.
Dr. Amaral: Como adaptar o treino com pesos para evitar perda de mobilidade no jiu-jítsu?
Professor Fontes: Dentro do treinamento resistido, existem zonas de repetição específicas para cada finalidade: força máxima, resistência de força, força isométrica e hipertrofia. Cada atleta desenvolve a valência que necessita, com base em avaliações funcionais e antropométricas. Os treinos de mobilidade e drills são indispensáveis para manter a mobilidade e também colaboram na prevenção de lesões.
Dr. Amaral: O treinamento funcional é indispensável para o jiu-jítsu? Por quê?
Professor Fontes: Todo treino pode ser considerado funcional, desde que traga benefícios para a modalidade. Nosso foco é interpretar os gestos técnicos e motores do jiu-jítsu e selecionar exercícios com a mais alta taxa de transferência, estruturando-os de maneira compatível com as demandas energéticas da luta, replicando suas principais nuances.
Dr. Amaral: Como você estrutura a periodização da força em atletas que competem com
frequência?
Professor Fontes: Isso depende do histórico de treinamento de cada atleta. No jiu-jítsu, o atleta costuma ter vários picos de performance ao longo do ano. Em geral, a ênfase maior é nos períodos pré-competitivo e competitivo, com foco na manutenção das capacidades motoras desenvolvidas durante a pré-temporada.
Dr. Amaral: Existem diferenças no trabalho físico entre categorias mais leves e mais pesadas?
Professor Fontes: Não necessariamente entre as categorias. O objetivo é desenvolver o máximo de força e velocidade em qualquer peso. As diferenças são consideradas com base no perfil do atleta e no tipo de competição (Gi ou No Gi), respeitando sempre os princípios da individualidade biológica e da especificidade.
Dr. Amaral: Como integrar a preparação física com o treino técnico e tático da equipe?
Professor Fontes: Através do feedback diário do treinador e dos próprios atletas. Nos períodos pré-competitivo e competitivo, a intensidade dos treinos aumenta e o volume
diminui, respeitando o princípio da interdependência entre volume e intensidade, para
manter o atleta em pico de performance.
Dr. Amaral: Com qual idade o atleta de jiu-jítsu deve iniciar a preparação física?
Professor Fontes: A partir do momento em que ele realiza duas ou mais sessões de treino de jiu-jítsu por dia e já participa de competições. Vale lembrar que o treinamento de força é seguro e recomendado para todas as idades, com inúmeros benefícios.
Dr. Amaral: A musculação ou a preparação física na infância e adolescência atrapalham o
crescimento? Mito ou verdade?
Professor Fontes: Mito. Esse é um dos maiores equívocos sobre o treinamento. Estudos recentes mostram que o treinamento de força promove o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes: aumento da densidade mineral óssea, da massa magra, melhora das habilidades motoras, da cognição e da qualidade do sono.
Vanguarda do Norte: Como o princípio da individualidade biológica se aplica à prática médica no jiu-jítsu?
Dr. Amaral: Na medicina esportiva, respeitar a individualidade biológica significa entender que cada atleta responde de forma única aos estímulos de treino, ao estresse competitivo e aos processos de recuperação. Analisar todas variáveis a exemplo de idade biológica (não apenas cronológica), composição corporal, histórico de lesões, momento psicológico, proximidade de competição classificando também o grau de importância, genética e até relações familiares, afetivas o ambiente em que o atleta está inserido. No jiu-jítsu, atletas com o mesmo tempo de treino podem ter necessidades completamente diferentes, quer seja em relação ao volume de rola, à carga da preparação física ou ao tempo de recuperação. A prática médica deve adaptar-se a isso, promovendo um acompanhamento personalizado e preventivo apoiando a equipe multidisciplinar na prevenção de lesões, observando a saúde mental, no balanceio energético de cargas a periodização e recuperação. Vasta bibliografia demostra que a personalização das intervenções médicas e físicas maximiza o desempenho atlético e reduz significativamente o risco de lesões e a temida estagnação. Ou seja, a medicina esportiva não pode ser baseada em protocolos fixos, mas em estratégias adaptáveis a cada atleta real, e não ao atleta ideal ou dos sonhos.
VDN: Quais cuidados médicos são essenciais durante fases de sobrecarga nos treinos?
Dr. Amaral: Nos treinos mais intensos, como nas semanas que antecedem campeonatos ou em fases de aumento de carga física, o corpo e mente do atleta tem maior exigência. É nesse momento que o acompanhamento médico deve ser mais estreito, com olhar em prevenir lesões, controlar o cansaço excessivo e garantir uma boa recuperação. Alguns dos principais cuidados:
– Observar sinais de alerta, como queda de desempenho, insônia, irritabilidade, dores persistentes ou desmotivação (são sinais precoces de que o corpo pode estar sobrecarregado).
– Considerar a boa recuperação como parte do treino, com atenção ao sono, alimentação, hidratação e pausas ativas. Dormir mal, comer de forma inadequada ou negligenciar o descanso aumenta o risco de lesões e queda no rendimento.
– Avaliação médica regular, com exames clínicos e quando necessário laboratoriais afim de monitorar a saúde do atleta com um olhar ampliado.
– Considerar estratégias de recuperação, como liberação miofascial, crioterapia, técnicas de relaxamento, yoga, fisioterapia, acupuntura, hipnose, massagem esportiva e variações no volume de treino (chamados “deloads”). Hoje já é incontestável, atletas que seguem rotinas de recuperação integradas: físicas, mentais, nutricionais e espirituais, conseguem manter a performance por mais tempo e se proteger melhor contra o overtraining. De maneira simples a prevenção médica em fases de carga alta não é só para evitar lesão, também para garantir que o corpo tenha as condições necessárias para evoluir sem entrar em colapso. A dica é treinar forte e recuperar bem, descansar faz parte do treino.
A alta performance no jiu-jítsu não nasce do acaso. Ela é construída com estratégia, ciência e atenção aos detalhes. A preparação física, quando bem orientada, é uma ferramenta poderosa para elevar o nível técnico e proteger a integridade do atleta. O caminho do alto rendimento passa por treino inteligente, adaptação individual e integração entre as áreas. O jiu-jítsu competitivo do futuro será liderado por quem souber treinar com inteligência, não apenas com intensidade. Na próxima semana traremos Overtraining, Overreaching e Fair Play no esporte infantil.
Dr. Ricardo Amaral Filho (@amaralfilho)
Mestre em Educação e Saúde | Médico de Família e Comunidade | Medicina do Esporte.