A Zona Franca de Manaus (ZFM) sempre foi um laboratório de inovação econômica dentro da Amazônia, conciliando desenvolvimento industrial com preservação ambiental. No entanto, diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas, pela nova ordem econômica global e pelo avanço da economia digital, a ZFM precisa se reinventar. Nesse contexto, a convergência entre Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e bioeconomia não é apenas uma oportunidade, mas uma necessidade estratégica para redefinir seu papel na economia nacional e internacional.
Bio&TIC, diversificação e interiorização
A digitalização e a conectividade podem transformar radicalmente a forma como a bioeconomia se estrutura e se expande na Amazônia. O uso de inteligência artificial, big data, blockchain e internet das coisas (IoT) pode permitir que produtos e cadeias produtivas baseadas na biodiversidade amazônica ganhem escala, rastreabilidade e competitividade global, atendendo a padrões internacionais de sustentabilidade, transparência e eficiência. Essa sinergia entre TIC e bioeconomia tem potencial para fortalecer a governança empresarial, impulsionar resultados sociais e ambientais positivos e consolidar um novo modelo econômico para a região.
A bioeconomia como vetor de transformação da ZFM
A bioeconomia já se consolidou como uma alternativa viável e necessária para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Baseada no uso sustentável da biodiversidade, ela cria valor econômico sem destruir os recursos naturais que fazem da região um dos biomas mais ricos do planeta. Produtos como óleos essenciais, fármacos naturais, alimentos funcionais e cosméticos à base de insumos amazônicos têm demanda crescente no mercado global, mas sua produção e comercialização ainda enfrentam desafios estruturais, logísticos e tecnológicos.
Tecnologia, um divisor de águas
Neste ponto, a adoção de TIC pode ser um divisor de águas. A rastreabilidade digital, por exemplo, é fundamental para garantir que produtos amazônicos atendam aos critérios ESG (ambientais, sociais e de governança), exigidos pelos mercados mais exigentes. Soluções como blockchain podem oferecer transparência total sobre a origem dos produtos, certificando sua produção sustentável e garantindo maior valor agregado para os produtores locais. Além disso, o uso de inteligência artificial pode otimizar cadeias produtivas, desde o monitoramento da produção agroextrativista até a previsão de demanda no mercado. Já a IoT pode permitir que sensores inteligentes melhorem a eficiência na colheita, no transporte e no armazenamento dos produtos da floresta, reduzindo desperdícios e ampliando a rentabilidade.
O impacto social da digitalização na bioeconomia amazônica
A integração entre TIC e bioeconomia tem um impacto social profundo. Um dos grandes desafios da bioeconomia na Amazônia é a inclusão produtiva das populações tradicionais, que detêm conhecimentos ancestrais sobre os usos da biodiversidade. O acesso à tecnologia pode ampliar a participação desses grupos na economia, permitindo que cooperativas e pequenos produtores alcancem mercados antes inacessíveis.A conectividade também é um fator crucial para a educação e capacitação dos trabalhadores locais. Plataformas digitais podem oferecer treinamentos em práticas sustentáveis, gestão financeira e estratégias de comercialização, empoderando comunidades ribeirinhas e indígenas a se tornarem protagonistas da nova economia amazônica.
Governança, transparência e eficiência
Além disso, a expansão da digitalização e da bioeconomia pode impulsionar a geração de empregos qualificados, criando oportunidades para engenheiros de software, cientistas de dados e especialistas em biotecnologia, entre outros profissionais. Isso pode reduzir a dependência da ZFM da produção de bens industrializados tradicionais, como eletroeletrônicos e motocicletas, diversificando a matriz econômica da região. Empresas instaladas na ZFM enfrentam um desafio constante: como manter a competitividade diante das pressões por maior sustentabilidade e inovação? A resposta pode estar na adoção de tecnologias que garantam maior governança, transparência e eficiência operacional.
Redução da burocracia e cumprimento da regulação
Sistemas integrados de gestão baseados em inteligência artificial podem ajudar empresas a monitorar e reduzir seu impacto ambiental, gerindo melhor o consumo de água, energia e insumos. Além disso, soluções de TIC podem simplificar e tornar mais eficiente o cumprimento de regulamentações ambientais e fiscais, reduzindo burocracias e melhorando a relação com órgãos reguladores.
Atração de investidores internacionais
Outro ponto crucial é a atração de investimentos. Fundos de impacto e investidores institucionais estão cada vez mais focados em empresas que demonstram compromisso com sustentabilidade e inovação. A ZFM, ao adotar um modelo econômico baseado em TIC e bioeconomia, pode se posicionar como um polo atrativo para capital internacional voltado a negócios sustentáveis, acelerando a transição para uma economia de baixo carbono e maior valor agregado.
Premissas para a convergência entre TIC e bioeconomia na ZFM
Para que essa integração estratégica entre TIC e bioeconomia se concretize e revolucione a economia da ZFM, algumas premissas fundamentais precisam ser consideradas, por exemplo a infraestrutura digital. A conectividade na Amazônia ainda é um gargalo. É essencial expandir o acesso à internet de alta velocidade, especialmente em comunidades produtivas e áreas rurais. Parcerias público-privadas podem acelerar esse processo.
Absoluta prioridade à capacitação e formação profissional
A transição para uma economia digital e bioeconômica exige qualificação da mão de obra local. Investir em educação técnica e superior voltada à bioeconomia e à tecnologia é um passo essencial. Somente com a criação de centros de inovação focados na bioeconomia e em tecnologias emergentes vamos virar a chave e estimular a pesquisa e o desenvolvimento de novos produtos e soluções, conectando empresas, universidades e startups.
O governo precisa incentivar a adoção de tecnologias na bioeconomia
Isso significa oferecer linhas de crédito específicas, benefícios fiscais e políticas de fomento para empresas que investirem nessa transição. Quanto ao setor produtivo, é preciso envolver as comunidades locais: A bioeconomia só será um sucesso se as populações tradicionais forem parte ativa desse modelo. Parcerias entre empresas, cooperativas e povos da floresta são essenciais para garantir que a economia cresça sem comprometer a sóciobiodiversidade amazônica.
O futuro da ZFM está na inovação sustentável
A Zona Franca de Manaus tem uma oportunidade única de se reinventar e liderar uma nova fase do desenvolvimento amazônico. A união entre Tecnologia da Informação e Comunicação e bioeconomia pode criar um modelo econômico mais resiliente, sustentável e alinhado às exigências do século XXI. Esse caminho não é apenas uma estratégia para tornar a ZFM mais competitiva; é uma necessidade para garantir que o desenvolvimento da Amazônia ocorra sem comprometer sua biodiversidade e suas populações. Se bem conduzida, essa revolução pode transformar a ZFM em um polo global de inovação sustentável, referência para o mundo em como conciliar tecnologia, economia e preservação ambiental.
Nelson Azevedo é economista e líder empresarial no setor metalúrgico, metalomecânico e de materiais elétricos de Manaus – SIMMMEM, conselheiro do CIEAM, da CNI e vice-presidente da FIEAM.