Long Beach, Califórnia, uma vez mais está sendo palco do mais prestigiado evento de Jiu-Jítsu do planeta, o Mundial da IBJJF. É aqui, na icônica pirâmide, que os maiores nomes da arte suave se encontram para disputar o título mais cobiçado. Quem já está acompanhando nos primeiros dias a performance dos coloridas já se imagina como será hoje os faixas-pretas no tatame, atletas no auge de suas habilidades físicas e mentais.
Acaba sempre alguém fazendo a pergunta inevitável, será que esses campeões nasceram com um dom especial, ou foram moldados ao longo de anos de treino e dedicação? Uma dúvida antiga no esporte, talento natural ou trabalho árduo? Genética ou treino? Hoje, a ciência moderna, da genética à neurociência, da psicologia do esporte à epigenética, nos leva além dos mitos.
Vanguarda do Norte: Ter talento basta para formar um campeão?
Dr. Amaral: Não! O talento é apenas o começo… O talento pode dar uma vantagem inicial, mas ele não garante sucesso a longo prazo. A psicologia do esporte, demonstra que a prática de treino intencional focado, com correção de erros leva a evolução, sendo fundamental para a excelência. Atletas de elite como Tainan Dalpra, diferenciam-se pela consistência e pela capacidade de superar obstáculos. O talento bruto pode acelerar o aprendizado nas fases iniciais, mas sem sequência de intencionalidade no treino para evoluir, a estagnação é certa. Neste momento se faz valer o jargão de praticamente todos os esportes “O trabalho duro vence o talento quando o talento não trabalha duro.”
O Jiu-Jítsu, tem além de uma prática complexa que envolve técnica, estratégia e resiliência, em competições tudo isto é colocado em um nível de exigência muito grande, os que persistem, treinam nos dias difíceis e buscam evoluir mesmo quando ninguém está olhando sempre será o meu favorito e o que q ciência aponta que tem maior probabilidade de ser campeão.
VDN: O que a ciência diz sobre a influência da genética?
Dr. Amaral: A genética sim influencia, mas não determina o sucesso.
Estudos genéticos mostram variações de força, velocidade, resistência e recuperação muscular, mas, o desempenho esportivo é multifatorial, envolve dezenas, talvez centenas de genes, cada um contribuindo com uma pequena parcela.
A tríade: TREINO, NUTRIÇÃO, SONO com a variabilidade e habilidade de lidar com stress são fatores que “ligam” ou “desligam” genes importantes para o desempenho. Atletas geneticamente predispostos à força precisam de treinos específicos e estímulos adequados para que essas características. Sem isso, o potencial genético permanece “adormecido”. Isto explica que, mesmo a genética sendo uma base, ela não escreve sozinha a história do atleta. Você atleta escreve sua sorte!
VDN: Como o ambiente pode moldar um campeão?
Dr: Amaral: O ambiente sem dúvida é o solo fértil onde o talento é cultivado. O apoio da família, a qualidade dos treinadores, a cultura da academia e as oportunidades de competição moldam o desenvolvimento do atleta.
Pesquisas demonstram que o ambiente tem forte impacto no sucesso esportivo, modulando não só aspectos físicos, mas também psicológicos. Crianças que crescem em ambientes que valorizam o esforço, a resiliência e o aprendizado constante têm mais chances de se tornarem atletas de elite. Estes somados, a alimentação balanceada, sono adequado e recuperação são fundamentais para que o corpo e a mente se adaptem ao jiu-jítsu de alto rendimento. Outro ponto é do clima emocional, atletas que recebem apoio emocional equilibrado lidam melhor com a pressão das competições.
Em resumo, o ambiente certo potencializa o que a genética oferece.
VDN. Qual é o papel da neuroplasticidade nesse processo?
Dr Amaral. A neuroplasticidade é o alicerce invisível da excelência técnica, é a capacidade do cérebro de se adaptar e reorganizar suas conexões, cada repetição de um movimento no tatame fortalece circuitos neuronais específicos, tornando as técnicas cada vez mais automáticas e refinadas.
Repetição com correção consistente, o atleta melhora não só a execução das posições, mas também a tomada de decisão sob pressão e o controle emocional em situações adversas fundamental para o Jiu-Jítsu.
Estudos mostram que a prática mental, como a visualização de lutas, também ativa as mesmas áreas cerebrais que o treino físico, reforçando o aprendizado.
A dica é que, campeões treinam não só o corpo, mas o cérebro, construindo reações rápidas, eficientes e emocionalmente controladas.
VDN: Existe um perfil psicológico comum entre os campeões?
Dr. Amaral: Sim, pesquisas em psicologia esportiva comprovam que atletas de alto nível compartilham características como:
– Alta motivação intrínseca: treinam e lutam pelo prazer de melhorar, não apenas por prêmios.
– Resiliência: capacidade de lidar com fracassos a dor das dificuldades e manter-se forte lutando e reinando sempre retornando ainda mais forte no sentido mais amplo da palavra.
– Mentalidade de crescimento: acreditam que habilidades podem ser desenvolvidas, tem humildade de apreender com todos como um eterno aprendiz, não sendo aquele que sabe e sem aquele que busca.
– Autoconfiança sob pressão: mantêm o foco e a calma em momentos decisivos.
No Jiu-Jítsu, essas qualidades são enormemente importantes, a luta é imprevisível e a capacidade de se adaptar rapidamente a diversas e até novas situações faz a diferença entre vencer e ser vencido.
A mentalidade é trabalhada diariamente e em cada treino é também pode ser apoiada com acompanhamento psicológico adequado, incluindo técnicas de visualização, estabelecimento de metas e controle do diálogo interno.
VDN: O que pais e professores precisam levar em conta sobre formação de atletas?
Dr. Amaral: Que estão formando pessoas antes de campeões. Que lidam com o sonho e expectativas do próximo, não as suas… O papel dos pais e professores é oferecer suporte equilibrado, que estimule a prática diária adequada com o desejo de evolução contínua, nao apenas dando apoio emocional.
Supervalorizar vitórias na infância ou exercer pressão excessiva tem estudos que demonstram uma tendência a levar ao abandono precoce do esporte, ambiente que valoriza o aprendizado, celebra o esforço e ensina a lidar com derrotas forma não só melhores atletas, mas pessoas mais resilientes e autoconfiantes.
É fundamental importante que crianças e adolescentes vivenciem diferentes movimentos na infância, sempre ter estímulos diferentes, evitando estímulos únicos que estão associados a maior risco de lesões e burnout. O atleta necessita de apoio dos Pais e professores mas também tem necessidades de apoios de vários outros profissionais que devem ser parceiros na formação em dependência de cada necessidade específica.
VDN: Como reconhecer um jovem com potencial verdadeiro?
Dr. Amaral: Mais do que vitórias, eu olho para a atitude, o verdadeiro potencial na minha visão aparece:
– Paixão pelo treino: crianças e pessoas que gostam do processo, não apenas das vitórias.
– Resiliência diante das derrotas: voltam ao treino querendo melhorar.
– Capacidade de aprender: escutam, corrigem e evoluem tecnicamente.
– Sede de desafio: buscam sair da zona de conforto.
Pesquisas mostram que campeões não são apenas talentosos, mas trabalhadores consistentes, capazes de aprender com fracassos diários, vale lembrar que o desenvolvimento é individual, alguns atletas amadurecem mais cedo, outros mais tarde, ter paciência e apoiar o processo é essencial.
VDN: Genética e dom ainda têm valor, então?
Dr. Amaral: Têm, mas são apenas o ponto de partida! A genética oferece predisposições físicas e cognitivas que podem facilitar o desenvolvimento no esporte. Ter “dom” ajuda, mas não substitui o treino consistente e o ambiente favorável.
Grandes atletas como Meyran Maquine, Thalison Soares, Come Abate, Diego Reis, Erich Munis entre tantos outros foram beneficiados por características genéticas únicas, mas ambos também treinaram intensamente por anos para atingir o auge.
No Jiu-Jítsu, talentos naturais como explosão, flexibilidade e capacidade de improvisação podem dar vantagem, mas sem treino contínuo e preparação mental, esses talentos não se transformam em títulos.
Se fosse matemática e sem pensar em fatores externos eu visualizo a equação: Talento + Ambiente + Trabalho + Mente = Campeão.
Neste fim de semana, enquanto assistimos aos melhores faixas-pretas do mundo lutando na pirâmide de Long Beach, é importante lembrar: o que vemos no tatame é só a ponta do iceberg. Por trás de cada campeão, existe uma história de anos de treino, de superação de derrotas, de apoio familiar e de muita neuroplasticidade moldada dia após dia.
Nascido ou treinado?
A resposta não é “ou”, é “e”. O verdadeiro segredo dos campeões é a combinação: um pouco de genética, muito trabalho duro, um ambiente certo e uma mente preparada.
A boa notícia, é que quase todos esses fatores estão sob nosso controle, e isso significa que qualquer jovem sonhador, de qualquer academia, pode com o caminho certo chegar mais longe do que os genes sozinhos poderiam levá-lo.
Se quiserem algum tema em específico mandem mensagens. Até a próxima semana!
Dr. Ricardo Amaral Filho (@amaralfilho)
Mestre em Educação e Saúde | Médico de Família e Comunidade | Medicina do Esporte