O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um dos transtornos neurodesenvolvimentais mais comuns na infância, com prevalência global em crianças estimada de 5% a 7% . Normalmente reconhecida por sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade que vão muito além do comportamento esperado para a idade, podendo causar prejuízos no desempenho escolar, na vida social e familiar. O TDAH normalmente persiste na vida adulta, exigindo cuidados de longo prazo. Os tratamentos convencionais incluem medicações e terapias comportamentais.
O movimento e a atividade física são aliados poderosos, diversos estudos científicos demonstram que exercitar o corpo traz benefícios significativos para o cérebro e o comportamento de pessoas com TDAH. Existem especialistas que entendem que devemos “encarar o exercício como um remédio” coadjuvante para o TDAH . Não é trocar os tratamentos convencionais pela atividade física! Sim somar, integrar o esporte e o brincar ativo como parte da terapia, potencializando os resultados e melhorando a qualidade de vida.
Vanguarda do Norte: Por que dizem que “movimento é remédio” para o TDAH? A atividade física pode realmente ajudar no tratamento?
Dr. Amaral: A frase “movimento é remédio” A atividade física atua como um tratamento complementar para o TDAH. É claro que não é um “remédio” no sentido tradicional, não vem em pílulas não substitui a elas quando necessárias, mas apresentam benefícios terapêuticos.
Quando nos exercitamos, “liga” o sistema de atenção do cérebro, fortalecendo as funções executivas, que incluem planejar, organizar, lembrar das coisas, controlar impulsos, que costumam ser deficientes no TDAH. Especialistas recomendam fortemente que crianças com TDAH pratiquem atividade física de forma rotineira, como parte do tratamento integrado.
VDN: Que evidências científicas existem de que a atividade física realmente beneficia
pessoas com TDAH?
Dr. Amaral: Estudos e meta-análises recentes mostram que a atividade física reduz significativamente sintomas de desatenção e hiperatividade em crianças com TDAH, sendo considerada um tratamento alternativo eficaz, inclusive para melhorar a interação social. Diversos exercícios, especialmente os que envolvem tomada de decisão e movimentos variados, como artes marciais, melhoram funções executivas, atenção e controle inibitório. As atividades aeróbicas simples, como caminhar ou pedalar, também demonstram impactos positivos na concentração e na impulsividade.
Por exemplo, após 20 minutos de bicicleta ergométrica, crianças com TDAH tiveram melhor desempenho imediato em testes de leitura e matemática, comparado a quando ficaram apenas sentadas lendo. Um estudo citado no Washington Post mostrou que uma breve caminhada rápida de 20 minutos melhorou o foco por até uma hora.
Os benefícios já aparecem em pouco tempo, 6 semanas de futebol melhoraram a função executiva de meninos com TDAH, 8 semanas de natação resultaram em avanços na saúde mental, coordenação e cognição.
A ciência demonstra que a atividade física melhora atenção, autocontrole, memória operacional, desempenho escolar e habilidades sociais em crianças com TDAH. O transtorno é crônico, não tem “cura”, mas o exercício regular é um fator de proteção importante no manejo dos sintomas.
VDN: Como o exercício físico atua no cérebro de quem tem TDAH? O que está
acontecendo biologicamente quando nos movemos?
Dr. Amaral: A atividade física provoca uma verdadeira cascata de efeitos benéficos no cérebro – é como se fosse uma “turbinação” natural do cérebro, em seu funcionamento, no caso do TDAH, isso é especialmente relevante porque ajuda a compensar algumas das diferenças neurobiológicas presentes no transtorno.
Quando nos exercitamos, nosso cérebro libera endorfinas, que são hormônios do “bemestar”, diminuindo o estresse e a ansiedade, também tem um aumento nos níveis de dopamina e noradrenalina no cérebro, neurotransmissores que regulam atenção, motivação e controle de impulsos. Pessoas com TDAH é típico ter menos dopamina disponível em algumas áreas cerebrais, é por isso que aquela estimulantes que aumentam dopamina e noradrenalina ajudam a focar. O exercício é semelhante de forma natural, após uma sessão de atividade, o cérebro fica com mais destes neurotransmissores, melhorando mesmo que temporariamente a capacidade de concentração e regulação do comportamento.
No longo prazo, a prática regular de exercícios induz a chamada neuroplasticidade, a capacidade do cérebro de se remodelar, atividade física frequente estimula a produção de BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro), uma proteína que favorece o crescimento de neurônios e conexões cerebrais. Portanto crianças ativas podem desenvolver mais circuitos cerebrais e eficientes, incluindo as regiões responsáveis por atenção e planejamento. Estudos de neuroimagem mostram mudanças positivas em áreas do cérebro, de forma simples, o exercício “fortalece” as conexões cerebrais, assim como fortalece músculos, melhorando a comunicação entre os neurônios.
Biologicamente o exercício traz uma combinação de efeitos químicos (neurotransmissores), estruturais (novas conexões) e funcionais (treino de habilidades cognitivas) que explicam por que a atividade física é tão benéfica para o cérebro em desenvolvimento, especialmente o cérebro com TDAH.
VDN: A atividade física pode substituir os remédios no tratamento do TDAH? Ou é mais
um complemento mesmo?
Dr. Amaral: Recomenda-se, a atividade física como complemento e até como parte do tratamento, não como substituto da medicação. Os melhores resultados geralmente
vêm da combinação de abordagens.
Devemos entender que a medicação e o exercício atuam em frentes diferentes e sinérgicas (elas somam). Os medicamentos têm um efeito mais imediato e direto em neurotransmissores para reduzir sintomas na escola e em casa. Já a atividade física tem efeitos mais abrangentes e de longo prazo, melhora a saúde geral, regula o sono, diminui a ansiedade, além de também ajudar na atenção. Em minha experiência considero o exercício como um “terceiro pilar” do tratamento, junto com a medicação (quando indicada) e a terapia, psicoeducação. Não é recomendável simplesmente trocar os remédios pela atividade física sem orientação! Qualquer medicamento para ser retirado ou iniciar o uso deve ter acompanhamento médico!
VDN: Existe algum tipo de exercício ou esporte que seja “melhor” para crianças com
TDAH? Que atividades físicas você recomendaria?
Dr. Amaral: Qualquer atividade física que a criança goste e consiga praticar com regularidade vai ser benéfica. A regra número um é escolher algo que goste, pois assim será mais fácil manter e criar o hábito. Existem pesquisas sugerem que alguns tipos de exercício oferecem benefícios
específicos para o TDAH:
– Atividades aeróbicas rítmicas: Exercícios como correr, andar de bicicleta, pular corda, nadar ou mesmo jogos ativos de correr e pegar são excelentes para gastar energia e melhorar a atenção de forma geral. Eles elevam bastante a frequência cardíaca e promovem a liberação de neurotransmissores. Estudos indicam que atividades aeróbicas regulares tendem a reduzir os sintomas de hiperatividade e desatenção quando praticadas consistentemente .
– Esportes coletivos e jogos competitivos como futebol, basquete, handebol, queimada e outras brincadeiras de grupo são ótimas porque, além do exercício físico, envolvem interação social, seguir regras e estratégia. A criança precisa prestar atenção constante no jogo (onde está a bola, o que os colegas estão fazendo), o que treina foco e flexibilidade cognitiva (mudar de tática conforme o jogo). Pesquisas demonstram que esportes que exigem reação e contém imprevisibilidade são os que mais aprimoram as funções executivas como controle inibitório e tomada de decisão e também melhoraram habilidades sociais e dão à criança um senso de pertencimento, fundamental para sua autoestima.
– Artes marciais como, Jiu-jítsu Judô, karatê, taekwondo, capoeira ou mesmo práticas como yoga e ballet, ginástica artística são frequentemente apontadas como benéficas para crianças com TDAH. Nessas atividades, a ênfase está na disciplina, atenção plena ao corpo e regras à sequência de movimentos. A criança aprende a controlar impulsos (não pode se mexer antes da hora, por exemplo), a ter autocontrole e persistência para ganhar novas habilidades graduais (faixas, coreografias). Muitos pais relatam melhora importante na concentração dos filhos após inseri-los em artes marciais, como o Jiujítsu além do ganho em disciplina e respeito.
Não há um único esporte como o melhor “remédio”… o exercício mais indicado será aquele que a criança se diverte fazendo e, dando preferência, aos que tem movimento vigoroso e desafio à atenção.
Vale lembrar que toda criança e adolescentes devem fazer pelo menos 60 minutos diários de atividade física moderada a vigorosa. No caso do TDAH, atingir ou superar essa meta diária faz uma diferença enorme no controle de sintomas.
VDN: Quais os impactos da atividade física no humor e no comportamento das crianças
com TDAH, além da atenção?
Dr. Amaral: Os benefícios do exercício vão além de melhorar foco e desempenho escolar, também impacta positivamente no humor, a ansiedade e o comportamento em geral de crianças e adultos com TDAH. A liberação de endorfinas e serotonina durante a atividade física gera uma sensação de bem-estar e relaxamento após o exercício .
Crianças com TDAH frequentemente acumulam tensão, ficar sentado tentando se concentrar quando se é hiperativo gera estresse interno. Ao se movimentar, elas liberam essa tensão e tendem a ficar mais calmas e bem-humoradas. Muitos pais dizem que após brincar no parque ou praticar esporte, a criança volta para casa “mais leve”, menos irritada.
Exercitar-se ensina, na prática, a lidar com vitórias e derrotas, a seguir regras, a esperar turnos, habilidades que se transferem para o convívio. Com a melhora na regulação da dopamina e outros neurotransmissores, a criança consegue inibir melhor respostas impulsivas. Pesquisas já mostraram redução de comportamentos desafiadores em crianças com TDAH inseridas em no esporte comparadas as fora.
O humor também se equilibra. O exercício tem efeito antidepressivo conhecido, aumenta a sensação de prazer, melhora a qualidade do sono e dá uma sensação de conquista pessoal. Para crianças com TDAH, que às vezes se sentem “sempre erradas” na escola, conseguir cumprir uma meta física (como correr X voltas, aprender um golpe novo de judô, marcar um gol) é uma vitória que eleva a autoestima. Elas passam a perceber suas capacidades, não apenas suas dificuldades. Esse ganho de confiança é notório no dia a dia com melhor humor e disposição.
O aspecto social e inclusão. Muitas crianças com TDAH se sentem isoladas ou diferente dos colegas por causa do comportamento. A atividade física, especialmente em grupo, ajuda na inclusão, é no time de futebol, na aula de dança ou no tatame de Jiu-jítsu que elas fazem amigos, sentem-se parte de algo. Isso reflete em menos comportamento opositor em casa, menos birras, porque a criança se sente mais feliz e pertencente.
Uma vida ativa dá menos espaço para o tédio e cria uma rotina positiva. Corpo em movimento, mente em equilíbrio, a criança gasta energia física e, como retorno, ganha tranquilidade mental. Esse equilíbrio repercute em todo seu comportamento, mais sorrisos, menos irritação, mais confiança, menos ansiedade.
O movimento é remédio no cuidado do TDAH não apenas hipoteticamente, mas com base em sólidas evidências científicas, atividade física regular se mostra como uma das intervenções mais acessíveis, saudáveis e eficazes para compor o cuidado integral de crianças e adolescentes com TDAH. Além de melhorar a atenção e reduzir a hiperatividade, o exercício promove bem-estar, inclusão e desenvolvimento humano, aspectos que nenhum comprimido isolado conseguira alcançar.
Nas próximas semanas, seguiremos no tema TDAH e atividade física aqui na coluna Saúde em Movimento. Lembre-se, cada passo, cada pulo, cada pedalada conta no cuidado integral, porque movimentar o corpo é também cuidar da mente e do coração.
Até a próxima semana!
Dr. Ricardo Amaral Filho (@amaralfilho)
Mestre em Educação e Saúde | Médico de Família e Comunidade | Medicina do Esporte.