O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) afeta milhares de crianças, adolescentes e adultos, comprometendo sua atenção, comportamento, desempenho escolar e laboral. A atividade física regular, especialmente as artes marciais como o JiuJitsu, ajudam a “canalizar” essa energia em foco e disciplina.
Além de benefíciosfísicos, o “tatame” é um complemento terapêutico como poucos, contribui para melhorar funções executivas (como memória e autocontrole), regular emoções e aumentar a autoestima. Neste segundo artigo da série “TDAH, Movimento e Corpo em Ação”, vamos trazer, como o Jiu-Jitsu e outras lutas podem ser caminhos para o foco e aliados para saúde de pessoas com TDAH.
Vanguarda do Norte: Quais são os principais benefícios do Jiu-Jitsu para crianças e adolescentes com TDAH?
Dr. Amaral: O Jiu-Jitsu, tem um ambiente bem estruturado e lúdico, favorecendo o desenvolvimento de foco, disciplina e autocontrole. No tatame, a criança aprende a seguir regras, respeitar o professor e os colegas, também executar movimentos técnicos passo a passo. Essa combinação de movimento físico e regras ajudam a reduzir a impulsividade e a hiperatividade do TDAH, a criança precisa “parar, ouvir e pensar” antes de agir. Do ponto de vista científico, está claro que atividades físicas complexas como as artes marciais melhoram redes neurais ligadas à atenção e ao autocontrole. Por exemplo, pesquisadores comprovam que atividade física estruturada (como uma aula de jiu-jítsu) fortalece conexões cerebrais e permite que crianças com TDAH pratiquem habilidades de autocontrole de forma divertida, a repetição de técnicas e a concentração exigida em cada treino diminui sintomas de desatenção e inquietude, estudos indicam que a prática regular, consegue aliviar significativamente os sintomas centrais do TDAH em jovens.
O Jiu-Jitsu traz benefícios integrados: melhora o condicionamento físico, aumenta a capacidade de concentração, promove o respeito e a cooperação, e eleva a autoestima conforme a criança se sente capaz de progredir (cada novo grau ou mudança de faixa é uma conquista que reforça sua confiança). Já tive diversos relatos, de melhorias no comportamento em casa e na escola com o avanço na disciplina do tatame.
VDN: Existem evidências científicas de que esportes como Jiu-Jitsu realmente ajudam
no foco e comportamento de quem tem TDAH?
Dr. Amaral: Sim, há uma quantidade crescente de pesquisas científicas comprovando os benefícios das artes marciais no TDAH. Para citar exemplo: estudo publicado no Journal of Attention Disorders mostrou que apenas 30 minutos de atividade física moderada já melhoram significativamente as funções executivas (como memória e organização) e o controle de impulsos em crianças com TDAH, um ensaio clínico conduzido na Universidade de Illinois examinou crianças que praticam regularmente e observou melhora na atenção e comportamento em comparação a um grupo controle sem atividade, ou seja, as crianças que treinaram artes marciais ficaram mais concentradas e menos impulsivas ao longo do estudo, também pude revisar uma meta-análise de 2023, que reuniu dados de 24 estudos com cerca de 900 participantes, concluiu que intervenções com atividade física têm efeito positivo nas principais funções executivas de crianças e adolescentes com TDAH. Nessa análise, práticas físicas regulares melhoraram significativamente a inibição de respostas impulsivas, a memória de trabalho e a flexibilidade cognitiva. Alguns autores chegam a sugerir a implementação de programas de artes marciais em escolas como estratégia terapêutica não medicamentosa para melhorar a atenção de crianças com TDAH.
VDN: De que maneira o Jiu-Jitsu influencia as funções executivas do cérebro, como a
memória de trabalho, o planejamento e o autocontrole, em crianças com TDAH?
Dr. Amaral: O Jiu-Jitsu é uma atividade que exige de quem pratica pensar enquanto se movimenta, é um dos esportes de combate com o padrão motor mais combinado, adaptativo e tridimensional que existe. Diferente de exercícios automáticos, no tatame a criança precisa lembrar sequências de movimentos, planejar estratégias contra o oponente e inibir reações impulsivas. Essa dinâmica “mente-corpo” estimula diretamente as chamadas funções executivas um conjunto de habilidades cerebrais responsáveis por planejar, reter informações temporariamente (memória de trabalho), controlar impulsos e alternar a atenção entre tarefas. Pesquisas recentes demonstram que a prática do Jiu-Jitsu e de lutas auxiliam estas habilidades. Essa melhoria na memória de trabalho é fundamental, pois ajuda a criança com TDAH a lembrar instruções e regras, e a não se “perder” no meio das tarefas. As artes marciais como jiu-jitsu treinar o controle inibitório, a habilidade de pensar antes de agir. Isso significa, em na prática, menos atos impulsivos. Vale destacar que o Jiu-Jitsu também é uma luta estratégica: muitas vezes chamada de “xadrez do corpo”, porque o praticante precisa planejar movimentos futuros e se adaptar aos movimentos do oponente. Essa exigência constante de estratégia e planejamento são exercícios para o cérebro, fortalecendo circuitos de tomada de decisão e resolução de problemas. Ao treinar, a criança com TDAH não está apenas gastando energia, ela está também exercitando habilidades mentais que são essenciais para a vida escolar e social.
VDN: E quanto à regulação emocional e ao comportamento? A prática do esporte pode
ajudar a controlar a impulsividade e a hiperatividade do TDAH?
Dr. Amaral: Com toda certeza. O esporte age não só no físico, mas também nas emoções e no comportamento, as artes marciais isso é muito evidente, porque elas incorporam princípios de mindfulness (atenção plena) sem a criança perceber. No Jiu-Jitsu, por exemplo, se aprende a importância da respiração controlada para lutar para aplicar os golpes ou sair de uma posição difícil. Essa dinâmica traz calma e aumenta a consciência sobre o próprio corpo e emoções, o que faz a criança com TDAH a reconhecer quando está agitada e a se recentrar. Um estudo publicado em 2018 na Frontiers in Psychology mostrou que atividades baseadas em mindfulness melhoraram a regulação emocional de crianças com TDAH. As artes marciais, integram técnicas de respiração, reflexão, estratégias e movimentos, que acabam promovendo a atenção plena na prática, ajudando na redução da agressividade, ansiedade e explosões emocionais. O exercício intenso em si tem um efeito neurobiológico importante: durante a prática esportiva o corpo libera neurotransmissores como dopamina, noradrenalina e serotonina, que normalmente estão em níveis baixos em pessoas com TDAH. Esses neurotransmissores estão ligados ao controle do humor e da impulsividade, ou seja, ao fazer esporte, a criança literalmente “irriga” o cérebro com substâncias que a ajudam a ficar mais tranquila e focada. Do ponto de vista comportamental, estudos com artes marciais mostram melhora inequívoca. Os pais relataram que os filhos após algum tempo regular de treinos estavam menos inquietos, menos impulsivos e mais atentos às tarefas de casa. Isso comprova o que vemos na prática: no tatame, a criança aprende a canalizar a energia excedente de forma produtiva, seja num golpe, seja num exercício de resistência ou de defesa, o que diminui aquela necessidade de estar o tempo todo em movimento desordenado. Ela também aprende algo fundamental e de grande dificuldade na patologia que é lidar com frustrações, por exemplo, quando perde uma luta ou não consegue executar uma técnica, com o tempo, isso melhora a tolerância a frustrações fora do tatame. O Jiu-Jitsu e esportes similares ajudam sim a equilibrar as emoções e comportamentos, a criança fica mais serena, confiante e menos sujeita a “explodir” ou “sair do controle” diante dos desafios do dia a dia.
VDN: Quais aspectos específicos do treino de Jiu-Jitsu contribuem para esses
benefícios cognitivos e emocionais?
Dr. Amaral: Podemos destacar ao menos quatro aspectos-chave do Jiu-Jitsu que favorecem diretamente crianças com TDAH, estratégia, disciplina, repetição técnica e autocontrole.
Estratégia e estímulo mental: Diferente de atividades puramente físicas, o Jiu-Jitsu é altamente estratégico. Existe um ditado que alguns atribuem a família Gracie mas que não sabemos seguramente a origem, “Jiu-Jitsu se ganha mais com a cabeça do que com a força”. A criança precisa pensar em como escapar de uma posição, qual será seu próximo movimento, e antecipar o adversário, começar a atacar executando contragolpes e fazendo variações de técnicas quando defendidas pelo oponente, tudo isso enquanto executa os movimentos físicos. Costumo dizer para os meus acadêmicos de medicina, residentes, atletas e pais que, “o Jiu-Jitsu é tão mental quanto físico”, porque você exercita corpo e mente ao mesmo tempo, aprendendo técnicas que mantêm dístico e mental ocupado e focado na atividade. Esse “xadrez corporal” envolve o atleta num jogo de problemas e soluções constante, estimulando a concentração e o raciocínio
lógico.
Disciplina e respeito às regras: No Jiu-Jitsu, antes mesmo de aprender um armlock ou um estrangulamento, a criança aprende a “etiqueta” do tatame, cumprimentar ao entrar, ouvir o professor, respeitar o colega, esperar sua vez. Essa disciplina cria senso de ordem na criança, algo de que ela sente falta no dia a dia caótico do TDAH. Com o tempo, o comportamento disciplinado no tatame é levado para outras áreas, muitos professores e pais relatam que alunos com TDAH passam a apresentar menos problemas de comportamento em sala de aula, pois desenvolvem e absorvem valores de paciência e respeito aprendidos no tatame.
Repetição técnica e previsibilidade: O Jiu-Jitsu envolve repetir movimentos muitas e muitas vezes é assim que se constroem os reflexos. Embora possa parecer monótono para alguns, essa repetição e rotina são altamente benéficas para crianças com TDAH, que geralmente se dão melhor em ambientes estruturados. Em uma aula típica, há um aquecimento, depois a prática de uma técnica específica em pares, e assim por diante.
Essa estrutura previsível ajuda a criança a se situar e focar a atenção, pois ela sabe o que esperar a seguir. Especialistas descrevem que pessoas neurodivergentes (como quem tem TDAH ou autismo) se beneficiam muito de rotinas, o ato de repetir uma técnica até dominá-la dá à criança uma sensação de progresso concreto, reforçando a autoestima e encorajando-a a persistir (afinal, ela vê que com prática consegue melhorar algo que antes achava difícil).
Autocontrole e autoconhecimento: Por fim, o ambiente controlado do Jiu-Jitsu ensina algo precioso, usar a força com consciência e moderação. Embora seja uma luta de contato, há um código de conduta para evitar machucar o colega, a criança aprende que não pode simplesmente se descontrolar. Por exemplo, se ela aplicar uma finalização, deve parar assim que o colega “bate” indicando desistência. Isso treina a leitura de sinais sociais e o controle da força. Ao longo dos treinos, com os inevitáveis ganhos e perdas, a criança desenvolve resiliência emocional, aprende após um erro e a manter a calma mesmo sob pressão (como estar imobilizada e precisar respirar fundo para procurar uma saída).
O sistema de faixas e graduações também contribui para o autocontrole e a motivação: cada grau ou nova faixa representa meses, às vezes anos de esforço disciplinado, o que ensina sobre metas de longo prazo, consistência e recompensa atrasada verdadeiros antídotos contra a impulsividade imediatista do TDAH.
Em resumo, é a soma de um ambiente estruturado + exigência mental + prática disciplinada + reforço positivo que faz do Jiu-Jitsu uma ferramenta tão poderosa. Esses elementos específicos do treino criam condições ideais para que a criança com TDAH desenvolva foco, controle e confiança de forma natural e divertida.
(Pode ser um destaque de fala do autor)
VDN: Há cuidados ou limitações ao usar artes marciais no tratamento do TDAH?
Dr. Amaral: As artes marciais são seguras e benéficas para crianças com TDAH, mas é importante respeitar o ritmo individual, escolher ambientes adequados e dar ciência aos professores da patologia para abordagem não excessivamente competitiva.
Instrutores devem estar atentos e informados às necessidades específicas do aluno. Focar apenas em resultados pode ser prejudicial! O esporte é um complemento e parte do tratamento médico e psicológico, com feedback constante entre família, escola e profissionais de saúde para maximizar os benefícios.
A prática regular de esportes de combate como o Jiu-Jitsu vem se consolidando como uma estratégia eficaz e acessível para ajudar crianças e adolescentes com TDAH a desenvolver foco, autocontrole e equilíbrio emocional. Movimento e disciplina andam de mãos dadas com melhorias cognitivas e comportamentais. O Jiu-Jitsu, em particular, se destaca por oferecer um ambiente estruturado, desafiador, motivador, onde a criança canaliza sua energia, aprende pelo exemplo e por repetição, se sente valorizada a cada conquista. Os benefícios extrapolam o tatame, refletindo-se em melhor desempenho escolar, relações sociais mais positivas e maior autoestima.
É importante frisar que as artes marciais não são uma “cura” para o TDAH, mas um caminho que potencializa e complementa as outras intervenções. Está demonstrado que corpo em ação ajuda a mente a se organizar, conectar corpo e mente através do esporte, oferecendo a esses jovens ferramentas para serem protagonistas de seu desenvolvimento.
No próximo artigo desta série, falaremos sobre “Corpo em Movimento, Mente em Equilíbrio: Como o Exercício Melhora o Comportamento e o Humor em Crianças com TDAH”, explorando como diferentes exercícios influenciam positivamente o humor, a ansiedade e a convivência das crianças com TDAH. Nos vemos na próxima semana.
Dr. Ricardo Amaral Filho (@amaralfilho) – Mestre em Educação e Saúde | Médico de
Família e Comunidade | Medicina do Esporte