A saúde bucal tem um papel fundamental na vida de todos e não poderia ser diferente
com os atletas. Problemas como cáries, infecções gengivais ou disfunções na
articulação temporomandibular podem gerar dor e desconforto, prejudicando a
concentração, performance e a motivação, no esporte de alto rendimento, onde cada
detalhe é a diferença, mesmo o que parece um pequeno incômodo pode interferir na
performance.
É de domínio de todos que a má condição bucal pode afetar a saúde como
um todo, infecções na boca podem chegar até coração, como exemplo, manter a boca
saudável não é apenas uma questão de sorriso bonito, e sim de cuidar de si e maximizar
a capacidade de treino e performance.
A clínica odontológica dos Jogos Olímpicos de Londres 2012, teve o alarmante resultado de sues dados, 55% dos atletas examinados apresentavam cáries, 76% gengivite, e 18% relataram que problemas bucais tiveram impacto negativo em seus treinamentos e desempenho. Muito triste chegarmos a conclusão de que, quase um em cada cinco atletas olímpicos poderia ter tido uma performance melhor se à saúde bucal fosse entendida também como prioridade quando se fala em saúde.
Diante disso, trouxemos algumas das principais dúvidas de atletas, treinadores, pais
sobre o assunto com a colaboração da Dra. Melissa Kavati Amaral, Cirurgiã-Dentista,
Especialista em Ortodontia, Prótese, Dentística.
Dr Amaral: Por que a saúde bucal é tão importante para atletas? Problemas nos dentes
podem mesmo afetar o desempenho em campo ou na quadra?
Dra Melissa Kavati Amaral: com toda certeza, seja qual for a modalidade do atleta, se é
amador ou profissional, a saúde bucal influencia diretamente o desempenho esportivo e
o bem-estar do atleta podendo estar associado a pior recuperação física e fadiga.
Estudos apontam que 30% dos atletas profissionais relatam que a saúde oral impacta
na qualidade de vida, 18% relataram prejuízo nos treinos e performance por problemas
dentários . Dores de dente, inflamações na gengiva ou mesmo uma infecção bucal
podem necessitar pausas nos treinos e uso de medicamentos, comprometendo a
continuidade da preparação do atleta. Além da dor, a infecções na boca aumenta o nível
de inflamação no organismo como um todo, diminuindo a disposição e a capacidade de
recuperação muscular. Atleta com saúde bucal ruim não atingirá seu máximo
desempenho!
Dr Amaral: Excluindo traumas. Quais são os problemas odontológicos mais comuns em
atletas e por que eles ocorrem com tanta frequência?
Dra Melissa Kavati Amaral: Os atletas estão sujeitos aos mesmos problemas bucais que
a população em geral, porém cada modalidade pode ter uma particularidade, excluindo
o trauma, Cáries dentárias e doenças gengivais (gengivite e periodontite), o desgaste
do esmalte por erosão ácida e de bruxismo (ranger ou apertar os dentes) relacionado ao
estresse competitivo estão entre o mais visto .
Atletas consomem frequentemente carboidratos e bebidas açucaradas (géis, barras
energéticas, isotônicos), a exposição dos dentes ao açúcar e aos ácidos favorece a
formação de placa bacteriana e acidez na boca, causas diretas de cáries e erosão do
esmalte, atividades intensas, é comum ocorrer boca seca pela desidratação e
respiração bucal, o que reduz a saliva e sua ação protetora de cárie e inflamação
gengival. Também vale lembrar de problemas como o bruxismo e disfunções na ATM,
que podem ser desencadeados pelo estresse e tensão das competições – esses hábitos
podem causar microfraturas nos dentes, desgaste e dores faciais, prejudicando o
desempenho.
Podemos resumir que os problemas bucais mais comuns excluindo trauma nos
esportistas são a combinação de dieta rica em carboidratos/ácidos, desidratação,
estresse e descuido na higiene.
Dr Amaral: Como o uso frequente de bebidas isotônicas ou energéticas podem afetar a
saúde dos dentes?
Dra Melissa Kavati Amaral: Bebidas isotônicas, barras de cereais, géis de carboidrato e
outros suplementos energéticos contêm altos teores de açúcares e têm pH ácido. Por
exemplo, muitos isotônicos têm acidez comparável à de refrigerantes, com pH em torno
de 2,4–4,5 uma acidez capaz de provocar erosão do esmalte dentário, os dentes ficam
repetidamente banhados em açúcares e ácidos. Essa exposição frequente é um prato
cheio para as bactérias causadoras de cárie e para a desmineralização do esmalte . O
uso contínuo de carboidratos de rápida absorção (géis, bebidas esportivas, balas
energéticas) não dá tempo de pausa para a boca se equilibrar, a saliva não consegue
neutralizar totalmente os ácidos, redução do fluxo salivar devido à desidratação e ao
esforço.
Não quer dizer que o atleta deva abolir esses recursos nutricionais eles muitas vezes
são necessários. Mas é importante diminuir os danos!Recomendo, ingerir água junto
com bebidas esportivas ou logo depois, para diluir o açúcar e acididez na boca,
hidratação adequada, higiene bucal reforçada e acompanhamento profissional.
Dr Amaral: Que cuidados preventivos os atletas (e também os técnicos e pais) devem adotar para preservar a saúde bucal e evitar problemas que prejudiquem a carreira esportiva?
Dra Melissa Kavati Amaral: As medidas essenciais devem fazer parte da rotina de
qualquer atleta:
Higiene oral rigorosa: Escovar os dentes (com escova macia) e usar fio dental Manter a
boca limpa remove resíduos de carboidratos e placa bacteriana, prevenindo cáries e
gengivites.
Check-ups odontológicos: Duas vezes ao ano.
Proteção contra trauma: Usar protetor bucal de esportes de contato ou alto risco de
colisão.
Cuidados com dieta e ácido: É recomendável enxaguar a boca com água logo após tomar
bebidas esportivas ou sucos cítricos. Isso ajuda a saliva neutralizar parte da acidez e
formar uma camada de proteção no dente, evitando desgaste.
Fluorterapia e selantes: O atleta deve usar pasta de dente com flúor e aplicações
profissionais de flúor no consultório periodicamente . O flúor reforça o esmalte contra
cáries. Em atletas jovens, o dentista pode aplicar selantes nos molares.
Hidratação e saliva: Água em quantidade adequada ajuda a evitar boca seca. Para quem
sente constantemente a boca seca nos treinos, fale com o seu dentista, existem testes
de fluxo salivar, se necessário, medidas como usar saliva artificial ou estimulantes de
saliva podem ser adotadas.
Controle do bruxismo e do estresse: Atletas submetidos a muita pressão podem
descarregar o estresse nos dentes, apertando ou rangendo à noite.
Os técnicos e preparadores físicos podem ajudar lembrar os atletas de cuidarem dos
dentes da mesma forma como cuidam dos músculos, criando uma cultura onde ir ao
dentista regularmente seja tão normal quanto fazer avaliações físicas.
Vanguarda do Norte: Do ponto de vista médico, de que forma problemas odontológicos podem atrapalhar a performance atlética e a saúde geral do atleta?
Dr Amaral Filho: De maneira simples, uma infecção dentária não tratada, é muito mais
do que um “dente estragado”, aí pode liberar bactérias na corrente sanguínea e viajar
para outras partes do corpo. Essas bactérias vindas da boca podem alojar-se em
articulações ou músculos lesionados, piorando ou atrasando a recuperação de lesões.
Já acompanhei caso de atleta com tendinites e lesões musculares crônicas que não
melhoravam com fisioterapia e todas condutas ortopédicas ok! Ao conseguirmos
investigar, descobrimos um foco de infecção dental silencioso e, após tratar o dente, a
lesão finalmente cicatrizou e conseguiu voltar os treinos e obter boa performance em
competição internacional. Em situações mais graves, a disseminação destas bactérias
pode causar doenças sistêmicas sérias. Gengivite e periodontite, não tratada, aumenta
o risco de endocardite infecciosa (infecção das válvulas do coração). Mesmo infecções
menos agudas, como um abscesso dental pequeno ou uma inflamação de gengiva
crônica, elevam o nível de mediadores inflamatórios no sangue, para o atleta, isso
significa “alerta” constante do sistema imunológico, que leva, sensação de fadiga, pior
recuperação pós-exercício e até maior possibilidade de lesões musculares.
Troca do em miúdos: O corpo que está ocupado combatendo uma infecção bucal tem
menos recursos para fazer à recuperação muscular, o ganho de desempenho. Temos que
lembrar do stress de sentir dor de dente ou incômodo na boca libera cortisol, o
hormônio do stress, que interfere na construção de massa muscular e na imunidade…
Atletas de alto rendimento já possuem, pelo esforço intenso, picos de cortisol e
momentos de imunidade suprimida, se somarmos uma infecção bucal ativa a esse
quadro, o resultado é um atleta mais vulnerável e com rendimento muito aquém do ideal!
A boca pode ser o início do efeito cascata no corpo, maior inflamação sistêmica, risco de
infecções em outros locais, desequilíbrios hormonais. Na medicina de família e na
medicina do esporte, enxergamos a saúde bucal como parte da saúde integral do atleta.
VDN: Pode nos dar um exemplo concreto de como tratar da saúde bucal de um atleta
melhorou o desempenho ou a recuperação física dele?
Dr. Amaral Filho: Um caso que muito se usa de exemplo foi o do jogador de futebol
Orlando Berrío, no Flamengo. Em 2018, durante a recuperação de uma lesão séria no
joelho, a equipe médica decidiu integrar um tratamento odontológico no protocolo de
reabilitação dele. Inicialmente porque havia a suspeita de que algum desequilíbrio na
oclusão dentária ou uma inflamação bucal subjacente poderia estar contribuindo para a
dificuldade de cicatrização da lesão de joelho, o Berrío passou a usar uma placa
ortodôntica (um tipo de placa miorrelaxante) para ajustar a mordida e aliviar tensões da
mandíbula, após o início desse tratamento odontológico, observou-se uma evolução
positiva na recuperação do atleta, este caso foi de destaque na mídia esportiva na
época . Esse é um exemplo documentado, mas na prática clínica vemos outros
semelhantes em menor escala. No Manauara EC em em seu primeiro ano de série A do
Barezão os atletas ja passam a ser acompanhados no início da temporada por equipe
odontológica, evita-se casos como um atleta com frequentes infecções de garganta e
baixo rendimento, ao examinar tinha múltiplas cáries profundas e um dente de siso
infeccionado, sempre negando atendimento odontológico, quando conseguimos que o
mesmo tratasse esses problemas dentários, as infecções de repetição cessaram e
voltou a performar.
Percebo melhorias em atletas que tratam problemas de alinhamento dos dentes ou
passam a usar placa contra bruxismo relatam dormir melhor e ter menos dores de
cabeça, chegam mais descansados aos treinos, ganhando qualidade nos exercícios.
Acompanhei um triatleta que tinha muita dor na região do pescoço e ombros durante as
pedaladas mais longas e sofria muito pedalando, no ortodontista teve o diagnóstico de
um contato errado de mordida que forçava a musculatura cervical, após um ajuste no
dente, essas dores diminuíram e ele conseguiu melhorar seu tempo de prova por
conseguir manter a posição de forma ergonomia na bicicleta sem desconforto. São
detalhes que às vezes passam despercebidos, mas fazem toda diferença.
Estes exemplos me fazerem falar com convicção, tratar da saúde bucal, sim pode elevar
o nível do atleta, acelerando a reabilitação de uma lesão, melhorando parâmetros de
treino e competição.
VDN: Que conselho você daria para atletas, treinadores e pais em relação à saúde bucal
no contexto esportivo?
Dr Amaral Filho: Ver a saúde bucal como parte integrante da preparação esportiva. Isso
vale para atletas profissionais e de base. Crie uma rotina de visitas preventivas ao
dentista e ao médico, não esperem ter dor para marcar uma consulta. Aos treinadores e
preparadores, fica a dica que incluam orientações de higiene bucal nas conversas sobre
disciplina e autocuidado. Para os pais de atletas jovens, é importante dar o exemplo e
incentivar os filhos a manterem os dentes cuidados, mesmo que a rotina de treinos
deles seja pesada, verificar se estão escovando corretamente, limitar o consumo de
açúcar, providenciar protetores bucais quando necessário. Temos quebrar o tabu de que
ir ao dentista é secundário. Vejo atletas super preocupados vários suplementos,
técnicas de treino avançadas, equipamentos de melhor qualidade, personalização de
equipamento, mas às vezes ignoram um componente básico da saúde. A verdade é que a
saúde começa pela boca. No alto rendimento tudo faz a diferença… Tratando da saúde
bucal você tem melhor imunidade, menos faltas em treino, mais conforto para se
dedicar 100% ao esporte.
Priorize a odontologia preventiva, mantenha limpezas regulares, atualize o protetor
bucal conforme o uso ou crescimento, monitore os sisos e faça acompanhamento
ortodôntico se necessário. O dentista deve ser visto como parte essencial da equipe
multidisciplinar de suporte, ajudando a evitar emergências e a proteger a carreira do
atleta no longo prazo.
A relação entre saúde bucal e desempenho esportivo está cada vez de mais difundida.
Neste artigo, vimos que a Odontologia no esporte vai muito além de tratar dentes
quebrados, trata-se de cuidar do atleta de forma integral, prevenindo que problemas
bucais levem a perder todo um esforço de treinamento. Incorporem hábitos de higiene
bucal, faça do dentista um parceiro na jornada esportiva e valorize os pequenos grandes
cuidados.
A prevenção odontológica no esporte deve ser vista com a mesma seriedade da
preparação física ou técnica. Uma boca saudável significa menos infecções, menos
dores, melhor respiração e sono, e um atleta mais focado em superar seus limites.
Nas próximas edições da coluna Saúde em Movimento, daremos continuidade a este tema:
no próximo artigo abordaremos o uso de protetores bucais no esporte indispensáveis para a segurança de muitos atletas com o faixa preta e dentista Dr Alle Mousse (@dr.allemousse) e, em seguida, discutiremos ortodontia e desempenho esportivo com a Dra Melissa Amaral (@dra_melissa_kavati_amaral), explorando como o alinhamento dos dentes e a mordida influenciam a performance. Fique ligado e cuide do seu sorriso para
manter seu corpo em movimento rumo ao pódio!