Com a aproximação do Brasileiro de crianças em Barueri dias 15 e 16 recebemos diversas perguntas relacionado jiu-jítsu e crianças… Está cada vez mais comum vermos crianças dedicadas desde muito jovem apenas ao jiu-jítsu, mas focar apenas em um esporte ou arte marcial na infância será o melhor caminho? Estudos científicos recentes nos dizem que não. A diversificação motora, permite que a criança vivencie uma uma diversidade de movimentos e modalidades esportivas, e esta pode ser a chave para um desenvolvimento motor mais completo e para formar atletas mais saudáveis e versáteis para o futuro do jiu-jítsu!
Fiz uma revisão literária e única com minha vivência no esporte vamos elucidar, por que uma formação atlética ampla antes da especialização precoce é tão importante, sempre baseando-se em evidências científicas, dicas práticas e reflexões para pais, professores, treinadores e profissionais de saúde.
Vanguarda do Norte: O que é diversificação motora e por que ela importa para crianças que praticam
Jiu-Jítsu?
Dr. Ricardo Amaral: A diversificação motora de forma simples é expor as crianças a diferentes tipos de movimentos, jogos e esportes, em vez de restringi-las a uma única modalidade.
Para um pequeno atleta de artes marciais, isso inclui em participar de outras atividades física como natação, futebol, capoeira, ginástica e até brincadeiras ao ar livre além dos treinos no tatame. Essa variedade é fundamental para enriquecer o repertório motor da criança, desenvolvendo habilidades corporais amplas que normalmente não aparecem todas em um único esporte. As pesquisas comprovam e são uníssonas que tempo gasto em atividades diversas ao ar livre e a participação em múltiplas modalidades têm efeito altamente positivo no desenvolvimento motor infantil. Em outras palavras, quanto mais variada for a experiência e estímulos motores na infância, maior a chance de a criança alcançar uma competência motora abrangente, que é base fundamental para aprender habilidades esportivas específicas do jiu-jítsu mais adiante.
A diversificação também as diferentes fases de crescimento, crianças estão constantemente descobrindo novas capacidades e preferências, permitindo que experimentem diversos esportes e movimentos, os pais e professores ajudam os pequenos a desenvolver não só músculos e coordenação, mas também confiança e criatividade motora que é especialmente relevante no Jiu-Jítsu infantil, embora o JiuJítsu traga inúmeros benefícios (como coordenação, disciplina e consciência corporal), e sendo um dos esportes quem mais abrange movimentos não tem todos os tipos de movimento. A introdução de outras atividades complementa o treino, evitando que a criança fique limitada a padrões motores restritos, monotonia e desestimulado. O resultado é um jovem atleta mais completo, adaptável e preparado para os desafios físicos, dentro e fora do tatame.
VDN: Quais os benefícios da diversificação de movimentos no desenvolvimento motor
global?
Dr. Amaral: Os benefícios sãomuitos, crianças que vivenciam diversos esportes desenvolvem melhor suas habilidades motoras fundamentais, como habilidades de locomoção (correr, saltar), manipulação de objetos (arremessar, chutar) e estabilidade (equilíbrio, giros). Um estudo publicado este ano no Journal of Sports Sciences acompanhou 627 crianças dos 3 aos 11 anos e revelou que, as que praticaram dois ou mais esportes na primeira infância tiveram desempenho significativamente superior em testes de coordenação motora grossa anos depois, em comparação às crianças menos ativas e focadas em um só esporte, a participação multiesportiva está diretamente ligada a melhores resultados tanto em habilidades locomotoras quanto de controle de objetos e equilíbrio. De forma prática, a criança multiesportiva corria mais rápido, saltava mais longe e apresentava coordenação mais apurada do que seus pares especializados cedo em uma única modalidade esportiva.
Outra pesquisa que revisei reforçou as evidências que trago, ao analisar separadamente meninos e meninas, meninas que passavam mais tempo em brincadeiras ativas ao ar livre na primeira infância, além do esporte organizado, mostraram melhora significativa em testes motores (como coordenação e agilidade) anos depois . Ou seja, atividades não estruturadas (andar de bicicleta, jogar bola no quintal, subir em árvores) combinadas com esportes diversificados também contribuem de forma independente para o desenvolvimento motor. Destaco que a coordenação motora global tende a se
aprimorar quando a criança pratica sistematicamente vários esportes. Estudos apontam que crianças em torno dos 10 anos ou mais que têm histórico multiesportivo apresentam níveis superiores de coordenação em comparação às que praticam apenas um esporte, a diversificação proporciona um desenvolvimento motor global mais equilibrado, diferentes esportes enfatizam habilidades distintas (força, flexibilidade, velocidade, consciência corporal), e a soma dessas experiências torna a criança mais habilidosa de maneira geral, formando um atleta mais completo e pessoas com todos os benefícios ditos.
VDN: Quais os riscos da especialização precoce em um só esporte, por exemplo o Jiu Jítsu?
Dr Amaral: Especializar-se precocemente, ou focar quase exclusivamente em um esporte antes da puberdade, acarreta diversos riscos. Fisicamente, há maior chance de lesões por uso excessivo, pois movimentos repetitivos e treinos intensivos sobrecarregam músculos e articulações em desenvolvimento. Um estudo com 1.200 jovens atletas nos EUA mostrou que aqueles que se especializavam em um único esporte tinham de 70% a 93% mais chances de sofrer lesões comparados aos que praticaram múltiplos esportes. Na Medicina Esportiva, estima-se que cerca de metade das lesões na infância decorrem de sobrecarga. No Jiu-Jítsu, a repetição de pegadas e posturas específicas pode levar a microtraumas sem a devida variação ou descanso.
No lado psicológico e social, a especialização precoce aumenta o risco de estresse, ansiedade e desgaste emocional. Aproximadamente 70% dos jovens atletas abandonam o esporte organizado por saturação, lesões ou perda de prazer. Focar apenas no JiuJítsu desde cedo pode limitar vivências lúdicas e sociais importantes. Ignorar a fase de desenvolvimento e priorizar resultados imediatos compromete o desenvolvimento integral da criança, restringe o repertório motor e eleva o risco de lesões, burnout e abandono precoce do esporte.
VDN: Como a diversificação motora influencia a performance esportiva futura das
crianças?
Dr: Amaral: Diversificar não só previne problemas, como também potencializa a performance ao longo prazo, desenvolver uma base atlética ampla, a criança acumula atributos físicos e cognitivos que serão úteis para qualquer esporte que escolher se dedicar incluindo o Jiu-Jítsu. Evidências com atletas jovens de alto rendimento corroboram a afirmação.
Pesquisa brasileira publicada na Revista Brasileira de Educação Física e Esporte investigou a formação de 52 jogadores profissionais e descobriu que a grande maioria deles não havia se especializado precocemente, pelo contrário, participaram de diferentes modalidades ao longo da infância e adolescência, concluíram que iniciar o treinamento focado em performance apenas durante ou após a puberdade está associado a maiores chances de sucesso esportivo em comparação à especialização muito cedo. Analise de dados do esporte universitário norte-americano mostraram um
quadro semelhante, 88% dos atletas da primeira divisão universitária (NCAA) praticaram dois ou três esportes durante a infância, e quase 70% deles tiveram a especialização esportiva após os 12 anos de idade. Em outras palavras, os multiatletas mirins parecem ter vantagem no desenvolvimento atlético a longo prazo. Isso ocorre porque, ao diversificar, a criança desenvolve atributos complementares, velocidade de reação, consciência corporal, força funcional, tomada de decisão sob diferentes contextos de jogo, que mais tarde se traduzem em melhor desempenho na modalidade que ela vier a escolher como principal. No contexto do Jiu-Jítsu, por exemplo, além da evidência convívio com criança que também faz ginástica olímpica tem equilíbrio e flexibilidade acima da média, se jogou futebol, pode ter desenvoltura nas pernas e agilidade de pés, se nadou, talvez tenha um preparo cardiorrespiratório diferenciado e maior facilidade para movimentos combinados. Toda essa bagagem de memória de movimentos se soma, contribuindo na formação de um atleta de Jiu-Jítsu mais completo e versátil quando chegar a hora de competir em alto nível.
VDN: Mas o Jiu-Jítsu infantil não é suficiente para desenvolver as habilidades motoras?
Dr. Amaral: O Jiu-Jítsu é uma modalidade riquíssima em estímulos motores. Estudos mostram que nas aulas infantis, as crianças desenvolvem força, equilíbrio, coordenação e consciência espacial o que faz do jiu-jítsu um dos esportes mais completos. No entanto, nenhum esporte isolado desenvolve todas as habilidades motoras. O Jiu-Jítsu, por exemplo, enfatiza luta corpo a corpo, mas não trabalha movimentos como chutar, arremessar, nadar ou pedalar, importante para um repertório motor completo.
Especialistas recomendam que até os 12 anos a experimentação motora seja ampla e variada. Na White-House Jiu-Jítsu School, aplicamos essa filosofia, nossas aulas incluem atividades lúdicas como corridas de pique, “pega-pega”, animal walks, jogos de bola e circuitos de equilíbrio etc. Assim, enriquecemos o desenvolvimento motor sem perder o caráter divertido do esporte na infância. A combinação do Jiu-Jítsu com outras atividades é que garante um desenvolvimento motor completo. Quando questionado sobre o “tempo perdido” com brincadeiras, costumo comparar, o Jiu-Jítsu é como um prato principal nutritivo, mas é preciso ter outros alimentos (atividades) no prato para fornecer todos os “nutrientes” (habilidades) necessários para um crescimento esportivo saudável e para a formação de cidadãos.
VDN: Como pais e professores podem promover a diversificação motora na rotina das
crianças?
Dr. Amaral: Tem diversas estratégias para promover diversificação, equilíbrio e variedade no esporte infantil. É importante que a criança tenha uma agenda com diferentes tipos de brincadeiras e esportes. Se ela faz Jiu-Jítsu três vezes por semana ou diariamente, pode nos outros dias praticar natação, futebol, andar de bicicleta ou participar de aulas recreativas de ginástica ou dança, ampliando a possibilidade de outros movimentos. Professores podem recomendar jogos escolares e os pais equilibrar competições com atividades de lazer, como playgrounds, cachoeiras ou passeios de
aventura. Outra recomendação é dosar a carga de treino, orientações da medicina esportiva infantil sugerem que uma criança não deve treinar mais horas semanais do que sua idade (por exemplo, 8 anos = máximo 8 horas semanais), prevenindo lesões e garantindo espaço para outras atividades e descanso. Além disso, é essencial manter o elemento lúdico nas atividades, pois crianças aprendem brincando. Mesmo em esportes estruturados, a diversão deve estar presente, evitando o desgaste e favorecendo que permaneçam ativas ao longo da vida.
VDN: De que forma o Jiu-Jítsu pode se beneficiar da inclusão de outros movimentos e esportes na rotina infantil?
Dr. Amaral: O Jiu-Jítsu, e qualquer modalidade, pode ganhar muito ao ser praticada em conjunto com outras atividades, graças o fenômeno de transferência de habilidades, competências adquiridas em um contexto esportivo são aproveitadas em outro. Por exemplo, uma criança que faz ginástica artística desenvolverá excelente noção de equilíbrio, flexibilidade e coordenação corporal atributos que indiscutivelmente ajudam nos movimentos de base e nas quedas do Jiu-Jítsu, se ela pratica judô ou wrestling, aprenderá técnicas de projeção e grips que complementam o Jiu-Jítsu, se participa de
yoga ou balé, ganha alongamento e postura, se anda de skate ou bicicleta, trabalha equilíbrio dinâmico e coragem para desafios físicos. Muitos atletas consagrados atribuem seu sucesso a uma formação multiesportiva por exemplo, o astro do basquete LeBron James foi também jogador de futebol americano na escola, e a estrela do futebol Abby Wambach jogou basquete o que seguramente a ajudou nos cabeceios e impulsão no campo. A ciência é categórica no que tange incluir outros movimentos e esportes na rotina não “distraí” do Jiu-Jítsu pelo contrário, enriquece o desenvolvimento da criança e, a longo prazo, pode tornar o atleta de Jiu-Jítsu mais talentoso. O tatame abre portas para muitos movimentos, mas quando a criança traz bagagem de fora, ela expande ainda mais seu potencial dentro do tatame.
VDN: Como organizar a rotina da criança e preservar o prazer pelo esporte, evitando desmotivação?
Dr. Amaral: Organizar a rotina esportiva infantil exige equilíbrio entre estímulo e descanso, garantindo variedade de atividades para promover desenvolvimento motor completo e manter a motivação alta. Segundo a Academia Americana de Pediatria (AAP), crianças devem ter ao menos um dia livre de esportes por semana. Além disso, é essencial intercalar treinos organizados com brincadeiras livres, como andar de bicicleta, jogar bola ou correr no parque, pois essas experiências não estruturadas estimulam criatividade e prazer espontâneo pelo movimento, diversificar as modalidades, alternar o Jiu-Jítsu com natação, futebol ou dança, não só aprimora o repertório motor, como também reduz o risco de burnout e mantém o esporte interessante para a criança. Pesquisas mostram que 70% das crianças abandonam o esporte antes dos 13 anos principalmente porque ele deixa de ser divertido.
Oferecer autonomia às crianças, permitindo que elas escolham modalidades e atividades de que gostam, encorajar o esforço e celebrar pequenas conquistas, independentemente de medalhas, reforça a sensação de competência e prazer. Em resumo, uma rotina variada, equilibrada e lúdica favorece o desenvolvimento físico e emocional, garantindo que o esporte continue sendo uma fonte de alegria e crescimento pessoal.
VDN: Por que a pressão por resultados pode ser prejudicial às crianças em
campeonatos como o Brasileiro de Jiu-Jítsu Kids?
Dr. Amaral: Competições importantes levam a fortes emoções em atletas, familiares e professores, mas a pressão excessiva por resultados pode trazer efeitos negativos no desenvolvimento infantil. Pesquisas mostram que a ansiedade gerada por expectativas externas afeta tanto o desempenho esportivo quanto a saúde emocional da criança, aumentando o risco de estresse, desmotivação e até abandono do esporte.
Devemos ter atenção, especialistas alertam que crianças com intensa pressão tendem a associar seu valor como pessoa exclusivamente a vitórias, o que compromete autoestima e prazer pelo esporte.
Na próxima semana, vamos aprofundar esse tema, explorando como o comportamento dos pais e familiares pode impactar de forma decisiva a saúde emocional e a experiência esportiva dos atletas crianças e como transformar esse apoio em uma verdadeira força para o sucesso e bem-estar deles.
A formação esportiva infantil de qualidade passa, necessariamente, pela diversificação de movimentos, pela manutenção de um ambiente prazeroso e pelo equilíbrio entre estímulo e descanso. Uma rotina variada, que respeite o tempo da criança e privilegie o desenvolvimento global, não só previne lesões e burnout, como também mantém o prazer e a motivação pelo esporte. Ao compreendermos os riscos da especialização precoce e da pressão excessiva por resultados, pais, professores e treinadores podem construir caminhos mais seguros e saudáveis para o crescimento esportivo e pessoal dos jovens atletas, sabemos que a influência dos adultos vai muito além da escolha dos esportes ou da organização da rotina, comportamento dos pais e responsáveis diante dos treinos e competições tem impacto direto no desenvolvimento emocional da criança e em sua relação com o esporte.
Na próxima semana, continuaremos essa conversa, explorando com mais profundidade como as atitudes dos pais podem impulsionar ou sabotar o desempenho e a felicidade de seus filhos no ambiente esportivo. Não perca!
Dr. Ricardo Amaral Filho (@amaralfilho)
Mestre em Educação e Saúde | Médico de Família e Comunidade | Medicina do Esporte