Consumir bebidas alcoólicas é um costume muito presente na cultura Brasileira e mundial, nosso estado não poderia ser diferente e usualmente o amazonense gosta de ter uma, “birita”, “gelada” ou Goró” nas celebrações, momentos de lazer e confraternizações. Porém, o que muitas vezes parece ser um hábito inofensivo pode ter consequências sérias e até prejudiciais a saúde. O alcoolismo, é caracterizado pelo consumo excessivo e repetitivo de álcool, é uma condição complexa, de difícil manejo, que afeta não apenas o usuário, existe também o adoecimento familiar, social por criar problemas laborais e as relações sociais.
Podemos comparar os impactos do álcool a um iceberg: o que é visível acima da superfície representa apenas uma pequena parte do problema… A maior e mais complexa permanece submersa, muitas vezes invisível ou incompreendida. Esses impactos ocultos abrangem não apenas ao organismo da pessoa, também tem repercussões marcantes nas relações familiares, no convívio social e na esfera pública. Também, exigem políticas públicas eficazes e geram altos custos ao erário, destacando a necessidade de ações preventivas e de tratamento.
O etilista compromete órgãos vitais como o fígado, o cérebro e o coração, aumenta os riscos de doenças crônicas e câncer, e afeta diretamente saúde mental, desenvolvimento de quadros de ansiedade, depressão e em casos alguns casos demência. Mesmo os riscos biológicos e sociais, serem amplamente conhecidos e divulgados, o consumo excessivo de álcool ainda é subestimado, especialmente devido à sua ampla aceitação social sendo um problema de saúde pública.
Na primeira parte deste artigo, vamos responder sobre os principais danos causados pelo alcoolismo no organismo trazendo informações para apoio e conscientização dos perigos, a importância da prevenção e propor estratégias práticas para vencer esta doença, ajudando aqueles que necessitam e suas famílias a buscar uma vida saudável e equilibrada.
Vanguarda do Norte: Quais são os danos mais comuns do alcoolismo no fígado?
Dr. Amaral: O fígado é o órgão que é diretamente impactado pelo consumo de álcool, porque é o responsável por metabolizar e eliminar o etanol do organismo. Nesse processo, o álcool é transformado em substâncias tóxicas, como o acetaldeído, que causam inflamação e danos às células hepáticas. Esses efeitos se acumulam e podem levar em uma série de problemas, mais graves.
Inicialmente, o álcool pode causar a doença hepática gordurosa alcoólica (acúmulo de gordura no fígado). Neste momento ainda reversível e até assintomático, mas que, pode evoluir para a hepatite alcoólica. Essa inflamação do fígado pode causar sintomas como dor na parte superior do abdômen, perda de apetite, náuseas e icterícia (pele e mucosas amareladas) Momento que já sugere complicações mais graves.
Continuando o consumo abusivo, pode ocorrer a cirrose hepática, que é um estado irreversível em que o tecido saudável do fígado passa a ter “cicatrizes” (fibrose), que comprometendo suas funções como órgão (a produção de proteínas essenciais, a coagulação sanguínea e a eliminação de toxinas do corpo). A cirrose também pode levar a complicações perigosas, como hipertensão portal (aumento da pressão nos vasos sanguíneos do fígado), varizes esofágicas que podem causar hemorragias fatais, ascite (acúmulo de líquido na cavidade abdominal) e maior suscetibilidade a infecções graves.
Outro risco é desenvolver câncer hepático, principalmente em indivíduos que já têm cirrose. O consumo contínuo de álcool aumenta o estresse oxidativo e as alterações celulares que favorecem o surgimento de tumores malignos.
Vale ressaltar que os danos do fígado são, na maioria das vezes, silenciosos em suas fases iniciais e as pessoas só percebem os efeitos quando o órgão já está com comportamento severo. Fato que demonstra ser essencial a conscientização dos riscos do consumo de álcool.
A boa notícia é que, na fase inicial da doença hepática gordurosa, pode-se reverter os danos e restaurar a saúde do fígado. Não deixe de procurar seu médico para apoio e tratamento desta situação.
VDN Como o consumo de álcool pode afetar o sistema digestivo e quais problemas ele pode causar?
Dr Amaral: O consumo de álcool, de forma prolongada, tem um grande impacto em todo o sistema digestivo, da boca até o intestino. O álcool pode lesionar os tecidos sensíveis do trato digestivo, interferir na digestão e causando uma série de complicações, tanto imediatas e de longo prazo.
Na boca e no esôfago, o álcool leva a irritação e inflamação, aumentando o risco de refluxo gastroesofágico, que ocorre quando o ácido do estômago vai para o esôfago, causando sintomas a exemplo de azia, dor e sensação de queimação. Além disso, o uso crônico de álcool associa-se a maior risco de câncer de boca, esôfago e laringe.
Já no estômago, o álcool pode levar a gastrite (inflamação da mucosa gástrica), levando a dor abdominal, náuseas, vômitos e sensação de estômago “pesado”. Em casos mais graves, pode resultar em úlceras gástricas, podendo estar associado a hemorragias internas e anemia. O álcool também interfere na produção de suco gástrico, prejudicando a digestão e tornando o estômago mais vulnerável a infecções bacterianas, por exemplo à bactéria Helicobacter pylori.
No intestino delgado, diminui a a absorção de nutrientes, como vitaminas (A, B1, B12, ácido fólico) e minerais (cálcio e magnésio). Podendo levar à desnutrição, mesmo em pessoas que consomem uma dieta teoricamente ideal. O consumo excessivo de álcool também traz alterações na flora intestinal, favorecendo o crescimento de bactérias prejudiciais e aumentando o risco de doenças inflamatórias intestinais, como síndrome do intestino irritável.
No pâncreas, o álcool pode fazer crises de pancreatite, (inflamação grave que pode ser aguda ou crônica). A pancreatite aguda provoca dores abdominais intensas sendo uma emergência médica que pode levar a complicações graves. Já a pancreatite crônica tem danos irreversíveis ao pâncreas, afetando a capacidade de produzir as enzimas digestivas e insulina, podendo também levar ao desenvolvimento de diabetes.
O álcool também está ligado ao aumento de gases, inchaço abdominal, diarreia e constipação. Esses sintomas podem parecer inofensivos, mas, com o tempo, podem indicar alterações no funcionamento do trato digestivo, é evidente que o consumir álcool afeta diversas partes do sistema digestivo, podendo causar de desconfortos leves até doenças graves e fatais. Converse com seu Médico de Família sobre a interrupção ou redução do consumo de álcool pois é fundamental para saúde.
VDN: Como o consumo de álcool afeta o sistema cardiovascular e quais são as complicações mais frequentes?
Dr Amaral: O álcool tem efeitos impactos importantes no sistema cardiovascular, podendo causar uma série de complicações graves no coração e nos vasos sanguíneos. Mesmo algumas pesquisas sugerindo que pequenas quantidades de álcool poderiam oferecer benefícios cardiovasculares, existem estudos recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras instituições levando a crer que não há nível seguro de consumo. E o potencial de danos são maiores que qualquer possível benefício, especialmente quando o álcool é consumido em excesso.
Impactos diretos no coração e vasos sanguíneos:
Hipertensão arterial: O consumo excessivo de álcool aumenta a liberação de hormônios do estresse, que promovem a contração dos vasos sanguíneos, levando a elevação da pressão arterial.
A hipertensão é um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares, como infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
Alteração nos níveis de colesterol e triglicerídeos: O álcool aumenta o colesterol LDL (colesterol “ruim”) e triglicerídeos no sangue, além de reduzir o colesterol HDL (colesterol “bom”), o desequilíbrio favorece a formar de placas de gordura nas paredes das artérias (aterosclerose), diminuindo a luz do vaso e portanto também o fluxo sanguíneo para órgãos vitais, como o coração e o cérebro.
Miocardiopatia alcoólica: O consumo crônico e abusivo de álcool pode enfraquecer o músculo do coração, que se torna incapaz de bombear sangue com eficácia, causando à insuficiência cardíaca, podendo ter sintomas como falta de ar, inchaço nos membros inferiores e fadiga extrema.
Impactos no ritmo cardíaco:
Arritmias cardíacas: O álcool pode gerar alteração na condução elétrica do coração, causando batimentos irregulares, como fibrilação atrial (uma das arritmias mais comuns em consumidores crônicos de álcool). Essas arritmias aumentam o risco de formação de coágulos, que podem se deslocar e causar AVC (Acidente Vascular Cerebral) isquêmico.
Taquicardia alcoólica: Em alguns casos, o consumo excessivo, mesmo que episódico, pode ocasionar um aumento temporário e perigoso na frequência cardíaca, também conhecido como “síndrome do coração de férias”.
Risco de AVC (Acidente Vascular Cerebral):
O álcool aumenta do risco de AVC tanto isquêmico (causado pela obstrução de artérias que irrigam o cérebro) quanto hemorrágico (causado pelo rompimento de vasos sanguíneos que irrigam o cérebro). O isquêmico está relacionado à hipertensão arterial e à formação de coágulos, enquanto o hemorrágico ocorre devido ao enfraquecimento das paredes dos vasos sanguíneos causado pelo álcool.
Danos ao endotélio vascular:
O endotélio é a camada interna dos vasos sanguíneos responsável por regular a dilatação e a contração dos vasos, além de proteger contra a formação de coágulos. O álcool danifica o endotélio, aumentando a rigidez das artérias (arteriosclerose) e fazendo os vasos serem mais propensos a rupturas e obstruções.
Efeitos indiretos no sistema cardiovascular:
Além dos impactos diretos, o consumo excessivo de álcool contribui para aparecimento de fatores de risco que agravam as doenças cardiovasculares:
Obesidade: Bebidas alcoólicas são calóricas, e frequentemente contribui para o ganho de peso, que é um fator de risco para hipertensão, diabetes e doenças cardíacas.
Sedentarismo: O consumo de álcool muitas vezes está associado a hábitos de vida pouco saudáveis, como falta de exercícios físicos, o que agrava os riscos cardiovasculares.
Diabetes: O álcool tem interferência na regulação do açúcar (glicose) e aumenta a resistência à insulina, crescendo o risco de diabetes tipo 2, que também está diretamente relacionada a problemas cardíacos.
Complicações de longo prazo:
O uso prolongado de álcool aumenta o risco de insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio, aneurismas e morte súbita cardíaca. Podendo também agravar doenças cardíacas preexistentes, reduzindo a qualidade e a expectativa de vida.
Prevenção e conscientização:
É essencial limitar o consumo de álcool ou evitá-lo completamente! Indivíduos com histórico de doenças cardiovasculares, hipertensão ou fatores de risco, como obesidade e diabetes, devem ser mais cautelosos. Mudanças no estilo de vida, como alimentação equilibrada, prática de exercícios e controle do estresse, também desempenham um papel crucial na prevenção de problemas cardíacos associados ao álcool.
De maneira geral, o álcool exerce uma influência complexa e prejudicial sobre o sistema cardiovascular. Reconhecer esses riscos é o primeiro passo para adotar um estilo de vida mais saudável.
VDN: De que maneira o consumo de álcool afeta o sistema nervoso central e quais são os impactos a curto e longo prazo?
Dr Amaral: O consumo de álcool afeta profundamente o sistema nervoso central (SNC), sendo um dos principais alvos da substância no organismo! O álcool atua como um depressor do SNC, interferindo na comunicação entre os neurônios e altera as funções cerebrais, desde a coordenação motora até nas capacidades cognitivas e emocionais, causando efeitos que podem variar de temporários, após uma única ingestão, a danos graves e permanentes em casos de uso abusivo e prolongado.
Impactos a curto prazo:
O álcool é rapidamente absorvido pela corrente sanguínea e atinge o cérebro, alterando os neurotransmissores responsáveis pela comunicação entre as células nervosas. Inicialmente, o álcool aumenta a liberação de dopamina, um neurotransmissor associado à sensação de prazer, o que explica a sensação inicial de euforia e relaxamento. Porém, com o aumento do consumo podemos ter:
Coordenação motora prejudicada: O álcool interfere no cerebelo, que é responsável pelo equilíbrio e pela coordenação, causando dificuldades em andar, falar claramente e realizar movimentos com precisão.
Alteração no julgamento e autocontrole: O álcool deprime as funções do lobo frontal, resultando em comportamento impulsivo, redução do senso de perigo e tomadas de decisão arriscadas.
Problemas de memória: Bebida alcoólica pode levar a lapsos temporários de memória, conhecidos como “blackouts”, que a pessoa não consegue lembrar o que aconteceu enquanto estava sob efeito do álcool.
Conclusão desta primeira parte:
O consumo excessivo de álcool tem impactos incontáveis no organismo, comprometendo tanto o sistema digestivo quanto o cardiovascular como tratado hoje. No sistema digestivo, pode causar inflamações, úlceras, refluxo, lesões no fígado e no pâncreas, além de interferir na absorção de nutrientes essenciais. Danos que afetam diretamente a qualidade de vida e podem levar a complicações graves, como pancreatite e cirrose hepática.
No sistema cardiovascular, o álcool contribui para o aumento da pressão arterial, alterações nos níveis de colesterol, arritmias, insuficiência cardíaca… Também aumenta o risco de infartos e acidentes vasculares cerebrais, exacerbando os perigos para a saúde no longo prazo.
Mesmo essas condições possam parecer assustadoras, a conscientização é o primeiro passo para na mudança. Reduzir e ou evitar o consumo de álcool e adotar hábitos saudáveis são estratégias fundamentais para proteger seu organismo e relações sociais.
Porém infelizmente os efeitos do álcool não param por aqui, e na próxima semana, abordaremos como ele impacta o sistema nervoso central e a saúde mental, explorando os danos ao cérebro, à memória e até as emoções, e por que esses impactos merecem tanta atenção quanto os efeitos físicos. Continue acompanhando o VDN e a coluna “Saúde e Movimento” para descobrir como cuidar da sua saúde de forma integral. Bom fim de semana e até lá!
Dr. Ricardo Amaral Filho (@amaralfilho)
Mestre em Educação e Saúde | Médico de Família e Comunidade | Médico do Esporte.